Não existe, creio eu, coisa mais frustrante do que uma pessoa fazer planos para adquirir uma TV nova, e depois descobrir que está vendo alguma coisa que, supostamente, não deveria. E este raciocínio se aplica à mudança de padrões de tela dos televisores e monitores mais novos, saindo do display 4:3 convencional, para o de tela larga (ou widescreen) em 16:9.
Não é incomum a gente, que tem um pouco mais de experiência nesta área, ouvir a clássica pergunta do “porque a imagem do filme tem essas barras pretas?” E foi pensando nisso, que eu decidi escrever este artigo, na expectativa de tentar esclarecer o porquê das barras pretas, e, dentro do possível, provar a quem lê, que ninguém está sendo lesado, ao adquirir uma nova TV com tela widescreen.
Antes de mais nada, é preciso definir o que é 4:3 ou 16:9. Estas medidas se referem à relação entre a largura e a altura da tela de um monitor ou televisor, qual seja, para cada 4 de largura, eu devo ter obrigatoriamente 3 de altura, de uma medida de comprimento qualquer, por exemplo, centímetros. Assim, uma tela 16:9 tem 1,77 vezes mais largura do que altura, quase o dobro, portanto, daí o termo “widescreen”.
Se a gente dividir 4 por 3, e 16 por 9, vai ter, respectivamente 1.33 e 1.77. Por causa disso, pode-se afirmar que as telas de TV com formato 4:3 correspondem a um fotograma de cinema a 1.33:1 (o chamado fotograma plano, ou fotografia com lente esférica), e 1.77:1 (widescreen em filme plano), no caso de uma TV 16:9.
O cinema adotou a medida padrão de 1.33:1 para o filme plano, que consiste em 4 perfurações para baixo, no filme de 35 mm. A estória está melhor contada, neste outro artigo, dentro deste site. Mas, basta dizer que havia uma necessidade de padronização das proporções na tela, e assim a Academia de Cinema em Hollywood estabeleceu o padrão 1.375:1, que passou a se chamar “academy ratio”. No caso, “ratio”, se refere ao termo em inglês “aspect ratio” ou relação de aspecto. A mudança foi provocada pelo seguinte fato: os filmes mudos eram fotografados em 1.33:1, mas com a mudança para o som ótico, uma parte lateral do fotograma foi perdida. Com a redução da altura, na base de 1.37:1, o formato original em 1.33:1 foi recuperado.
Na medida em que os métodos de filmagem foram evoluindo, as relações de largura e altura foram se alterando, de forma a tornar a tela cada vez mais larga. No passar do tempo, os estúdios foram usando as relações de 1.66:1, 1.78:1, 1.85:1 (widescreen em lente esférica, ou filme plano), e aumentou para 2.76:1 (Câmera 65, Ultra Panavision, etc, em fotograma 70 mm), 2.55:1 (Cinemascope primitivo), 2.35:1 (Cinemascope, Panavision, ambos com lentes anamórficas) e 2.20 (Super Panavision, Todd-AO, em 70 mm).
A tela widescreen dos televisores e monitores modernos foi prevista para 1.77:1 nativo. Como a largura não muda, as acomodações dos fotogramas widescreen, acima mencionados, são feitas com a alteração da altura de cada imagem. No caso dos filmes antigos (1.33:1 e anteriores, a 1.66:1) a imagem pode ser totalmente contida na tela widescreen, com a inserção de barras pretas nas laterais da tela, no caso deste último:
Nos filmes widescreen transferidos para o vídeo, quanto mais larga a tela, mais espaço terá que ser perdido na altura, de forma a manter íntegra a relação de aspecto. Abaixo, pode ser visto um caso extremo desta situação: um fotograma de um filme Ultra Panavision (70 mm), em 2.75:1, aproximadamente.
Uma lista extensa dos principais formatos de tela, pode ser visto nesta interessante página da Internet, caso haja interesse do leitor, em identificar todas essas variações.
Aumento da resolução nas telas “widescreen”:
Para que a introdução das barras pretas, acima mencionadas, não implique na perda da qualidade da imagem do filme na TV, foi adotado um padrão de transferência chamado de “anamórfico”. O termo é derivado de uma antiga técnica de filmagem, praticamente introduzida no Cinemascope: uma lente, anamórfica, comprime a imagem fotografada verticalmente, no negativo do filme. Durante a projeção, uma lente com efeito oposto, estica a imagem lateralmente, para compensar a respectiva perda:
A mesma técnica é aplicada, na transferência do filme para a máster de vídeo. Os DVD’s assim produzidos são chamados de anamórficos, ou então “realçados para tela 16:9”:
A transferência anamórfica permite, como no cinema, aproveitar ao máximo a área disponível, para a captura da imagem. Se assim não fosse, uma parte desta área teria que ser destinada a criação das tarjas pretas, necessárias à criação do fotograma original. Neste último caso, o processo é chamado de “letterbox” ou widescreen não anamórfico. O processo foi extensamente usado nos antigos laserdiscs:
A perda de resolução na transferência em letterbox é de cerca de 33%, na resolução vertical, quando comparada à mesma imagem, transferida anamorficamente.
Por outro lado, para aproveitar ao máximo este aumento de resolução, é necessário que:
- 1. A tela usada para reprodução do DVD anamórfico seja 16:9;
- 2. O aparelho de leitura do DVD anamórfico seja ajustado para display 16:9 e não 4:3, como costuma vir de fábrica;
- 3. Seja usada uma saída de vídeo de alta resolução, como vídeo componente, DVI, ou HDMI.
Os aparelhos leitores de DVD saem de fábrica ajustados para tela 4:3, por convenção. Ao se fazer uso de uma tela 4:3 com disco anamórfico, o leitor aplica um filtro de conversão, de forma a eliminar as linhas que eram anteriormente usadas integralmente, na resolução do DVD. Com isso, a imagem fica empobrecida de qualidade, irremediavelmente. Se o mesmo leitor de DVD é usado para uma tela 16:9, é preciso desligar este filtro. Isto é conseguido, mudando-se a saída de tela no leitor, de 4:3 para 16:9. Se isso não for feito, a tela 16:9 exibirá uma imagem widescreen convertida, com a mesma perda de resolução acima referida.
Os DVD’s com transferência 4:3 “letterbox” (não anamórficos) podem ser reproduzidos na tela widescreen, porém com perda significativa de qualidade. A perda fica ainda mais evidente, se o usuário decidir usar o recurso de “zoom” da TV, porque, no caso, a imagem expandida tem uma resolução nativa em pixels muito baixa. Um recurso que é usado por alguns fabricantes, para diminuir esta perda é o chamado “upscaling”, que consiste no remapeamento de pixels, de modo a aproveitar ao máximo a resolução da tela 16:9. Se este recurso estiver disponível no equipamento leitor, ele deve ter preferência, ao invés de se usar o zoom da TV.
Em resumo, a inserção de barras pretas, na tela de um televisor ou monitor, mesmo em widescreen (16:9), é o que permite a adaptação da tela ao fotograma original capturado pela câmera de cinema. Imagens em alta definição são necessariamente anamórficas, o que significa dizer que a qualidade da mesma, numa tela widescreen, será sempre mantida. [Webinsider]
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Leia também:
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- 2001, Uma Odisséia No Espaço
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Paulo Roberto Elias
Paulo Roberto Elias é professor e pesquisador em ciências da saúde, Mestre em Ciência (M.Sc.) pelo Departamento de Bioquímica, do Instituto de Química da UFRJ, e Ph.D. em Bioquímica, pela Cardiff University, no Reino Unido.
7 respostas
Oi, Leeosvald,
Agradeço a sua sugestão, mas, rapaz, o problema é achar tempo para pesquisa e teste. Eu até tenho software competente, mas no momento eu não posso parar o trabalho.
Prometo fazer um esforço neste sentido.
Só uma coisa: tempos atrás, eu estava precisando passar arquivos de alta definição para mídia, e descobri que nenhum dos programas que eu uso (incluindo o Nero Vision 11) conseguem deixar o áudio intacto. Em se tratando de clipes com demos contendo codecs de alta resolução, a única forma de tocar isto sem alterar nada foi colocando tudo em um pen-drive e rodando através do meu Oppo 93.
Olá Paulo.
Gostaria que no seu proximo post,fosse falado do formato em MKV HD, esse formato se pode ter um imagem tão boa,até porque são extraidos de discos Blu-ray, e uma boa parte dos Players tem suporte do mesmo.
E tambem se pode ter audio DTS nao HD ou sim,mas ai depende da necessidade de cada um.
Olá, Rogério,
Com a tela 21:9 o usuário é obrigado a lançar mão de um aparelho reprodutor com capacidade para ajustar a posição da legenda na tela.
A Philips vendia o BDP8000 (http://www.philips.com.br/c/dvd-blu-ray/8000-series-cinemaperfect-hd-com-reproducao-3d-e-wi-fi-bdp8000_78/prd/) que fazia isto, e o mesmo você consegue com a linha Oppo, desde o modelo BDP-93. No caso específico da Oppo, a mudança é feita com o remoto, no momento da reprodução (“on-the-fly”). Se existem outros players, eu não os conheço.
Mesmo se você não tiver tela 21:9 o recurso é útil, porque vários DVDs widescreen letterbox têm legenda fora da área de imagem.
Sobre a tela 21:9 ela é ótima para 2.35:1, mas não tão boa assim para 1.85:1 ou abaixo. Mas, acho que o problema maior é que para se ter o melhor dos dois mundos, a tela tem que ser muito grande, o que encarece muito o investimento, comparado com as telas 16:9. No caso, eu preferiria um projetor, com lente anamórfica, mas esta brincadeira é também um bocado cara, e obriga importação ou importador.
Abraço e tudo de bom em 2013.
Olá Mestre Paulo
Esse assunto tema desta matéria veio a calhar, pois tenho curiosidade em saber sobre sua experiência com a Philips com tela de 21:9
Como foi que contornou o problema das legendas que normalmente ficam fora da imagem do filme (na parte que fica a tarja negra) ?
E quanto a diferença visual que foge ao padrão das telas 16:9 ?
Um abração e um ótimo 2013 Paulo.
Aos leitores,
O texto original desta coluna foi perdido em uma das trocas de servidores e editores de texto do Webinsider.
Eu resgatei o texto, mas é possível que alguns dos links não estejam mais funcionado, pelo que eu peço desculpas a todos.
Oi, Leeosvald,
Antes de o Blu-Ray ser lançado a comunidade de áudio e vídeo do mundo todo se queixou repetidamente das transcrições widescreen em letterbox 4:3, e não é para menos.
Eu fui um dos primeiros membros do antigo Home Theater Forum, no meio da década de 90. Foi um holandês que frequentava aquilo lá quem primeiro calculou a perda (33%) de imagem provocada pelo uso das linhas pretas, sem compensação anamórfica.
Eu ainda tenho muitos DVDs com este formato, alguns com flag 16:9 que muitos players não leem.
O Blu-Ray trabalha com alta resolução nativamente, e portanto obrigatoriamente 16:9, e com isto acabou a bagunça.
O lado triste desta estória é que muita gente, incluindo alguns tipos de suporte técnico, não tem nem noção do que a gente está falando. E muitos nem se importam em ver a imagem 4:3 esticada em 16:9, toda distorcida! As pessoas acham que é assim que se aproveita uma tela 16:9 e não adianta explicar que está errado.
Olá Paulo.
Eu particulamente,quando tinha o dvd do Quinto Elemento,em 4×3 achava um lixo,quando peguei a versão em Widescreen,mudou da aguá para o vinho, é outra história mesmo.
Agora pior que isso,é vim em 4×3 e por cima em letter box, ainda bem que o Blu-ray consertaram isso de vez,bem até agora todos que tenho está correto.