O trabalho de recuperação da Dutton Vocalion trazendo à luz do dia matrizes de discos quadrafônicos nos dá chance de ouvir como elas soam sem qualquer tipo de codificação.
O som quadrafônico em elepê, lançado na década de 1970, não seu certo e acabou esquecido. Diversas matrizes foram lançadas nos formatos SQ, QS, CD4, etc., mas nenhuma delas vingou e atingiu o seu objetivo.
De bom para alguns colecionadores de elepês foi o desenvolvimento de agulhas e cápsulas bem mais sofisticadas do que as anteriores, e para os cinéfilos o desenvolvimento do Dolby Stereo, que trocou os 2 canais surround da matriz para 1 canal central e 1 surround. O Dolby Stereo resgatou o som do CinemaScope que havia sido perdido em boa parte da década de 1970.
A ideia tecnológica atrás do som quadrafônico na forma de uma matriz foi a de criar 4 canais a partir de 2, factíveis para a prensagem de elepês, tornando os discos compatíveis com o estéreo convencional.
Foram vários os fatores que impediram que o formato do elepê quadrafônico fosse adiante. O vício em reprodução estereofônica de música em somente dois canais teve prevalência.
Mas, de tempos para cá, uma série de pesquisadores amadores se envolveu com o assunto. Anos atrás, um desses fóruns abrigou gente que escreveu scripts para decodificar elepês estereofônicos pelo programa Cool Edit (versões 2000 e Pro). Na época em que eu estava restaurando e remasterizando os últimos elepês que eu tinha, eu mesmo experimentei rodar um script para discos no formato QS, considerado melhor do que o SQ da Columbia.
Esses scripts eram trabalhosos, e visavam usar a fórmula da matriz para extrair os canais surround esquerdo e direito. Mas funcionavam muito bem e o resultado compensava. Naquela época da minha experimentação, eu processei dois elepês da Project 3: 4-Channel Dynamite e Future Sound Schock, ambos gravados por Enoch Light na década de 1970.
Depois de rodado o script, os canais separados foram usados para montar um DVD-Audio. Tempos depois, eu migrei ambas as gravações para um DTS-CD, com resultados semelhantes. Anos depois essas experimentações caíram no esquecimento.
O som quadrafônico da Project 3 em SACD
Em um texto recente sobre a Dutton Vocalion, eu fiz menção ao magnifíco trabalho de Michael J. Dutton, e a sua remasterização de fontes quadrafônicas para SACD.
As matrizes originais quadrafônicas sem codificação alguma mostram que uma vez convertidas para DSD o resultado é muito melhor do que se possa imaginar.
Dias atrás chegou às minha mãos um SACD da Vocalion com duas gravações da Project 3 desta época, uma delas o acima citado 4-Channel Dynamite e e a outra Big Band Hits Of The 30’s. O disco com os arranjos da década de 1930 eu tive primeiro o elepê, e depois o CD editado no Brasil. Eu nunca soube que havia uma versão quadrafônica. E aí a curiosidade falou mais alto!
Enoch Light sempre gravou com uma grande aproximação dos microfones desde a época da Command Records e no caso dos discos da Project 3 nada mudou. Ao ouvir o SACD foi fácil perceber que o som dos instrumentos é bastante detalhado, por causa do método assim usado.
Na versão quadrafônica das Big Bands a separação de instrumentos é radical, vício também herdado da Command, que leva parte da orquestra e alguns solistas para os canais surround. Nem todo mundo aceita este tipo de mixagem. Quando eu frequentava um fórum de home theater, eu via a resistência de audiófilos em ouvir instrumentos fora das suas posições, portanto condenando o som multicanal. Eu imagino hoje que aquelas pessoas ficariam irritadas se ouvissem os discos da Project 3 com som quadrafônico.
Mas, se este preconceito não existe ou o audiófilo não se importa com som multicanal, a restauração no disco da Vocalion tem a sua razão de ser, não só pelo resgate da memória, mas também pela apreciação da diferença de reprodução quando a transcrição vem da master original e não da previamente codificada.
Pessoalmente, eu tenho reticências dos respectivos conteúdos musicais em ambos os discos, mas sob o ponto de vista da memória daquela época, foi interessante saber como soam estas gravações.
É para mim muito fácil entender porque os elepês quadrafônicos não deram certo. O vinil tem muitas limitações na reprodução dos extremos de frequência, prejudicando assim a separação entre canais. Agora na versão SACD é possível perceber a brutal diferença na qualidade de áudio originalmente pretendida naquela época. [Webinsider]
. . .
Paulo Roberto Elias
Paulo Roberto Elias é professor e pesquisador em ciências da saúde, Mestre em Ciência (M.Sc.) pelo Departamento de Bioquímica, do Instituto de Química da UFRJ, e Ph.D. em Bioquímica, pela Cardiff University, no Reino Unido.