O nascimento do universo digital confunde-se com o nascimento do hipertexto. De fato, se olharmos para história da internet vamos encontrar os primeiros pesquisadores em busca de uma nova forma de escrita, a qual pudesse resolver basicamente dois problemas: de um lado o crescente volume de informações e como criar relações entre estas informações, basicamente textos científicos.
E de outro, permitir que o leitor pudesse escapar dos blocos fixos de texto, saltando para outros blocos, no exato momento de seu insight, encontrando relações, novas ideias e conceitos associados. A ideia existe desde 1945, com Vanevar Bush e o termo hipertexto (e também hipermídia) foi cunhado por Ted Nelson em 1963.
Assim toda a teoria já estava pronta quando o mundo digital e a aldeia global de McLuhan começou a materializar-se com a rede de computadores conectados. Não há dúvida que o meio digital potencializou o processo de não-linearização da informação.
Este novo universo de possibilidades e as limitações do passado foram as forças motivacionais que levaram Tim-Berners-Lee a criar o HTML (Hipertext Markup Language) como solução para seus problemas locais no CERN de relacionar textos científicos de forma rápida e eficiente.
Não por acaso, após as primeiras experiências com o hipertexto, muitos pesquisadores alardearam a morte do livro e suas convenções. O texto, agora digital e hiperlinkado, não estava mais preso à linearidade, às convenções de começo, meio e fim, tornando-se muito diferente da linearidade do universo Gutenberguiano.
Imediatamente, softwares para criação de hipernarrativas apareceram no mercado, cursos de narrativas não lineares foram inaugurados em algumas faculdades, milhares de websites abusaram da possibilidade de se ligar ou linkar (do inglês link – ligação entre dois pontos) qualquer palavra a qualquer outra palavra dentro de outro texto. As construções textuais agora chamadas de hipernarrativas transformaram o leitor passivo em Teseu, perdido num labirinto sem fim, arriscando-se a ser devorado por um Minotauro virtual.
Entretanto, não podemos fazer uma reflexão (mesmo que breve como esta) sobre o hipertexto deixando de lado seu suporte. Devemos lembrar que o hipertexto é apenas a superfície, a camada de apresentação, de algo mais complexo.
Este “algo” é o suporte, a estrutura física que permite a navegação e interação. Assim, se no começo era um computador conectado a outro computador e assim por diante, esta estrutura física evoluiu, tornando-se mais fluída, móvel e simples ou em outras palavras: tablets.
Kindles e iPads são hoje os suportes físicos primários para o texto digital, e logicamente para o hipertexto.
Mas onde está o hipertexto?
Você, assim como eu, tem lido jornais, revistas e livros em formato digital, então é fácil perceber que os velhos paradigmas do livro estão presentes em todos os livros digitais (assim como os paradigmas das revistas e jornais). Ao ler um livro em formato digital encontramos capa, índice, páginas numeradas, o texto blocado escrito em bonitas fontes serifadas e o movimento suave de virar as páginas.
E o hipertexto, onde está? Por que não linkamos esta palavra aqui com aquela acolá dois ou três capítulos mais à frente? Por que não linkamos o nome do personagem com um texto descritivo sobre seus hábitos ou coordenadas no Googlemaps mostrando onde ele mora?
O livro não está morto, como muito dizem por aí, certamente está mudando de suporte (bom lembrar que já foi de pedra, papiro enrolado, pergaminho…). Penso que o espírito do livro permanece, enquanto o hipertexto está agonizando de morte.
Em termos computacionais, o hipertexto continua mais forte do que nunca, agora transformado em HTLM5, código padrão crescente em todas as plataformas móveis. Mas é um código, uma linguagem de programação. O velho e bom hipertexto morreu, vida longa ao hipertexto. [Webinsider]
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Ricardo Murer
Ricardo Murer é graduado em Ciências da Computação (USP) e mestre em Comunicação (USP). Especialista em estratégia digital e novas tecnologias. Mantém o Twitter @rdmurer.
2 respostas
O mais engraçado é que faz parte dos padrões do bom texto referenciar as fontes utilizadas e fontes complementares de informação. Por que então não referenciar de fato? Sinceramente, acho que porque não deu tempo de pensar nisso, pois ainda se ganha dinheiro com o livro digital como com o livro da prateleira.
Minha amiga @karolbraun me alertou justamente sobre a inexistência de hipertextos nos livros eletrônicos disponibilizados em uma Biblioteca Digital que avaliávamos há alguns dias. Sem dúvidas este é um item que deve ser valorizado nos livros hoje vendidos em um novo suporte. Afinal, vive-se em uma época que quanto mais dinâmico e mais possibilidades um produto informacional proporciona, mais valor ele tem.