Para tentar fazer com que você leia este artigo até o final, digo que vou dar soluções para a maioria dos problemas sobre gestão do conhecimento! É claro que é uma brincadeira. Não é possível solucionar tudo, mas ao longo de um bom tempo lidando com alguns itens que incomodam, e muito, quem trabalha com gestão do conhecimento, podemos tentar solucioná–los.
A atividade de consultoria é interessante e surpreendente. Ser consultor não é tão fácil como parece. Nesse artigo vamos falar de alguns questionamentos sobre gestão do conhecimento que pairam pelo ar desde que comecei a ouvir falar nesse tema. E vamos mesclar também algumas pitadas de “manual de instrução do consultor”, para que não se torne uma matéria teórica, sobre coisas que nunca vimos.
Se você é consultor, ao ser contratado para algum serviço deve ter perguntado ao seu cliente qual era o problema dele. Sou capaz de apostar que a grande maioria dos seus clientes diz que nunca teve um problema. Ora, me contrataram com honorários altos e não tem problemas?
Do outro lado, se você não é consultor, provavelmente já deve ter convivido com um dentro da sua empresa. E se este consultor perguntou sobre seu problema, você certamente deve ter respondido que não tem problema algum. Que tudo está sob controle e você precisa apenas melhorar em alguns pontos. É complicado, não acham?
Encontramos sempre os mesmos problemas nas organizações quando o assunto é gestão do conhecimento. Problemas não – desculpem –, aspectos passíveis de melhoria.
No início de 1999 tive a oportunidade de começar a trabalhar com esse negócio de gestão do conhecimento e de cara o desafio foi lançar uma iniciativa numa empresa da indústria automotiva norte–americana que queria melhorar suas operações no Brasil.
Naquela época, com poucas comunidades virtuais sobre o tema, eu e uma equipe enorme pesquisávamos soluções existentes enquanto eram visíveis os problemas da tal empresa. Os gestores relatavam o mundo caótico dos negócios e da governança corporativa e nós, pobres mortais envolvidos em projetos, procurávamos solução para os problemas relatados.
O gerente de finanças reclamava que iniciativas de gerenciar conhecimento sobre o cliente não davam retorno financeiro algum. O gerente de marketing não conseguia gerenciar o relacionamento com cliente, o gestor administrativo perdia quase o dia todo gerenciando terceiros, prestadores de serviço e alguns fornecedores.
O gestor da área de produção – esse era o mais triste – nos atendia em pé, em meio a uma linha de montagem, já aparentando sinais de cansaço, tamanha a dificuldade de conexão com fornecedores, parceiros de negócios e terceiros. Enfrentava problemas com suprimentos, tinha que integrar a cadeia de fornecedores, tinha que otimizar o tempo de produção e a automação não estava nos níveis desejados.
O gerente de Human Resources (empresas bonitas têm nomes bonitos para seus setores) era o mais cabisbaixo. Conhecimento? Informação? Nós não temos cultura para isso, diziam. Nossos processos organizacionais não estão bem definidos, as pessoas não compartilham informações nem com seus colegas, que dirá com os dos outros setores.
A área de comunicação, que de comunicação só tinha o nome, dizia sempre estar revendo seus processos de endomarketing, que a comunicação organizacional era ruim, que havia silos de informação e por aí vai.
Talvez pelo fato de a equipe de consultores ser formada por consultores internos, os problemas vinham à tona com tanta facilidade. Você pode estar questionando: consultores internos? Sim! Consultores internos. Vamos à essência do consultor. Consultor é aquela pessoa que é chamado a influenciar em questões alheias. Não deixemos fugir isso de nossas cabeças.
Diante de tantos problemas parecia não haver solução para essa empresa, a não ser fechar as portas. Eis que alguém de nossa equipe menciona: “se não fossem os funcionários e os clientes, todas as empresas seriam uma maravilha”. Foi o que nos deu força para continuar naquela missão impossível.
Trazendo para os dias de hoje, sou chamado por algumas empresas para “apoiar” em projetos de gestão do conhecimento e, naturalmente, há uma tentativa de tirar um raio–x da empresa em questão antes de iniciar qualquer trabalho. São quase sempre as mesmas questões na maioria das empresas, independente do seu tempo de existência, de seu modelo de negócios e de sua estrutura organizacional.
Tente fazer esse exercício nas empresas em que você atua ou onde é funcionário. Tente levantar as questões, os aspectos que poderiam ser melhorados. É. Não caia na asneira de perguntar qual o problema que o setor ou o funcionário está vivendo, pois você corre o risco de obter nenhuma informação.
Os problemas normalmente se encaixarão na lista abaixo e você pode complementar com algum outro que não esteja relacionado.
– É complicado demais gerenciar conhecimento de terceiros, fornecedores e prestadores de serviço
– Gerenciar relacionamento com cliente é tarefa árdua demais
– A rotatividade, ou turn over, é alta
– A cultura organizacional é inadequada
– Os processos de comunicação são ruins, ou não existem. A comunicação é emperrada
– Não se tem tempo nem dinheiro para isso, ou seja, carência de recursos financeiros
– As pessoas não compartilham conhecimento
– Falta de consciência dos gerentes
– A estrutura organizacional é inadequada
– A infra–estrutura tecnológica da organização é inadequada
– O retorno de projetos que lidam com ativos intangíveis costuma vir em longo prazo
Para alguns destes problemas vamos economizar tempo e não debater muito. São questões que se levadas a cinco gestores provavelmente receberão cinco respostas diferentes. Por exemplo: porque as pessoas não compartilham conhecimento. Ou então, problemas de falta de tempo e dinheiro. Aliás, tirando tempo e dinheiro, acabariam metade dos problemas de quase todas as empresas. Desde sempre nos vimos às voltas com estas questões.
Gostaria de chamar a atenção para alguns pontos importantes, onde iremos fugir dos problemas e de tentar resolvê–los. Vamos pensar além, ou seja, o que pode ajudar as iniciativas de gestão do conhecimento e o que pode ajudar você a emplacar projetos de gestão do conhecimento com tranqüilidade. Raciocinando com apoio destas questões, as respostas a estas dificuldades irão surgir naturalmente. Mas não pensem que pára por aí. Em consultoria existe uma lei, chamada a Lei mais dura, que diz: assim que você elimina o problema número um, o problema número dois é promovido!
Nos próximos trechos não vamos falar de problemas, mas de diretrizes que, se seguidas, podem ajudar a minimizar problemas. É claro que avancei neste tema porque suponho que você já leu o artigo Os três pilares da gestão do conhecimento e portanto não vou falar que pessoas, processos e tecnologia de informação são cruciais, mas sim da aplicação de cada um destes três.
É preciso ter mente alguns itens críticos que podem direcionar todo e qualquer projeto de gestão do conhecimento:
1. Tenha a Gestão do Conhecimento como apoio à estratégia de negócio
2. Crie ou mantenha um ambiente propício ao compartilhamento do conhecimento
3. Sua empresa deve possuir a inovação como valor da cultura, senão terá mais uma barreira
4. Trabalhe a comunicação organizacional antes de pensar em tecnologia
5. Faça com que os processos de gestão do conhecimento sejam integrados com os processos de negócio existentes
6. Disponibilize infra–estrutura adequada (agilidade, flexibilidade, usabilidade) para os envolvidos no seu projeto
7. Procure verificar se a empresa possui práticas de gestão adequadas
8. Analise se você possui pessoas capacitadas para apoiar o projeto, isso dará credibilidade
9. Se não houver processos de trabalho estruturados, não continue seu trabalho. Você corre o risco de ter que parar no meio do caminho
10. Analise se os níveis táticos e estratégicos da sua empresa possuem uma visão de longo prazo, ou querem retorno rápido
11. Mantenha SEMPRE coerência entre o discurso e a prática
Repare que estes itens, se bem trabalhados, contornam a maioria dos problemas relatados pelas empresas. Não é verdade? E vamos a uma análise mais cuidadosa.
Ter a gestão do conhecimento como apoio à estratégia é uma maneira de conseguir patrocínio e engajamento para o projeto. As pessoas terão pouco a questionar sobre a utilidade dos seus projetos quando você tem como suporte um item do planejamento estratégico, concorda?
Criar ou manter um ambiente propício a compartilhamento de conhecimento não é tarefa das mais fáceis. Se a organização não possui uma cultura de compartilhamento, será necessário trabalhar esta questão antes de trabalhar gestão do conhecimento. Se houver uma cultura de compartilhamento já predominante, algumas horas de trabalho serão economizadas. Neste momento não há muito o que questionar.
A essência da maioria dos projetos de gestão do conhecimento é o compartilhamento de conhecimento, ou seja, seguir o ciclo proposto por Davenport e Prusak, que menciona criação, disseminação e utilização de conhecimento. Se a empresa não possui um ambiente onde as pessoas compartilham informações e conhecimento, muitos dos projetos de gestão do conhecimento poderão ser prejudicados. Ao mesmo tempo é necessário ter uma preocupação com a questão da inovação. Sua empresa estará bem encaminhada se possuir a inovação como valor da cultura. Esse é um aspecto que também economizará boas horas de trabalho.
Trabalhar a comunicação organizacional é um apoio para criação do ambiente que estou propondo acima. Possuir processos de comunicação estabelecidos e uma política de comunicação definida ajuda bastante.
Integração dos processos de gestão do conhecimento aos processos de negócio. Agora chegamos a um ponto quente. Pense na seguinte questão: você gostaria de refazer uma atividade porque sua empresa possui dois sistemas de informação diferentes tratando a mesma função ou processo? Acredito que a grande maioria deverá responder que não. Os envolvidos nos projetos também não gostariam. Neste momento você deve pensar nos processos de gestão do conhecimento integrados aos processos de negócio existente e nunca fazer processos à parte, em paralelo. Quais são os processos de gestão do conhecimento? Aí podemos citar criação de conhecimento, captura, armazenamento, registro, disseminação, reutilização, entre outros.
É um aspecto fundamental. É necessário que um processo de registro de conhecimento, por exemplo, esteja atrelado ao seu processo de atendimento ao cliente. É necessário que para um processo de treinamento interno exista o acoplamento do processo de disseminação. E por aí adiante.
Um belo exemplo de ineficácia é o fato de que muitas empresas optam por usar sistemas de registro de informação em paralelo aos seus sistemas de gestão empresarial, de relacionamento com clientes, de integração com fornecedores. Vem ficando claro que isso é meio caminho andado para que o usuário não utilize um dos dois sistemas. Ora, se ele vai deixar de usar um dos dois, qual seria? O sistema de gestão empresarial ou de registro de conhecimento? Vamos ter isso em mente.
É fundamental possuir infra–estrutura e práticas de gestão adequadas, junto a pessoas capacitadas. Não só para projeto de gestão do conhecimento, mas para a empresa continuar existindo!
Uma outra questão que cedo ou tarde aparece é a ausência de processos de trabalho ou processos de negócio definidos. Isso dificulta muito os projetos de gestão do conhecimento. Note bem, uma empresa que funciona desta maneira provavelmente está muito apoiada no conhecimento tácito que seus colaboradores possuem e conhecimento tácito é difícil de se gerenciar! A estruturação de processos de negócio e dos processos de trabalho visa uma explicitação de como a empresa opera seus negócios, como ela realiza suas atividades. E ter os processos documentados, mapeados, é algo que facilitará bastante o trabalho de qualquer pessoa que for lidar com gestão do conhecimento. Se sua empresa não possui isso, seria bom você ter a percepção de que a qualquer momento terá que fazer esse tipo de registro.
Discurso e prática. Gostaria de fechar este artigo, que foi uma tentativa de provocar você a levantar mais questões difíceis, falando da coerência entre o discurso e a prática. Esse pode ser o combustível do seu projeto de gestão do conhecimento. Não é preciso teorizar sobre essa questão, porque ela deve estar mais do que entendida, mas gostaria de relatar uma passagem que mostra bem isso.
Certa vez uma empresa entrou de cabeça num projeto de gestão do conhecimento onde a finalidade era criar uma base de conhecimento a respeito dos mercados em que atuava. Um funcionário técnico está no sistema de base de conhecimento, armazenando o fruto dos seus estudos de um determinado segmento de mercado. Eis que neste momento passa por trás da mesa dele o seu gerente. Vendo aquelas folhas e aquela digitação questiona:
– Fulano, você já preparou o relatório que pedi para reunião de amanhã?
E o funcionário responde:
– Ainda não, estou registrando aqui na base de conhecimento os estudos que fiz para o segmento que pesquisei.
O gerente, com toda a veemência que lhe é peculiar, resmunga:
– Fulano, larga esse negócio e vai trabalhar!!!
Tenha certeza de que seu projeto de gestão do conhecimento pode terminar nesse momento! Até os próximos textos. [Webinsider]
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Eduardo Lapa
<strong>Eduardo Lapa</strong> (eduardolapa@informal.com.br) é consultor pela <strong><a href="http://www.informal.com.br" rel="externo">Informal Consultoria e Serviços</a></strong> e presidente do Pólo RJ da SBGC.