Todos nós gostaríamos de ter projetos inovadores, que arrebatem prêmios, façam brilhar os olhos dos críticos mais ferrenhos e, de quebra, aindam envolva milhões de pessoas (incluindo sua mãe, que ainda não entendeu o que você faz quando fala que trabalha com publicidade) e gere incontáveis vendas para seu cliente ou produto em questão.
Ok, agora voltemos ao mundo real.
Embora quase um mantra repetido à exaustão, vale o lembrete, o primeiro passo de qualquer ação, em qualquer área, é determinar seu objetivo. Ao contrário do que possam pensar aqueles ávidos pelo mais recente modelo de smartphone/tablet/bugiganga ou pela nova promessa social da internet, diferentes objetivos determinam diferentes planejamentos e, consequentemente, ferramentas.
Em muitos casos, a ânsia pela inovação faz com que agências e clientes busquem utilizar a última tecnologia, ou a recente divulgada ferramenta, em suas ações de comunicação. E é neste momento que se tem que ter claro que quando mais recente for uma tecnologia ou ferramenta, menos inclusiva ela é.
Apenas para entendermos melhor a realidade do mercado brasileiro: embora existam divergências quanto ao número exato de pessoas conectadas no país, vamos considerar o maior número, 90 milhões, como parâmetro. Isto indicaria que, por outro lado, existem 110 milhões de potenciais consumidores que nem ao menos digitam “www” no mês.
Tomando os 90 milhões de afortunados-conectados (considerando o número máximo de usuários dentre as diferentes amostras e diferentes institutos, fundações e organizações que os mensuram), ainda assim não podemos tratá-los de maneira uniforme. Distintos hábitos, frequência e objetivos de uso do meio digital dividem estas pessoas em múltiplos subgrupos, que acabam refletindo também a adoção de novas tecnologias, sejam ferramentas ou dispositivos:
- Trendsetters ou Early Adopters: ávidos pelo novo, pelo que poucos conhecem, pelo “indie” (no conceito de “alternativo”, não do ritmo musical); sua busca pelo pouco conhecido pode estar ligada à vontade de saciar uma inquietude e insatisfação com o status quo constantes, mas também, em muitos casos, ao anseio pessoal de ser, justamente, o ditador de tendências e aquele que apresenta o novo aos demais, fortalecendo, com isso, seu capital e status sociais.
- Heavy Users: embora grandes utilizadores das ferramentas, têm justo na sua utilização prática e exploração de todo seu potencial a motivação para estarem ali, sem a necessidade latente de estar ligado.
Se tomarmos o tempo de uso ‘conectado’ (incluindo aí o tempo de navegação, conexão mobile e utilização das ferramentas digitais), estes dois grupos representam 13,9% do total (12,5MM de pessoas). Em termos absolutos, como tudo no Brasil, estamos falando de um monte de gente. Mas nem chega perto aos outros 86,1% (77,5MM) de indivíduos que fazem a fama dos brasileiros no meio digital.
Esta grande porcentagem dos usuários estão concentrados em dois outros subgrupos:
- Web-functionals: aqueles que enxergam a internet e a conectividade efetivamente como uma ferramenta para realização de tarefas pontuais e, usualmente, lineares (pagar uma conta, mandar e receber e-mails, ver um vídeo). Boa parte destes são os chamados “migrantes digitais” e usuários entre a segunda e terceira idades.
- A massa: tendo um aspiracional heavy-user ou trendsetter, mas não a habilidade, conhecimento ou foco para identificar novos usos e tendências, a incomparável massa de usuários brasileiros dos meios digitais tende a ser fortemente influenciada ainda pela mídia de massa. Curiosamente, a mídia de massa unilateral tem sim um papel fundamental no direcionamento deste grupo de usuários aos dispositivos e ferramentas em crescimento, momento em que ocorre a explosão de usuários nestes destinos – pois a ideia aqui é “estar no lugar da moda”.
É interessante notar que o brasileiro traz consigo três hábitos de comportamento que se refletem a cada novo ‘hype’ tecnológico, sobretudo observado nas ferramentas sociais digitais:
Necessidade da conquista e demonstração de força dos brasileiros no mundo. Em um texto anterior, havia comentado sobre a razão do crescimento do Orkut, em seu tempo, no Brasil, tendo como pano de fundo uma marcha nacionalista para que o número de usuários do Brasil ultrapassasse o Reino Unido, depois o Paquistão e, finalmente, os Estados Unidos. Este comportamento se segue a cada nova notícia de que os brasileiros são o povo mais ativo nos meios sociais. Sendo esta, além do futebol, uma das raras situações onde o país com uma das maiores cargas tributário do mundo é “melhor que os outros países” (as aspas não são meramente ilustrativas), gera-se uma expectativa de que qualquer novidade no meio digital deve ser “conquistada” pelos brasileiros. E olha que isso acontece desde os tempos do Fotolog (lembra?) – Brace yourself! The brazilians are comming…. já diz o meme.
Invasão em massa e concentração da audiência. Passei 17 anos da minha vida em uma cidade do interior – Sorocaba -; nos idos dos anos 90 observei (e, confesso, vivi) uma dinâmica divertida nos bares e ‘baladas’ da cidade. Embora possa abrigar a oferecer diversas opções, o público usualmente concentrava-se sempre no mesmo local, ainda que ele não pudesse comportar a horda de adolescentes sorocabanos naquele espaço físico. Era uma necessidade de “estar onde todos estão”. Isto fazia com que um mesmo empresário abrisse duas ou três opções de ‘baladas’ na cidade e alternasse a comunicação entre elas, mudando o nome dos locais e sabendo que todo o lucro viria de um só empreendimento, por vez.
As ferramentas sociais digitais no Brasil funcionam como balada de interior; a massa vai para onde a massa está. Pense na migração dos últimos anos: Fotolog -> Orkut -> Twitter -> Facebook -> ???? (G+? Pinterest? Foursquare? Vine? Façam suas apostas…)
Fuga dos trend-setters e heavy users das ferramentas adotadas pela massa. A necessidade de diferenciação e sentimento de “exclusividade” impacta os trendsetters (e, posteriormente, os heavy users), que se sentem ameaçados em seu senso de pioneirismo no momento em que a massa literalmente invade aqueles destinos antes restritos a eles e seus pares. Como reação, tendem a migrar a outros destinos e um novo ciclo se inicia.
Este comportamento até deu origem à expressão “efeito Orkut” (dada a força com que o movimento de migração de usuários ativos da rede social do Google para a de Zuckerberg aconteceu no Brasil em 2011).
O ciclo de vida da adoção tecnológica de ferramentas digitais pode ser ilustrado pelo seguinte gráfico:
Independente do padrão de comportamento destes ciclos de adoção tecnológica, todos aqueles que passaram por determinado destino mantém sua presença, apenas não mais o utilizam (por isso a questão de usar usuários ativos e não usuários registrados para se determinar a força de uma ferramenta).
Bom, esta apresentação de cenário toda serve basicamente para fomentar a discussão sobre o que priorizar em uma ação digital:
1. Seguir possíveis tendências, criar fama de pioneiro e efetivamente ter meia dúzia de pessoas interagindo com sua marca na ultra-new-hype-trendsetter ferramenta digital incipiente OU
2. Utilizar uma ferramenta de massa, atingir um número maior de potenciais consumidores, mas conformar-se em não ter o status de “inovador” (como se isso estivesse atrelado ao uso qualquer de uma nova ferramenta ou dispositivo).
Particularmente, considero que a criatividade não está de maneira alguma ligada a conhecer/usar novas ferramentas, mas sim ao uso que se dá a qualquer uma delas (podem-se atingir níveis de criatividade muito superiores usando um saco de pão do que estando na página inicial do Mashable). Tudo dependerá, contudo, do objetivo de sua ação.
Muitas iniciativas que se utilizam do inovador como mote, embora não consigam ativar tantas pessoas justamente pela baixa adoção da ferramenta ou dispositivo, conseguem uma reação bastante positiva e massiva da mídia. É o “marketing do marketing”, onde a inovação vira notícia.
Em resumo, podemos ter projetos “to go”, cujo KPI é efetivamente a conversão atrelada à ação, como número de usuários, compartilhamentos, tempo de permanência, venda, cadastro, entre outros inúmeros possíveis objetivos; e projetos “to show”, cujo resultado positivo se dará através da exposição e media value que a ação gerou, ainda que poucas pessoas tenham sido efetivamente “convertidas” (participaram ou fizeram aquilo que a ação se propunha).
Do over-hype do Second Life, passando pela conferência de imprensa da Fiat via Formspring e todos os “virais” com pessoas dançando ou fazendo algo estranho em um lugar público, o “marketing do marketing” segue como no cardápio das agências e anunciantes. E tudo bem, caso seja este o caminho a ser trilhado. Não se pode esperar, contudo, que milhões e milhões de brasileiros estejam, neste momento, montando um filme composto por fragmentos de seis segundos no Vine. O correto entendimento sobre esta dinâmica de uso da internet permitirá às agências e anunciantes trabalharem melhor suas expectativas. [Webinsider]
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JC Rodrigues
JC Rodrigues (@jcrodrigues) é publicitário pela ESPM, pós-graduado pela UFRJ, MBA pela ESPM. Foi professor da ESPM, da Miami Ad School e diretor da Disney Interactive, na The Walt Disney Company.
Uma resposta
Acredito que o desafio maior para as agências/clientes está em identificar em qual estágio do ciclo de vida se encontra cada ferramenta e prever o próximo passo (por exemplo, assim como vem acontecendo com a Apple, o Facebook também está perdendo seu apelo entre os mais jovens?)
A Zynga, que praticamente nasceu em conjunto com os anúncios pagos do Facebook (quando estes ainda eram baixos), é um caso interessante de analisar como um projeto “to show” também pode se tornar em “to go” – embora seja mais difícil de acontecer, muitas empresas que apostam no primeiro caminho perseguem também o “casamento feliz” com o segundo.