Os moradores de um prédio têm uma série de interesses em comum, a começar pela propriedade do imóvel. Todos ganham com o investimento na manutenção das áreas coletivas e todos pagam caro ou barato por isso.
Essas pessoas compraram apartamentos que têm valores próximos um do outro e portanto, possivelmente têm receitas semelhantes. Eles escolheram o mesmo bairro, logo utilizam os mesmos serviços e tendem a ter referências e valores sociais parecidos. A ausência de um canal seguro e inteligente de comunicação reduz ao mínimo as possibilidades de colaboração nesses ambientes. Mas o mesmo princípio do Orkut, que utiliza um mix de ferramentas sociais integradas, pode abrir oportunidades para moradores e empresários.
Reuniões de condomínio online
Pessoas que são desconhecidas entre si colaboram para ter vantagens. No caso dos moradores envolvidos na manutenção de um edifício, o objetivo comum é viver bem, economizar o máximo e garantir a preservação do investimento. Um prédio em condições precárias reduz o preço de um apartamento luxuoso e bem conservado. E é nas fatídicas reuniões de condomínio que os proprietários decidem as melhores formas de conservar as áreas coletivas. Quem não aparece a esses encontros, marcados à noite ou nos finais de semana, se submete à opinião dos que compareceram.
Agora, imagine as vantagens desse diálogo acontecer no ambiente virtual.
Uma semana antes do encontro, o síndico publica na área apropriada as questões pendentes: 1) Consertar ou trocar o motor do elevador; 2) Contratação de um serviço de banda larga para o prédio; 3) Vantagens da instalação de um sistema interno de monitoramento através de câmeras; 4) Pintura do edifício. Quem não puder comparecer à reunião, consegue pelo menos contribuir com o debate e dar idéias para resolver questões segundo sua experiência e área de atuação. E com um pouco mais de investimento, a ferramenta pode comportar, além da plataforma para a troca de informações, um sistema de votação seguro para se tomar as decisões à distância, na hora que você quiser e puder.
Outras vantagens
Essa facilidade pode interessar aos condôminos, mas talvez não seja suficiente para justificar a implantação do sistema, na medida em que essas reuniões acontecem com pouca freqüência – talvez duas ou três vezes por ano. Mas é possível aproveitar a mesma interface para ajudar a solucionar outras tarefas.
A ferramenta “que pode ser uma solução composta de mural integrada com e–mail” convida os novos moradores a preencherem um formulário com informações práticas, como o nome da escola dos filhos, e questões pessoais como passatempos preferidos.
Esse cadastro permite que cada pessoa decida quais dados devem aparecer para o público e quais ficarão restritas aos conhecidos e amigos. A partir dessa lista de moradores, por exemplo, se houver um médico no prédio, a comunidade sabe que pode contar com ele para um atendimento de emergência. Outros profissionais residentes na comunidade também se beneficiariam: um advogado pode ser consultado, uma doceira recebe encomendas de bolo, um professor de matemática dá aulas de reforço, um preparador físico organiza uma turma aos sábados.
Além dos cadastros de moradores e das reuniões condominiais, há potencial para a utilização de um classificado. Novos moradores podem querer contratar uma doméstica diarista, por exemplo. Os vizinhos do quinto andar empregam uma há mais de dez anos “o que é um parâmetro de confiabilidade”, e que está com o horário aberto às terças e quartas.
Nessa mesma seção a comunidade troca dicas sobre prestadores de serviço em geral, encanadores, eletricistas, técnicos de computador, mecânicos de automóvel. E ainda se ajudam mutuamente na hora de vender ou alugar o imóvel. A comunidade fala sobre valores, quem comprou, quanto pediu, qual foi a melhor imobiliária, qual imobiliária engana ou atende mal os clientes. E esse boca–a–boca serve também para se fechar negócios sem intermediários, ou seja, os próprios moradores do prédio sabem da oportunidade de venda ou locação em primeira mão e passam a recomendação a seus conhecidos.
Em geral, os principais promotores do entrosamento nos edifícios são as crianças. Elas se encontram brincando nos playgrounds e minutos depois já estão nas casas umas das outras, o que dá brecha para os pais se conhecerem. Essas crianças estudam; logo, na mesma área de classificados os pais podem descobrir as escolas disponíveis no bairro
e também combinar sistemas de rodízio para levar e buscar grupos de filhos nas aulas. E junto com o classificado, outra seção de interesse pode ser uma agenda de atividades, que é usada para reservar áreas de uso coletivo, como o salão de festas, avisar as pessoas sobre aniversários, organizar eventos, alugar um canal pay–per–view para
assistir à final de um campeonato, reunir jogadores para uma sessão de ping pong, entre outras possibilidades.
Características da ferramenta
A ferramenta escolhida pode ter níveis diferentes de complexidade. A mais simples possibilita apenas que as pessoas compartilhem informações e uma senha restringe o acesso aos moradores. Um ambiente mais seguro pode ter um servidor dedicado e permitir o acesso a funções diferenciadas segundo a condição do usuário. A interface do proprietário, por exemplo, daria a ele a possibilidade entrar nas áreas das reuniões de condomínio e votar. O locatário teria uma área especial para conversar com o dono de seu apartamento sobre questões relativas à manutenção do mesmo. Crianças e adolescentes também teriam espaços próprios para combinar campeonatos de videogame ou flertar sem interferir nas discussões dos adultos.
Um ponto crítico para os dois encaminhamentos é que a ferramenta seja entregue juntamente com um serviço de moderação. É mais difícil, principalmente nos primeiros meses de uso, que a comunidade perceba as vantagens de utilizar a ferramenta, e um moderador treinado pode destacar as melhores participações de modo a produzir resultados e atrair a atenção dos usuários mais resistentes.
Uma oportunidade comercial
E a quem interessaria a implementação dessas ferramentas? Existem duas estratégias de ação.
Uma delas é desenvolver uma interface específica para essa situação, aberta para o público formar suas comunidades, e então vender o acesso a essas comunidades para empresas presentes na região se comunicarem com esse público. É o caso de lavanderias, imobiliárias, locadoras de DVD, pizzarias etc.
Outra opção é criar uma solução para ser vendida diretamente para as construtoras, de modo que este serviço adicione valor a seus projetos.
A implementação deve começar com a realização de um estudo junto a agentes imobiliários, zeladores, síndicos e pessoas do ramo para apurar quais são as necessidades mais freqüentes dos moradores de edifícios e elaborar a ferramenta a partir dessas informações.
No caso deste artigo, as vantagens apresentadas justificam o desenvolvimento de redes de cooperação em ambientes residenciais, mas o mesmo conceito pode ser ajustado e aplicado para qualquer cluster reunindo pessoas que habitam a mesma área física. Pode ser o escritório de uma grande corporação, um prédio comercial, um condomínio, ou mesmo uma vizinhança. [Webinsider]
Juliano Spyer
Juliano Spyer (www.julianospyer.com.br) é mestre pelo programa de antropologia digital da University College London e atua como consultor, pesquisador e palestrante. É autor de Conectado (Zahar, 2007), primeiro livro brasileiro sobre mídia social.