Por que desperdiçamos dinheiro em marketing quando o problema está no produto?
Por décadas, marketing e a publicidade foram encarregados de trazer novos clientes para empresas dos mais diversos setores. O investimento massivo em mídia, campanhas e estratégias de aquisição se tornou a norma, com times de marketing sendo pressionados a reduzir o Custo de Aquisição de Clientes (CAC) e gerar crescimento contínuo. Mas e se estivermos colocando dinheiro no lugar errado?
Muitas empresas despejam milhões em mídia paga, tráfego e campanhas de awareness, enquanto seus produtos ou serviços apresentam falhas estruturais que destroem a experiência do cliente. O resultado? Clientes insatisfeitos, alto churn e desperdício de investimento.
A tese deste artigo é simples: se parte do investimento tradicionalmente direcionado para marketing fosse alocado na melhoria do produto e experiência do cliente, o retorno sobre a aquisição seria muito maior. Com um produto forte, menos clientes se frustrariam e mais deles se tornariam promotores da marca.
Mas se isso parece tão óbvio, por que tantas empresas insistem nesse erro? Seria uma questão de cultura corporativa ou de governança e alinhamento interno?
O ciclo vicioso do desperdício em aquisição
Muitas empresas operam dentro de um ciclo destrutivo:
- A pressão por crescimento leva ao aumento do orçamento de marketing. Se a empresa precisa vender mais, a resposta automática é investir mais em mídia e campanhas.
- O marketing entrega novos clientes, mas o produto decepciona. Os clientes chegam, experimentam e percebem falhas – seja na usabilidade, na oferta real do serviço, ou no suporte pós-venda.
- O churn dispara e o ROI despenca. Clientes insatisfeitos cancelam, devolvem produtos, deixam reviews negativos e simplesmente não voltam.
- A resposta da empresa? Mais marketing. Ao invés de corrigir o problema na raiz (o produto), a empresa dobra a aposta em aquisição, queimando mais dinheiro para manter um funil que vaza.
Esse ciclo acontece porque as empresas enxergam marketing e produto como áreas isoladas. Enquanto o marketing é cobrado por trazer clientes a qualquer custo, o time de produto luta para resolver problemas estruturais sem os recursos necessários.
A matemática que ninguém quer encarar
Para ilustrar essa dinâmica, vejamos um exemplo simplificado:
- Uma empresa investe R$ 1 milhão/mês em mídia paga para adquirir 10.000 novos clientes, com um CAC de R$ 100 por cliente.
- O problema? O produto tem falhas críticas, e 30% dos clientes abandonam ou pedem reembolso logo no primeiro mês.
- Isso significa que, dos R$ 1 milhão investidos, R$ 300 mil foram literalmente jogados fora porque o produto não entregou o que prometia.
Agora, imagine que 10% desse orçamento de marketing fosse redirecionado para melhorias no produto:
- Investindo R$ 100 mil/mês na experiência do usuário, otimização da interface, suporte ao cliente e ajuste de features mais problemáticas, a empresa reduz o churn inicial para 10% em vez de 30%.
- Com isso, o mesmo investimento de marketing passa a reter muito mais clientes, aumentando LTV e potencializando recomendações orgânicas.
A lição? O dinheiro gasto para trazer clientes não vale nada se o produto não entrega a experiência que deveria.
O verdadeiro marketing começa no produto
Se analisarmos empresas que cresceram exponencialmente nos últimos anos, como Slack, Zoom e Dropbox, vemos um padrão: o marketing é consequência de um produto impecável e não o contrário. Essas empresas cresceram porque entregaram algo que os usuários adoraram, a ponto de recomendarem e adotarem em larga escala.
Um bom produto cria o efeito viral mais poderoso que existe: clientes satisfeitos recomendam a marca sem precisar de investimento adicional em mídia.
O problema é que muitas empresas não têm essa mentalidade. Elas veem marketing como um departamento separado, que opera em um vácuo, em vez de uma estratégia integrada ao desenvolvimento do produto e experiência do cliente.
Marketing vs. Produto: Cultura ou Governança?
Se a solução parece tão clara, por que tantas empresas continuam gastando excessivamente em aquisição enquanto ignoram os problemas de retenção e experiência do usuário?
Aqui surgem duas hipóteses:
- Falta de Cultura de Produto: Muitas empresas ainda operam com a lógica antiga de que o sucesso vem da persuasão publicitária, não da qualidade do produto. Esse pensamento leva a decisões onde marketing recebe recursos desproporcionalmente maiores, enquanto produto e experiência do cliente são vistos como secundários.
- Desalinhamento de Governança: Em muitas organizações, times de marketing, produto e atendimento operam em silos, sem troca real de informações. O marketing se preocupa apenas com conversão, o produto só responde a demandas internas e o atendimento ao cliente apaga incêndios. O resultado é um sistema fragmentado, onde ninguém enxerga o impacto real de suas ações no todo.
O caminho para reverter esse cenário
Se quisermos sair desse ciclo vicioso e maximizar o retorno sobre aquisição de clientes, algumas mudanças precisam acontecer:
1. Marketing, Produto e Atendimento precisam operar juntos
- Empresas devem conectar esses times para que compartilhem dados e insights.
- Reclamações frequentes no atendimento devem gerar demandas reais para o time de produto.
- O marketing precisa ser informado sobre os problemas do produto para ajustar campanhas e expectativas.
2. Parte do orçamento de aquisição precisa migrar para o produto
- Se uma empresa está gastando milhões para trazer clientes que logo cancelam, faz mais sentido investir em melhorias estruturais antes de aumentar a aquisição.
- Melhorar a experiência inicial do usuário (onboarding, suporte, UX) pode reduzir churn e tornar a conversão mais eficiente.
3. O crescimento precisa ser liderado pelo produto
- Empresas com produtos que “se vendem sozinhos” (exemplo: Zoom, Slack, Notion) possuem CAC muito menor porque os próprios usuários ajudam na aquisição.
- Se o produto for suficientemente bom, ele gera recomendações e viraliza, diminuindo a dependência de mídia paga.
Conclusão: Produto é marketing
No final do dia, o maior erro de marketing de muitas empresas é um produto fraco. Se o produto não encanta, o marketing vira um balde furado, onde clientes entram e saem sem gerar valor real.
O desafio não é apenas cultural, mas também de governança. A mentalidade de marketing e produto precisa mudar, e as empresas precisam integrar esses times para garantir que a experiência do usuário seja tratada como prioridade.
Antes de despejar mais dinheiro em campanhas publicitárias, será que sua empresa não deveria investir primeiro em entregar uma experiência que faça os clientes ficarem? [Webinsider]
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Michel Lent Schwartzman
Michel Lent Schwartzman (michel@lent.com.br) é um empreendedor serial e especialista em marcas e negócios digitais, com sólida experiência em acompanhar carreiras e aconselhar empresas. Pioneiro na indústria digital, é formado em Desenho Industrial pela PUC-Rio e mestre pela New York University. Ao longo de quase 30 anos, fundou e dirigiu agências e atuou como CMO em grandes fintechs, além de prestar consultoria para diversas empresas globais