A TV está mesmo agonizando. O que vem depois?

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“Uma rosa é uma rosa é uma rosa é uma rosa” (Gertrude Stein, 1913)

É duro admitir, mas a televisão está nas últimas. Isso pode parecer uma surpresa para milhões de adoradores da telinha, uma coisa difícil de acreditar. Afinal de contas, a TV continua a líder absoluta do mercado publicitário — só nos EUA, concentra mais de 42% do bolo, que é o maior do mundo.

Como dizer então que essa setentona vigorosa está desenganada, que é uma mídia em extinção, apesar da ótima aparência? É justamente isso, aparência. Dona TV é a paciente mais animada da UTI porque está entupida de morfina (leia-se dinheiro) e saltita sorridente pelos corredores do hospital, dançando com os enfermeiros.

A TV continua cheia de dinheiro porque ainda se beneficia de um modelo de negócios inventado há mais de meio século, quando os gênios publicitários da Madison Avenue criaram os formatos e estilos de anúncios que conquistaram os anunciantes com sua eficiência e retorno de investimento — infinitamente maiores que qualquer outro meio até então.

Com esse imenso rio de dinheiro, a TV começou sua escalada para se tornar a mídia dominante. Investiu em sua própria estrutura de produção, em tecnologia, em talentos. Os programas começaram a concentrar audiências de milhões. E assim foi por décadas.

Mas a TV não é mais o que era. Ou melhor, a TV continua sendo exatamente o que era, o mundo ao seu redor é que mudou radicalmente. As tecnologias mudaram, a economia mudou e, acima de tudo, mudaram as pessoas. Desde o surgimento da internet, os hábitos de televisão foram mudando sensivelmente.

Tornou-se possível ver a programação da TV na tela do computador. E por extensão, em qualquer tela digital — celulares e tablets. Mudou o tempo dedicado à televisão. Não o número de horas, que continua estável e em crescimento. Mas as pessoas deixaram de seguir as grades de programação. Tecnologias como os gravadores digitais de TV e os serviços de streaming liberaram os espectadores, que começaram a montar sua própria programação.

Segundo a Nielsen, os americanos veem cinco horas diárias de TV por dia, o que representa quase 1.800 horas anuais. A maior parte ainda na frente de um televisor tradicional, assistindo de modo tradicional; quer dizer, a programação regular de atrações gravadas e ao vivo, determinadas pelas emissoras.

Duas décadas depois do início da revolução da internet, apesar das agruras econômicas e da explosão de novos concorrentes, o velho regime da televisão sobrevive e prospera, com apenas umas poucas atualizações tecnológicas e cosméticas. No país mais rico do mundo, a TV consegue se manter como mídia dominante sem muitas mudanças.

A TV se move com passos de brontossauro, mas de vez em quando dá grandes saltos que sacodem fortemente sua paisagem. Antes da internet, a última vez que o modelo tradicional das redes realmente tremeu foi no final dos anos 1970, quando Ted Turner (Turner Broadcasting System), Pat Robertson (Christian Broadcast Network) e os criadores da HBO começaram a usar satélites para transmitir suas programações para assinantes.

A novidade levou ao lançamento de vários canais de sucesso, como ESPN, MTV, CNN, Discovery e Bravo. A maioria dos canais surgidos naquela revolução ainda está em operação — não devido à superioridade da programação, mas porque se tornaram os novos jogadores dominantes no negócio e se fortaleceram economicamente. A “nova TV” se tornou rapidamente “a mesma TV”.

Netflix e Amazon

Mas o inverno está chegando para a velha televisão. O Netflix e a gigante do e-commerce Amazon são as ameaças mais poderosas, mas outras iniciativas também têm o potencial para obrigar a televisão a mudar de nome. O arcaico termo “televisão” remonta ao início do século 20, e é inadequado para nomear essa nova encarnação do meio de comunicação favorito do mundo.

A Netflix, que evoluiu de uma locadora de vídeos (quase) similar à Blockbuster para se tornar um dos novos paradigmas da televisão atual, não para de surpreender. Hoje, a empresa atende milhões de assinantes no mundo, oferecendo um cardápio cada vez mais segmentado de interesses — segundo uma reportagem da The Atlantic, a Netflix já gerou 76.897 rótulos para classificar filmes e seriados em “micro-gêneros”.

Felix Salmon escreveu um artigo para a Reuters sobre o risco dessa estratégia da Netflix, apontando certa desonestidade da empresa ao oferecer um imenso catálogo de “long-tail” pelo simples motivo econômico de não poder oferecer blockbusters recentes do Hollywood pelo seu alto preço ou por batalhas jurídicas com os estúdios — que percebem esses novos serviços como uma ameaça ao seu modelo de negócios cristalizado há décadas.

A empresa do Vale do Silício investe pesado em programação própria — o sucesso de público e a consagração crítica das séries “House of Cards” e “Orange is the New Black” provam que a empresa está no caminho certo. Essa estratégia ainda custa (muito) mais do que os lucros obtidos, mas a Netflix não almeja se tornar apenas uma nova HBO. O modelo de exibição da Netflix, com acesso instantâneo on-demand, é a verdadeira mudança.

Fim da cultura de massa

A empresa aposta, e alto, em um modelo onde a TV tradicional será substituída pela medição de interesses e valores da audiência criada na era da internet. Em vez de impor uma programação de grande custo para uma audiência geral, a Netflix se concentra em gostos compartilhados, sem obrigação de horários. É o fim da cultura de massa como conhecemos.

Nesse contexto, é extremamente relevante o discurso de Kevin Spacey, protagonista de “House of Cards”, feito ano passado durante o evento Guardian Edinburgh International Television Festival, na Escócia. O vídeo completo pode ser visto aqui. Spacey imagina um futuro próximo, onde o hábito de ver TV (mais importante que a tecnologia em si, em qualquer período) sofrerá as transformações mais radicais.

A nova geração de espectadores já não tem diante do vídeo a mesma atitude de seus pais e avós — a seleção é muito ampla para escolher o que assistir, no aparelho que quiser, na hora que quiser e no lugar que quiser (ou puder).

O Amazon Prime Instant Video é a resposta da Amazon para o Netflix. Os clientes pagam US$ 79 pela assinatura anual, que dá direito a uma oferta de filmes e programas de TV via streaming. Seria apenas um clone do Netflix, mas a Amazon tem suas cartas na manga.

A empresa criou o Amazon Studios, que está desenvolvendo séries próprias, com destaque para comédias. Os usuários assistem os pilotos dos programas de graça e votam nos melhores, que depois são selecionados para uma temporada inteira. Isso reflete corretamente a opinião de Kevin Spacey sobre o futuro do meio.

A internet mostra que a TV do século 21 poderá ser uma criatura totalmente inédita. O primeiro “YouTube Music Awards” foi um evento badalado e cheio de celebridades, e atraiu 220.000 espectadores na transmissão ao vivo — em comparação, o tradicional MTV Video Awards teve audiência de mais de 10 milhões nos EUA na última edição. A MTV existe desde os anos 1980, então o crescimento da audiência dos eventos online é uma questão de tempo. Depois de duas semanas da exibição ao vivo, o YouTube Music Awards já havia atingido 3,5 milhões de exibições no site.

Os canais, programadores e criadores de conteúdo terão que lidar com as particularidades do público de TV na internet. São pessoas diferentes das audiências da TV normal, mais dedicadas a interesses específicos, com menor lealdade a programas e nenhum compromisso com horários impostos.

Essa nova audiência pode assistir muitos dos programas vistos pela “velha” audiência, mas o modo de ver é essencialmente diferente. O programa visto na tela é complementado por uma ou mais telas adicionais — um notebook aberto no Twitter, Facebook ou outra rede social, e um celular ou tablet aberto em um diálogo com amigos.

TV com menos publicidade

Já falamos aqui sobre o Vodo.net e seu modelo de financiamento público (crowdfunding) de séries de ficção. Apesar dos resultados iniciais terem sido animadores, o projeto parece ter perdido o fôlego. Muitos das séries do site estão paralisadas pela lentidão das doações dos interessados. A série “Pioneer 1“, que teve boa audiência e elogios da crítica, é a única que parece ter chances de chegar a uma segunda temporada no modelo proposto pelo site.

Outro modelo interessante e promissor é a série documental This is Not a Conspiracy Theory. O documentário aborda as teorias da conspiração ao longo da história, e a produção será paga pelos usuários interessados. A diferença em relação ao modelo do Vodo.net é sutil, mas fundamental.

O primeiro episódio poderá ser visto de graça no site — depois, cada usuário contribui com US$ 12 para ver o próximo episódio, e esse valor deve subir depois para US$ 15. O ritmo da produção é determinado pelo volume de doações ou pagamentos.

Ao participar do projeto, o usuário se torna assinante e recebe informações sobre os novos episódios. Os produtores de “This is Not a Conspiracy Theory” podem ter descoberto um dos modelos básicos de financiamento real para a televisão sem publicidade no século 21. Eles aceitam até pagamentos feitos em Bitcoins.

O dinheiro da TV no século 21

Três tendências identificadas em 2013 por especialistas em anúncios em vídeos digitais.

1. O sistema GRP em “cross-platform”. Isso permite a comparação entre audiências da TV tradicional, online, móvel e de vídeos digitais em vários aparelhos. Várias empresas de pesquisa de audiência como Nielsen e Comscore estão desenvolvendo ferramentas para integrar suas verificações de público em diversos aparelhos e sistemas operacionais.

2. Padronização da medida de audiência de vídeo online. Depois de muitas controvérsias, a indústria publicitária dos EUA está chegando a um consenso para definir a métrica de audiência dos anúncios em vídeos na internet. O Media Research Council (MRC) diz que é preciso estabelecer os limites para a visibilidade dos anúncios, em termos de imagem e som. O MRC busca metas para os cinco segundos iniciais dos anúncios, incluindo duração real, interação e exibição do anúncio integral.

3. Compras baseadas no sistema cost-per-view (CPV). O Google TruView do YouTube e outros formatos de vídeo online são métodos “advertiser-friendly” de monetizar o conteúdo, cobrando os anunciantes apenas quando um vídeo é realmente assistido. O ponto forte desses sistemas é o “pre-roll”, onde o usuário clica e assiste ao vídeo de fato. Os servidores de anúncios registram quando os usuários desistem de ver o anúncio inteiro (opt-out), clicando no botão depois de cinco segundos. Segundo o Google, até 2015, 50% dos anúncios em vídeo serão vendidos pelo sistema CPV.

(Com agradecimento pelas dicas do irmão Ruy Flávio de Oliveira)

[Webinsider]

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Sergio Kulpas (sergiokulpas@gmail.com) é jornalista e escritor.

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Uma resposta

  1. Sergio, um ótimo texto esse. Eu não conhecia uma porção de coisas ali explicitadas. Sou aposentado, ligado à área de cinema (exibição) e para falar a verdade já estou cheio de tv. O cinema também com essa loucura de dublagem também já está chateando.
    Abraço.

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