Leo Huberman, ao refletir sobre a trajetória da humanidade no livro “A História da Riqueza do Homem”, condicionou que o eixo das ações e reações sociais tem uma relação central com os aspectos econômicos.
Na visão do escritor, as relações familiares, religiosas, militares e as ascensões feudais e burguesas são observadas única e exclusivamente pelos interesses econômicos que movem as pessoas e a sociedade [1].
Como Leo Huberman perceberia hoje a ampliação dos negócios gratuitos? Certamente justificaria a gratuidade apenas pelos ganhos financeiros indiretos e paralelos, como se a intenção sempre fosse ganhar dinheiro de imediato.
Entretanto, a sua visão lateral deixaria uma sombra sobre o que existe de mais inovador nesta virada de século: o emergir da economia dos bens intangíveis, que potencializa um fluxo não necessariamente comercial de geração de riqueza.
Chris Anderson é jornalista, mas deveria receber também o título de provocador. Ao defender a ideia de que o futuro dos negócios é grátis [2], Anderson desafia, de forma nada sutil, o economista Milton Friedman. Alguém certamente já pronunciou a frase: não existe almoço grátis. A eloqüência de Friedman foi tão marcante que a frase tornou-se uma das máximas da hegemonia do sistema capitalista.
Mas Anderson não teme velhos tabus e contrapõe, com a sua afirmação, os modelos tradicionais de negócios tomando como base o mundo virtual. Algo que deixaria Leo Huberman confuso e Friedman furioso. Anderson leva duas vantagens que o distingue dos outros dois: além de estar vivo, teve oportunidade de travar contato direto com as tecnologias da informação e comunicação – TICs.
Um encontro hipotético entre os três proporcionaria um debate a respeito dos períodos históricos caracterizados pela Revolução Industrial, o Neoliberalismo e a Nova Economia. É justamente neste último termo que se exige uma maior reflexão. A Nova Economia do final do século XX não trouxe nada de muito novo do ponto de vista econômico, mas sim tecnológico.
A Nova Economia foi o termo adotado para definir a fase mais avançada do capitalismo, onde a internet tem um aspecto central. Nesta fase todos os agentes econômicos têm acesso a todas as informações, criando teoricamente um nível de competitividade maior [3].
Muito importante, neste contexto, fazermos uma linha divisória: a Nova Economia tem uma relação umbilical com as TICs e bem mais distante de um modelo econômico que justifique a sua adjetivação de “nova”. Talvez seja por isto que o conceito anda meio fora de moda e bem menos pronunciado do que nas décadas 80 e 90. Afinal, a crise econômica de 2008/2009 poderá entrar para história como o período em que se reduziu a hegemonia dos Estados Unidos, berço dessa Nova Economia.
Mas por que afinal a Nova Economia não tem elementos que justifiquem a sua adjetivação? Inicialmente, os bens e serviços que se relacionam neste ambiente econômico “inovador” são marcadamente tangíveis e intangíveis – algo já existente na economia. O computador, a impressora, a câmara digital são tangíveis; a informação, o dado e o software são intangíveis. Assim, a Nova Economia composta em grande parte pelo mercado da Tecnologia da Informação e Comunicação tem sustentação em um conjunto de bens tanto tangíveis quanto intangíveis. Neste caso não temos nada de diferente às outras fases do capitalismo moderno.
A licença proprietária de software
A questão fundamental é que a produção, geração e acumulação de riqueza têm como base de sustentação modelos tradicionais voltados para bens tangíveis e artificialismos relacionados aos bens intangíveis. Um destes artificialismos, por exemplo, é a licença proprietária de software. A licença nada mais é do que tornar rival um bem que não o é por natureza (bens rivais são aqueles que impendem que duas pessoas usem/consumam um determinado bem ao mesmo tempo), tendo como uma das justificativas para adoção de licença proprietária o retorno de investimentos ao criador ou mantenedor do software.
Em função disso, um conjunto de bens intangíveis alimentam mais uma cadeia de produção tradicional do que um modelo que promova a sustentação da Revolução Tecnológica e Informacional. Este conceito, abordado por Castells, compreende o período histórico caracterizado por inovações, dentre elas a possibilidade de construções de redes sociais compartilhadas, constituídas por conexões múltiplas e não seqüenciais – aquela que permite, por parte do usuário, a produção simultânea e colaborativa de informação e conhecimento no ciberespaço [4].
E é com base nesta definição que Castells nos alerta que o atual modelo de produção de bens intangíveis passa a alimentar uma herança do processo de industrialização clássico – no que o autor chamou de capitalismo informacional – do que criar novas oportunidades no mundo virtual e no contexto da produção colaborativa em redes.
Se a Nova Economia mantém os antigos modelos de produção, das relações de trabalho e da apropriação e distribuição de riqueza, significa dizer que a economia dos bens intangíveis ainda não alcançou a sua plenitude e, por conseqüência, o emprego do termo Nova Economia é inadequado.
Para atingirmos uma verdadeira Nova Economia algumas etapas precisam ser perseguidas, sendo quatro delas abaixo elucidadas:
1. O primeiro passo será tornar intangível e não rival todos os artefatos relacionados à cadeia de produção de um bem intangível. Por exemplo, o software com adoção de uma licença livre passa a se reposicionar como um bem intangível, resgatando a sua origem. Entretanto, o bem software precisa de nome, marca, ambiente de produção e disponibilização. Todas essas “escalas de produção” precisam ser puramente intangíveis e não rivais.
2. O passo seguinte aponta para a necessidade de um novo marco regulatório para a propriedade intelectual, a propriedade industrial e o direito autoral, que estimule a produção coletiva, que proteja os autores e produtores que pretendem deixar seu conhecimento público, que fortaleça uma base de produção comum, zele pelo ambiente coletivo de disponibilização e sustente o modelo de negócios impedindo a apropriação indevida de bens livres e públicos.
3. O terceiro passo será a alteração do locus produtivo. O ambiente de trabalho será estabelecido pelas redes virtuais – a internet, os meios serão digitais e os processos de produção difusos. Uma estrutura transparente que poderá ser acompanhada por qualquer pessoa, em especial com mecanismos de controle públicos para os envolvidos na cadeia produtiva, o que significa dizer que o processo produtivo será não-linear, co-gestionado e com transparência social.
4. O último passo será a estruturação do ecossistema de produção de bens intangíveis onde algumas lógicas tradicionais serão superadas. O princípio da colaboração virá antes que o da competição. Outras lógicas também deverão ser pensadas nessa nova ótica colaborativo, tais como: o trabalho voluntário, a contribuição das instituições de ensino e de pesquisa diretamente na “linha de produção” e os modelos de contratações de empresas privadas voltadas para a disponibilização pública dos resultados.
Nesta outra Nova Economia, conceitos subjetivos relacionados aos bens e serviços têm um espaço fundamental na sustentação do modelo; certamente serão responsáveis pela nova fórmula de composição final do preço, como a qualidade, a segurança, a confiança, a pontuação do cliente, a transparência, a meritocracia. Estes, parafraseando Porter, serão “as vantagens competitivas” da economia futura.
Nesse novo sistema produtivo, o preço não será estipulado somente pela relação oferta e demanda tradicionais com a adoção de estudos matemáticos e estatísticos para explicar cada oscilação do mercado. Serão grandes círculos em que o preço será também determinado pelos fatores subjetivos descritos acima, e cuja a lógica de composição não será sempre exata.
A verdadeira Nova Economia vai criar condições para uma distribuição maior da riqueza, com instrumentos que impeçam o acúmulo desta pelos detentores dos meios de produção ou por aqueles que tenham maior capacidade de investimento. Algo que poderá proporcionar um maior equilíbrio nas oportunidades para ofertantes de soluções e prestadores de serviço.
Os elementos associados à riqueza são transitórios e determinados por aquilo que um dado momento da civilização se outorga como mais “valioso”. Em diferentes períodos da história, tais elementos eram caracterizados pela extensão das terras, pela quantidade de metais preciosos, pelas plantações, pelas unidades industriais ou pelo acúmulo de ações.
Atualmente, a capacidade de produzir, acumular e utilizar o conhecimento e a informação determina cada vez mais o volume de riqueza de uma nação. No futuro, um fator fundamental para a geração e acumulação de riqueza será dominar a produção de bens intangíveis que contemplem simultaneamente práticas favoráveis aos vetores comerciais do mercado e também os não-comerciais.
O desafio concentra-se na mudança de comportamento de todos os atores do mercado, para que os mesmos tenham capacidade de construir um modelo de produção que gere total independêndia entre os vetores comerciais e não-comerciais. Os primeiros vetores são visíveis no funcionamento do mercado atual. Já os não-comerciais precisam ter sua autonomia respeitada, sem a intervenção desses atores ávidos pela necessidade de realizar alguma transação financeira, pois todos serão diretamente beneficiados pela produção e distribuição de um bem, inclusive as organizações que são concorrentes no mercado.
Quando alcançarmos esse estágio de independência dos vetores comerciais e não-comerciais de forma autônoma, que verifica-se percorrer passos largos de construção, em conjunto com as quatro etapas abordadas acima, será possível verificar a consolidação de uma verdadeira Nova Economia, conhecida como a economia dos bens intangíveis.
Notas
[1] Leo Hubermann, História da Riqueza do Homem, 1976, Editora Zahar, 11a edição, Rio. (traduzido da 3a edição, publicada em 1959). tradução Waltensir Dutra.
[2] FREE, Grátis: o futuro dos preços, Chris Anderson, 2009, Editora Elsevier, 288 págs., São Paulo.
[3] REVISTA EXAME, A Nova Economia (reportagem de capa), Edição 695, de 25 de agosto de 1999, Editora Abril.
[4] O primeiro volume da Trilogia, “Sociedade em Rede – A Era da informação: Economia, sociedade e cultura”, mapeia um cenário mediado pelas novas tecnlogias de informação e comunicação – TICs – e como estas interferem nas estruturas sociais. Editora Paz e Terra, 1999. 617 págs., São Paulo.
Artigo publicado na Revista LinuxMagazine de julho de 2010, n. 68, Linux New Media do Brasil Editora Ltda.
[Webinsider]
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http://webinsider.uol.com.br/2008/02/07/o-jazz-e-a-tecnologia-da-informacao-e-comunicacao/
trágico