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Para homenagear, pela bilionésima vez, o mito Marilyn Monroe, a Fox lançou este ano uma caixa com os seus principais filmes em alta definição, e edições separadas dos títulos que lhe pertencem.

Entre eles, está o primeiro filme rodado em CinemaScope, mas lançado depois de “O Manto Sagrado”, que inaugurou o formato no mundo todo. “How To Marry A Millionaire” (no Brasil, “Como Agarrar Um Milionário”) aparece em uma edição discreta e sem nenhum extra importante.

Entretanto, o filme se presta para uma avaliação do momento histórico do avanço do cinema, e porque não dizer, para uma análise da mudança de retórica da filmagem tradicional, projetada em tela quadrada, provocada pela alteração do enquadramento da imagem, e da introdução de um “novo” formato de som. Eu me atrevo a dizer que, se precisasse lançar mão de uma explicação sobre isto em sala de aula, recorreria a este filme e conseguiria nele referências razoáveis para provar o meu ponto de vista.

 A evolução para a tela larga

Pressionada pela presença cada vez mais ameaçadora da televisão em solo norte-americano, a indústria de cinema se voltou para o lado técnico dos filmes, explorando aspectos que as transmissões de TV não seriam capazes de mostrar.

A imagem de TV dos anos 50 foi eventualmente formatada para as telas do cinema até então comercialmente realizado, em 4:3 e com som monaural. O cinema tinha a seu favor coisas como tamanho dos auditórios, espaço de palco e ambiente propício para o escapismo. Tudo isto sem falar na linguagem cinematográfica propriamente dita, até hoje completamente diferente em dinâmica e montagem, dos programas, seriados ou novelas de televisão.

Os estúdios se deram conta da desvantagem rapidamente. Começou com o Cinerama, formando uma tela com visão panorâmica, que explora a visão periférica do espectador, para criar ilusão de ótica e o suspense. E como o anamorfismo era desconhecido naquele momento, o processo foi obrigado a usar câmeras e projetores com três imagens em 4:3 sincronizadas.

O Cinerama, apesar do impacto, ficou limitado, por muito tempo, aos documentários de demonstração e quando chegou ao cinema tradicional, já era tarde e desprestigiado pelos cineastas. Não tardou muito para que os estúdios percebessem esta limitação, e coube a Fox visitar o francês Henri Chrétien, inventor da lente anamórfica, que havia feito uma demonstração da sua captura fotográfica em solo americano anteriormente.

A invenção de Chrétien foi patenteada no final da década de 1920, mas nunca encontrou aplicação em solo francês ou britânico. Os americanos descobriram que Chrétien havia feito um acordo com distribuidora inglesa Rank, que nunca chegou a usar as suas lentes. Assim que souberam que o acordo com a Rank tinha acabado, executivos da Fox foram a Paris para assegurar os direitos de uso (a lente era chamada de “Hypergonar”) com Chrétien e aproveitaram para fazer testes de câmera, antes de trazê-la em definitivo para os Estados Unidos.

Somente três lentes anamórficas foram trazidas inicialmente, e usadas em três filmes separadamente. Segundo testemunhas, depois de um dia de filmagem, as lentes eram guardadas com proteção de seguranças, em uma caixa lacrada e reaberta no dia seguinte.

O CinemaScope ganhou a dianteira na popularização da tela larga, porque a compressão da lente anamórfica podia chegar a 2.0 (tipicamente 1.5), conseguindo gerar uma imagem na tela na proporção de 2.66:1, muito próxima da relação 2.59:1 do Cinerama. Durante os testes conduzidos ao final de 1952, os técnicos da Fox se deram conta de que o fotograma na proporção de 2.55:1 se adaptava melhor ao filme de celuloide, com a diminuição da perfuração e com a introdução de bandas magnéticas nas cópias para exibição, e foi assim que os primeiros filmes CinemaScope foram lançados.

O CinemaScope ganhou ainda do Cinerama pela vantagem de usar apenas uma câmera normal e um projetor, facilitando a vida do cineasta e do exibidor, ao mesmo tempo mantendo a perspectiva do aumento da visão periférica da plateia.

 O enquadramento e a demonstração do formato

É fácil olhar Como Agarrar Um Milionário e perceber logo as diferenças com o cinema 4:3 convencional. Logo no início do filme, a primeira novidade: a demonstração do som estereofônico, dando cobertura à extensão da tela.

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A orquestra sinfônica do estúdio é conduzida pelo maestro Alfred Newman, que ficaria depois conhecido como o autor da fanfarra da extensão CinemaScope da Fox. Após a decadência do processo, a fanfarra ficou abandonada, até a sua ressurreição por George Lucas, para a introdução do filme Star Wars, em 1977, e de lá para cá tem sido usada pela Fox de forma permanente.

Não há dúvida de que a melhor referência para a distribuição espacial do som estereofônico é a reprodução de uma orquestra sinfônica. A presença de três canais espaçados na extensão da tela tem também como objetivo demonstrar que para a reprodução do som orquestral não existe o chamado “buraco no meio”, que é bastante evidente no estéreo convencional de dois canais.

A segunda demonstração é a de espaço lateral, enorme para as proporções de tela da época. E aqui, a gente observa a captura da extensão de um navio, próximo de Manhattan, cobrindo a maior área possível do fotograma:

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A cena foi usada pela Fox para a primeira demonstração do formato dentro do estúdio, antes do lançamento de O Manto Sagrado.

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O CinemaScope prevê que o som dos diálogos se desloca segundo a posição dos personagens dentro da cena. Foram usados recursos de panning, que é a mudança do som por canal, para concretizar o recurso. E, intencionalmente, os atores são dispostos ao longo da tela, de forma a enfatizar que o som acompanha a cena:

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O deslocamento do som dos diálogos foi substituído pela reprodução exclusiva no canal central da tela, com a introdução do Dolby Stereo.

 O legado do processo

Apesar do CinemaScope ter sido adotado por vários estúdios e depois virtualmente abandonado, o termo “scope” se tornou sinônimo do enquadramento e exibição com filmes na proporção 2.35:1, anamórficos ou não.

A necessidade de aumentar o parque de exibição dos filmes em CinemaScope acabou por desobrigar os exibidores de usar som estereofônico, como queria inicialmente a Fox. Com a introdução eventual das cópias híbridas, chamadas de “magoptical”, contendo as quatro bandas magnéticas ao lado de uma banca ótica mono, foi possível abranger as limitações técnicas de um número maior de exibidores.

A presença das duas trilhas sonoras obrigou a redução da relação de aspecto, de 2.55:1 para 2.35:1, que é como se encontra até hoje, para filmes “scope” em 35 mm.

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A lente CinemaScope original (vista acima), depois de cessados os direitos de Henri Chrétien, foi aperfeiçoada pela Bausch & Lomb, e depois pela Panavision, que retirou algumas distorções óticas e a necessidade do segundo foco. Vários filmes ditos como CinemaScope nos créditos foram, na realidade, rodados em Panavision, cujo logo passou a ser exigido em filmes subsequentes, junto a declaração “filmado em Panavision” nos créditos.

A dispensa de um segundo ajuste de foco foi um alívio para os cineastas. Se alguém observar com atenção vai reparar que os primeiros filmes em CinemaScope sofrem com problemas de suavidade na imagem provocada pelo foco impreciso. Outros cineastas procuraram e procuram até hoje alternativas “scope” para a lente anamórfica, de maneira a evitar distorção ótica. Em todas elas, a fotografia é feita com lente esférica e o enquadramento cortado posteriormente, para a relação de aspecto desejada, como por exemplo, no super 35 mm.

O formato “scope” tornou-se padrão de tela panorâmica até hoje, e apesar das restrições de espaço em casa ou nas salas multiplex, acredito ser ainda uma das melhores formas de se assistir cinema.

 Marilyn Monroe é um caso à parte!

Se existe um personagem no cinema cujos incidentes na vida pessoal e nas telas continuam cercados de controvérsias, ele está ligado à atriz Marilyn Monroe. Eu creio que a maior dificuldade de se estabelecer fatos concretos sobre a vida da atriz está, na sua maior parte, na quantidade incomensurável de especulações e fofocas, ao lado da criação, pelo chamado “star system” hollywoodiano, do mito sexual que acompanhou a atriz, até a sua morte e depois dela.

Se de fato Marilyn sofreu muito na vida, coisa que eu não duvido, não seria exclusivamente pela sua alegada infância e adolescência problemáticas, mas principalmente pela exploração da personalidade sexualmente agressiva, com jeitinho de menina desprotegida, escancaradamente explorada por vários cineastas e pela mídia.

A medicina mostrou décadas atrás do século passado que o comportamento sexual compulsivo e de muitos distúrbios de comportamento ligados à sexualidade do adolescente e do adulto estão intrinsicamente ligados à liberação de hormônios na corrente sanguínea. Mas, não há referência que eu conheça que a atriz tenha sido vítima de alguma doença nesta direção.

Marilyn Monroe foi acusada inúmeras vezes de ser sexualmente obsessiva, promíscua, alcoólatra e dependente de drogas. Recentemente, foi publicado um livro que tenta “provar” que a atriz também era lésbica, tendo tido casos com atrizes famosas, inclusive.

Culpada ou inocente, a atriz ajudou diretores a personificar mulheres com síndrome de abandono, carente de amor ou sexo, frágil e sem inteligência ou malícia, culminando com o estereótipo da chamada “loura burra”, que dura até hoje.

Pessoalmente, eu acho um nojo alguém, seja lá porque motivo for, explorar o lado vulnerável de outra pessoa, para tirar vantagem, ou pior ainda, faturar fortunas ou espaço na mídia por conta disto.

Embora diretores como Billy Wilder tenham visto na atriz a chance de explicitar aquele seu lado sexual pronunciado e o fizeram com competência, não acredito que a atriz, em seus momentos isolados fora das câmeras, tenha ficado satisfeita ou se sentido confortável com isto.

Esta mesma exploração é, por outro lado, uma demonstração da hipocrisia de uma sociedade moralista, cujo objetivo é fazer de conta que só os outros têm vulnerabilidade por conta de suas libidos. Se levarmos em conta o espaço de tempo (décadas de 1950 e 60), podemos ainda estabelecer um paralelo entre a televisão e o cinema, a primeira com seriados pudicos e moralistas, e o segundo apelando para o erotismo.

Nós hoje sabemos onde isto foi parar: o cinema desviou para pornografia aberta e fechou as portas de muitas salas exibidoras. A televisão perdeu o pudor e saiu apelando em seriados e novelas, e o faz até hoje. Mas quem, no final, saiu perdendo mesmo, é o espectador que gosta de TV ou cinema, mas continua a ser explorado nas suas carências e enriquecendo quem não tem escrúpulo. [Webinsider]

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Paulo Roberto Elias é professor e pesquisador em ciências da saúde, Mestre em Ciência (M.Sc.) pelo Departamento de Bioquímica, do Instituto de Química da UFRJ, e Ph.D. em Bioquímica, pela Cardiff University, no Reino Unido.

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10 respostas

  1. Caro Elias,

    Obrigado pela leitura e elogios.

    Lamentavelmente, as edições em Blu-Ray contendo filmes fotografados no Cinerama antigo não encontram, até onde eu saiba, lançamentos brasileiros. Mesmo a edição de A Conquista do Oeste está incompleta. Na edição norte-americana existe um segundo disco com o filme no formato Smilebox.

    Em outras palavras, a solução é importar, e foi inclusive o que eu fiz, para visualização e análise do primeiro filme em Cinerama (http://br74.teste.website/~webins22/2014/11/16/isto-e-cinerama/), cuja leitura eu gostaria de te sugerir, com a sua permissão.

  2. Caro, Paulo! Vim parar aqui ao procurar lançamentos de filmes em Cinerama no mercado brasileiro. Sabe me informar se existem edições nacionais de Blurays ou DVD’s de filmes que usaram esta tecnologia? Só consegui adquirir “A Conquista Do Oeste”.
    Obrigado!

  3. Texto muito esclarecedor! Como fã da Sétima Arte e apreciador das novas tecnologias ligadas a ela, sou devorador de matérias sobre o assunto. Parabéns, professor Paulo!

  4. Olá, Paulo,

    Obrigado pela leitura e elogio. Parabéns pelo seu blog, o qual vou ler com todo o prazer. É sempre interessante conhecer pessoas ligadas no cinema, métodos e técnicas.

    N.B.: você poderá reproduzir partes deste texto, se for de seu interesse, desde que sejam mantidas as referências sobre a fonte, ok?

  5. Ao fazer uma pesquisa referente ao filme O MANTO SAGRADO para composição de um tópico em meu blog, me deparei com um texto de alta qualidade e informativo referente ao processo que mudou radicalmente a estética das produções e que veio revolucionar a Sétima Arte.

    O CINEMA podemos dizer que é o ANTES e o DEPOIS do Cinemascope.

    Muitos pensam que THE ROBE foi o primeiro filme rodado no processo, mas em verdade foi o primeiro a ser lançado, tornando-se o primeiro sucesso do inovador processo, ganhando até mesmo um Oscar especial pela nova técnica. Mas de fato COMO AGARRAR UM MILIONÁRIO foi o primeiro filme rodado, mas lançado depois de O MANTO SAGRADO.

    Parabéns pela matéria. Sou editor do Blog FILMES ANTIGOS CLUB. Sou um amante da Antiga Sétima Arte e dos filmes clássicos.

    Saudações

    Paulo Telles
    FILMES ANTIGOS CLUB ARTIGOS
    LINK:http://www.articlesfilmesantigosclub.blogspot.com.br/

  6. Oi, Celso,

    É possível que você não tenha notado as diferenças, mas ela existiam. O 1.66:1, por exemplo, foi usado pelos estúdios Disney por anos a fio e por muitos cineastas ingleses também. Na verdade, em se tratando de filme plano, nunca soube que houvesse um padrão a ser seguido, enquanto que no Cinemascope o fotograma era obrigatoriamente feito segundo o tipo de cópia, como foi exposto neste texto.

  7. Paulo,
    Um ótimo artigo, principalmente para mim que militei tantos anos nas cabines. Uma curiosidade: quando recebia as cópias, as planas e as Scope, nesta última, as vinhetas separadoras dos fotogramas eram sempre “um fio de cabelo”. Eu nem sabia que haviam diversos formatos, o 1.78:1, 2.35:1 e outros como você cita. Eram absolutamente iguais em todos os filmes. Como já se vão alguns anos dessas projeções, fico a pensar: será que na época existiam essas várias bitolas ou são recentes? Nas cópias planas, as vinhetas variavam. Algumas eram tão grandes que a imagem na tela não preenchia totalmente na vertical. Não sei se me faço entender.
    Abraço.

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