Com Luciene Santos.
As manifestações que tomaram conta das ruas de Norte a Sul do Brasil oxigenaram a cidadania do povo brasileiro com os ares quentes da Primavera Árabe, que derrubou recentemente ditadores, déspotas e fantoches de países situados ao longo do Oriente Médio e Norte da África. Sem cair na irresponsabilidade de fazer uma relação direta entre uma coisa e outra, é nítido que existe uma grande insatisfação dos brasileiros como nos protestos que derrubaram as principais lideranças daquela parte do mundo.
E o que as mídias e o jornalismo têm a ver com isso? Tudo! Afinal, aliado às mídias o chamado jornalismo broadcasting (produzido por um e consumido por milhões) produz o imaginário social a partir da janela dos proprietários das grandes empresas de mídia que, por sua vez, são fortemente financiadas pelo governo. Estima-se que o governo brasileiro desembolse anualmente180 bilhões de reais dos cofres públicos para financiar grandes empresas de mídias, como jornais, portais de internet e agências de publicidade.
Uma extensa agenda de insatisfações
As recentes manifestações no País da Bola apresentam uma extensa agenda de insatisfações, como postou o deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ) no seu perfil do Facebook. Os protestos tiveram origem em ações de jovens de movimentos e partidos de esquerda de São Paulo. O Movimento Passe Livre (MPV) saiu às ruas contra o aumento de R$ 0,20 nas passagens de ônibus. A mobilização cresceu e ganhou as ruas do país inteiro. Preocupado com a repercussão dos protestos, o MPV informou que estava se retirando, mas depois mandou avisar que tinha revisto a sua posição.
Apesar da ação titubeante do MPV, os manifestantes tinham objetivos claros:
- Redução das tarifas dos transportes
- Elevação da qualidade do serviço
- Melhora na mobilidade urbana
No Rio de Janeiro, além da questão dos transportes, entrou em pauta a questão dos gastos exorbitantes com as obras do Maracanã. Esses jovens foram duramente reprimidos por policiais militares a pedido dos governos locais. Foram criminalizados pela mídia e tratados como “vândalos”. A violência desproporcional da PM atingiu jornalistas que cobriam os protestos, obrigando a imprensa a rever a criminalização dos ativistas sociais.
Ao lado da ação das redes sociais, essa mudança de postura da imprensa levou outros segmentos da sociedade a serem solidários com os ativistas. Com a mesma força como eram reprimidas, as manifestações cresciam exponencialmente por todo o Brasil, fazendo com que a imprensa mudasse de vez o tom e a angulação da cobertura dos eventos. O movimento que havia começado nos grandes centros espalhou-se por todo país, inclusive para cidades pequenas do interior.
As manifestações crescem e se transformam em baú de infelicidades, que incluem até ativistas com inclinações fascistas e com desejos de golpe de Estado. Segmentos despolitizados e cheios de preconceitos em relação à política passam a dominar o tom das manifestações. Nessa nova Ágora dos tempos modernos aparecem bandidos e arruaceiros produzindo violência gratuita e desnecessária. Os patriotas tardios, como frisou o deputado Jean Wyllys no Facebook, queriam fazer das manifestações uma ‘marcha udenista’.
A mídia que distorce os fatos
Um vídeo esclarecedor do VJ PC Siqueira, da MTV Brasil, aborda a mídia que tenta distorcer os fatos. Segundo Siqueira, a grande mídia estava tentando confundir as pessoas no início dos protestos. Estava tentando tirar o caráter político das manifestações. Ou seja, despolitizando as manifestações e passando a imagem de um monte de brasileiros felizes na rua. Quando as manifestações começaram, a mídia falou que era um monte de vândalos e que a polícia estava fazendo bem em descer o pau.
Até o nosso querido Arnaldo Jabor errou feio ao comparar os manifestantes ao grupo PCC. Só uma semana depois, a TV Globo interrompeu uma novela para transmitir a manifestação. Dessa vez estava chamando-a de pacífica e que os vândalos eram minoria e que não faziam parte das manifestações. Então, o vídeo pergunta: por que a Globo começou a apoiar do nada as manifestações? Na verdade, a Globo não está do nosso lado, existe algo de muito escuso por trás desse apoio repentino de uma das maiores empresas de mídia do Brasil.
A grande mídia nesse país é controlada por algumas famílias muito poderosas e influentes, adverte Siqueira. Diferente do que querem passar, eles não são nem um pouco despolitizados. A Rede Globo apoiou a ditadura militar, elegeu Fernando Collor e ainda apoiou o braço de ferro da PM em cima dos ativistas e as balas de borracha que o povo ainda está tomando na cara. É inegável que a Globo e a grande mídia como um todo tem fortes posições políticas e usam esse poder para agir em causa própria. O que, aliás, é uma posição de direita, observa Siqueira.
Então, não é de se espantar que eles estão dando tanta ênfase em noticiar que as manifestações não tem caráter de partido. ‘Preferem noticiar repressões entre os manifestantes que levantam bandeira vermelha que é o símbolo da esquerda, que vão contra os interesses da mídia que já é quase um partido político no país. Por sua vez, a Globo não quer que um partido político de esquerda manifeste ao seu lado’, alfineta Siqueira.
‘Quando você hostiliza pessoas de partidos políticos em manifestações, você não está sendo só contra liberdade de expressão e a democracia, você está agindo exatamente como as grandes empresas de mídia querem que você aja’. Pelo bem da própria democracia e evitar que a Globo coloque a gente um contra o outro, a gente deve se tolerar, se direcionar e não deixar que esse gigante que acabou de acordar, que somos nós, acabe sentado assistindo Fantástico de novo, finaliza o vídeo.
A hora do jornalismo social
Concomitantemente, inicia-se um processo viral das redes sociais sem possibilidade de controle do chamado jornalismo broadcasting. Entra em cena, pela primeira vez no Brasil, o chamado jornalismo social – a notícia passa a ser contada pelos próprios atores dos acontecimentos via redes sociais. Para o deputado Jean Wyllys, as manifestações ganharam um viés de espetáculo para as emissoras de TV e para as redes sociais. De fato, à primeira vista, não há como ter um olhar preconceituoso em relação a um clamor social aparentemente sem qualquer controle.
Por outro lado, temos que buscar novas premissas que não empanem propostas de mudanças sociais necessárias. Nesse sentido, o jornalismo social mostrou a sua cara dura. As redes de jornalismo broadcasting não estão satisfeitas com a nova realidade trazida pelo jornalismo produzido pelos próprios atores dos acontecimentos sociais. Na verdade, o jornalismo broadcasting nunca soube fazer uma cobertura de cunho social. Por quê? Esse tipo de cobertura sempre fere interesses escusos dos proprietários de mídia.
Sociedade das entidades mortas
Depois do acordo com a americana Time Life em 1962 que garantiu a Rede Globo um poder midiático desproporcional, o chamado Padrão Fifa configuraria-se como a segunda grande ingerência de uma empresa estrangeira privada em assuntos de Estado no Brasil. O País do Futuro chegou ao fundo do poço. O Padrão Fifa impôs Estado Exceção e fez reviver o AI5 nas ruas e redações dos jornais. Por interesses privados escusos, a imprensa se cala em nome da obediência civil e de sua urgente monetização midiática.
Tudo bem, talvez, se o Brasil tivesse entidades sociais e classistas mais sólidas e descoladas dos muros palacianos. Com raríssimas exceções, essas entidades só conseguem funcionar submetidas às mãos pesadas de um estado tutelador. Um exemplo é a inexpressível mobilização da associação dos médicos brasileiros com a vinda dos colegas cubanos. Segundo manchete do jornal O Globo, ‘exame reprovou 98% dos médicos formados no ensino cubano’. Apesar disso não se ouviu nenhum grito além do ambulatório.
Diferente do aparente silêncio dos médicos, o vídeo em inglês (e legendas em português) ‘No, I’m not going to the world cup’ manda uma mensagem em alto e bom som: ‘Não, eu não vou à Copa’. Foi produzido por Carla Dauden, uma brasileira radicada em Los Angeles há cinco anos, onde fez faculdade de Cinema. Com mais de 2,2 milhões hits na internet, o vídeo se tornou um grito de insatisfação e denúncia contra o balcão de mentiras travestidas de notícias.
Por outro lado, o tom da nota divulgada por Dauden à imprensa só revela que ainda somos muito ‘em cima do muro’ quando as coisas sérias do nosso país clamam por nosso ativismo e posicionamento. A tempos, mentiras são vendidas em belas embalagens de notícias. Nos últimos 50 anos, o Brasil assistiu pela TV e leu em grandes jornais e revistas semanais mentiras bem contadas. Certa vez, o MGTV publicou uma pesquisa do IBOPE dizendo que ‘o mineiro era feliz’. Ora, ora, ora!
A histórica caminhada dos insatisfeitos do centro de Belo Horizonte ao Mineirão revela que aquilo era conversa para boi dormir. A estrutura dos Newsgames está alicerçada no modelo de jornalismo social baseado em redes sociais. Eis a nossa nova Ágora! Um lugar onde entidades sociais e sindicatos, inclusive dos jornalistas, podem pensar novas estratégias de ação em prol da cidadania.
Newsgamificando a nossa Ágora social
Quando propusemos a Teoria dos NewsGames como um novo modelo de Jornalismo Online foi justamente pensando numa forma de oferecer aos leitores opções para que eles pudessem sair das amarras de sites de notícias que se negam a informar aquilo que realmente está acontecendo. Analisando a cobertura das manifestações sociais pelos principais portais brasileiros, é fácil perceber que a maioria está angulando os atos de cidadania como mero vandalismo. Isso é muito mais do que uma mera miopia da mídia.
Apesar da mudança de tom e angulação por alguns portais, os ativistas ainda estão sendo encarados, pelo menos aqui no exterior, como vândalos do apocalipse. Parece claro que o dinheiro está rolando por debaixo da mesa. Então vale boicotar esse tipo de jornalismo! Um tipo de jornalismo que corrompeu o imaginário do brasileiro. Apesar de sermos uma brava gente, ainda temos sentimentos de inferioridade por conta de falsos arquéticos vendidos no horário nobre por novelas e telejornais.
Bem mais do que uma mera brincadeira, um dos pilares dos newsgames já está em marcha. Afinal, games baseados em notícias podem ser uma excelente plataforma de atuação social em defesa de cidades com realidade aumentada. A essência dos newsgames está a voz de uma sociedade participativa de forma pacífica. O movimento deve continuar sem violência. De que maneira? Boicotando produtos e empresas que boicotam o povo! Como diriam os Titãs, Oh, Cride, fala pra mãe que hoje não tem novela, não! Tem cidadania! [Webinsider]
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Geraldo Seabra
Geraldo Seabra, (@newsgames) jornalista e professor, mestre em estudos midiáticos e tecnologia, e especialista em informação visual e em games como informação e notícia. É editor e produtor do Blog dos NewsGames.