Muito se falou sobre a ‘contação de histórias’ ou, para os mais publicitários, Storytelling. O uso deste artifício na construção de ideias tornou-se quase uma estratégia mandatória de empresas que desejam transpor a relação de sua marca com seus produtos e trazer uma razão mais nobre e inspiradora para sua existência.
Já dizia a poetisa Muriel Rukeyser, “o universo não é feito de átomos, ele é feito de pequenas histórias”, e isso é verdade na vida de qualquer um. Somos um conjunto de pequenas histórias, com finais felizes ou tristes, compilados em uma grande narrativa que chamamos de vida.
Todo esse potencial de criar narrativas, claro, despertou o interesse de marcas pois, afinal de contas, uma marca se perpetua pelas histórias que são contadas sobre elas. Estas histórias são fruto de experiências – bem ou mal sucedidas -, da relação emocional e de identidade que os valores da marca conseguiram estabelecer com seu público e com a sociedade em geral.
As histórias apresentam uma vasta gama de possibilidades, pois trabalham em grande parte com a imaginação daqueles que têm contato com elas; sua capacidade de abstração e espelhamento com a história que lhes é contada. Histórias, portanto, tratam do escapismo, da fuga da realidade vigente e da imersão em uma nova percepção, em um exercício que utiliza o “e se…” para apresentar uma nova variante do passado ou possibilidades futuras – “e se” tivesse ocorrido de outra maneira; “e se” tomar esta decisão.
Histórias, portanto, tratam de escolhas e das consequências destas escolhas, tratam de mudanças passadas ou futuras e, neste mar de possibilidades, ansiedades sobre o incerto futuro, arrependimento ou celebração de escolhas passadas, exploram e expõem os sentimentos humanos.
Storytelling versus a comunicação publicitária tradicional
Na publicidade, a aplicação mais óbvia (e simplória) do storytelling versus a comunicação publicitária tradicional está na inversão da linha de pensamento.
Na comunicação tradicional é apresentada ao potencial consumidor uma premissa, seguida pela ideia central da comunicação (ou U.S.P. – Unique Selling Proposition, ou qualquer outro jargão do gênero), seguida de elementos do produto que suportem e endossem esta ideia central. Como exemplo temos uma campanha do Ford Fiesta, de 2012, onde, ao chegar à casa de um amigo dirigindo seu carro, o locutor cita que, enquanto para você é uma experiência normal, para seu amigo fogos de artifício são soltos com uma música heroica; isto é justificado ao apresentar uma nova funcionalidade de controle do celular por comandos do veículo – é como dizer, seu amigo tem inveja quando você chega com este super carro.
Neste modelo de comunicação, quando a premissa não é de comum acordo entre o emissor (marca) e receptor (audiência), a justificativa é ignorada e a ideia central perde força, ou seja, caso a audiência não concorde que o Ford Fiesta 2012 é um “super carro”, este espelhamento com o fato (ficar com inveja quando um amigo chega com este modelo) é inexistente, e aí pouco importa como a comunicação tentará me convencer do contrário.
No storytelling, há uma construção de um cenário e, seguindo um modelo simplificado da Jornada do Herói, de Joseph Campbell, convida a audiência à participação, tendo o produto como elixir do herói, ou como elemento que ajuda o protagonista (a audiência) a lidar com a mudança do status quo.
A versão simplificada proposta da Jornada do Herói subdivide-se em 5 (e não 12) momentos: o status quo, 1ª queda, recuperação, 2ª queda e redenção.
O status quo pode ser desafiado pelo produto/marca – “Você pode ter algo melhor” -, a 1ª queda pode ser revertida pelo produto/marca – “Sua vida mudou, mas nós temos a solução -, a recuperação, idem – “Nós sabemos o que você precisa nesta nova fase da sua vida” -, ou usada com toda força na 2ª queda – “Tudo está muito difícil, mas venha conosco que iremos resolver isso juntos”.
De maneira simplista, porém ilustrativa, se fossemos aplicar este modelo de maneira fictícia a marcas reais, poderíamos exemplificar com:
- Desafio ao status Quo. – “Você pode ter algo melhor” Você sempre utilizou sabão em pó para lavar suas roupas? Já conhece Ariel líquido? é muito melhor por x, y, z razões. Mude você também.
- Reversão da 1ª queda / Recuperação – “Sua vida mudou, mas nós temos a solução”; “Nós sabemos o que você precisa nesta nova fase da sua vida”. Você trabalhou, cresceu na carreira, batalhou bastante. Agora você merece o novo Prisma da Chevrolet
- Elixir do herói na 2ª queda – “Tudo está muito difícil, mas venha conosco que iremos resolver isso juntos” Se sujar faz bem, não se preocupe com a bagunça do seu filho, somente OMO remove todas as manchas.
Em maior ou menor escala, todos estes exemplos utilizam o storytelling na sua forma mais básica dentro do universo da propaganda.
O uso desta ferramenta é, inclusive, bastante interessante para situações específicas onde as marcas se encontrem como, por exemplo:
- O resgate de uma história gloriosa – marcas que primem por seu pioneirismo, tradição, confiança, que busquem transmitir tranquilidade para seu público. Volkswagen, você conhece, você confia.
- Apresentar o renascimento de uma marca – ao assumir e contar sobre falhas passadas (ou, presentes?), abre-se um espaço para pedir uma segunda chance ao público ao narrar o caminho percorrido para solucionar estas falhas, seu caminho de atualização, mudança e modernidade. “Você tinha problemas com o atendimento da Net? Era realmente difícil, mas desde então muita coisa mudou e vai mudar ainda mais….”, assinado: Net.
- Provocar a audiência para engajamento em uma causa – histórias que gerem sentimentos de aversão ou raiva, com possibilidades de mudança, tendem a funcionar bem quando o objetivo é fazer com que pessoas ajam em função de determinada causa. É gerada uma empatia de valores comuns e um senso de comunidade, onde a participação de cada um na verdade compõe uma força muito maior. “Você sabia que todos os anos mais de cinco mil cachorros são abandonados nas ruas, mas Pedigree quer resolver este problema com este incrível programa de adoções”.
- Gerar empatia com a história de vida do público – estabelecer laços de confiança é muito complicado quando a argumentação se baseia no uso de um produto, por esta razão a criação de histórias que se assemelhem a uma batalha vivida pelo público (espelhamento de um momento de luta) ou possibilidades de ganhos comuns entre a marca e o consumidor (projeção de vitória) são interessantes artifícios para buscar a empatia.
Quebra de confiança
Independente dos casos acima, é importante mencionar que storytelling não é algo que se cria, é algo que se conta. Casos como os do Suco do Bem e Dialetto, amplamente divulgados na mídia publicitária, quebram todo o vínculo de confiança criado com o storytelling tornando, com isso, impossível o espelhamento da vida da audiência com uma história mentirosa.
Mas storytelling na publicidade não é somente contar uma história, e sim utilizar-se de elementos presentes nos alicerces da construção de histórias, construindo um sequenciamento de emoções de acordo com o quê é esperado de reação de sua audiência.
Narrativa em três pilares básicos
Todas as narrativas se fundamentam em três pilares básicos: o protagonista, o conflito e o universo.
O protagonista é aquele ser (indivíduo, pessoa, entidade) que gostaríamos de ser ou que gostaríamos de ter como amigo; ele representa valores e/ou vontades da audiência, que veem nele a expressão daquilo que gostariam de ter ao seu lado para enfrentar os desafios do dia-a-dia, ao tentar trazer para si as dificuldades enfrentadas naquela narrativa externa.
O conflito é o que o protagonista terá que enfrentar. Denominado “chamado à aventura” no conceito de Campbell, o conflito pode ser gerado por fatores externos, que levaram o protagonista a se deparar com uma situação distinta a que estava acostumado, ou por fatores internos, onde o próprio protagonista busca a mudança, esperando, claro, uma situação melhor do que aquela em que hoje se encontra.
Nenhum destes elementos, contudo, trabalha tão bem a imersão na nova realidade do que a construção do universo. O terceiro (e mais importante) pilar da tríade narrativa explora questões como o “ambiente” (onde a narrativa ocorre e qual sua relação com ambientes próximos), o “tempo” (não somente quando a historia acontece, mas a influência do tempo na narrativa, podendo, inclusive, ser irrelevante) e “valores” (dentro daquele universo, qual o papel de cada personagem, o que cada um deve fazer pois assim se vive naquele universo; o que é considerado certo ou errado aos olhos daquela sociedade). A construção de universos visa justamente imergir a audiência nas novas regras vigentes e, com isso, tornar mais crível e aceitável os conflitos aos que o protagonista será submetido.
No mundo da propaganda, esta tríade (no todo ou em parte) pode ser utilizada para transpor a audiência a uma realidade alternativa que o tira da racionalização do mundo real e transpõe àquela nova, sob comando do contador da história.
Unindo todos estes conceitos em um exemplo, ao criar o “Esquadrão Tang” e convidar as crianças a se juntarem no combate à poluição e cuidado com o planeta, a Mondelez (e sua agência) estão criando um universo onde todas as crianças têm como conflito solucionar o problema do meio ambiente. Deixando claro que o mundo está em perigo, fazem uso da provocação quanto à mudança do status quo para que outras crianças se juntem à causa (engajamento em função da empatia com a luta e projeção de vitória, ou seja, que o mundo será um lugar melhor para todos).
As emoções básicas
Na outra ponta da utilização do storytelling para comunicação, estão as emoções que deverão ser invocadas pela história e que terão como consequência uma mudança comportamental da audiência.
Segundo Paul Ekman, psicológo estadunidense que inspirou a série de TV “Lie to Me”, existem seis emoções básicas, presentes em todas as culturas e expressas em todas as idades, embora sua exteriorização possa variar de acordo com estes critérios.
A alegria, tristeza, raiva, surpresa, aversão e o medo constituem a matéria prima de qualquer outra emoção humana. Como exemplo, o ciúme na verdade é o medo de se perder o que tem, podendo ser seguido da raiva em descobrir um concorrente e a tristeza de, eventualmente, ter perdido quem se tinha. Depois das sensações básicas de subsistência (fome, sono e desejo, respectivamente preservando a espécie na alimentação, descanso e reprodução), as seis emoções básicas constituem a força motriz da motivação humana.
Cabe às histórias apresentar uma sequência de fatos que induza a um ou mais destes sentimentos, aproveitando-se do fato de que as pessoas tendem a aproximar qualquer mensagem que lhes é dirigida de questões vividas em suas próprias vidas. E este é o grande catalisador do uso do storytelling.
Todo indivíduo busca o conforto em aproximar algo novo de elementos já conhecidos, facilitando a compreensão do novo; e o que cada um de nós mais conhece (ou pensa conhecer) do que nós mesmos? Por esta razão qualquer mensagem parece a princípio ter sido direcionada para nossa história de vida, e nosso cérebro trabalha em assimilar cada elemento da história (vencer um desafio, unir-se com iguais, combater inimigos, entre outros) com questões individuais.
Uma emoção, por ser universal, é uma resposta genérica, pública e passageira do corpo a estímulos externos ou internos. A partir do momento que esta emoção é associada a experiências ou referências pessoais, transforma-se em um sentimento, individual, privado e duradouro.
O uso do storytelling, portanto, está ligado à utilização de elementos presentes em narrativas, emulando emoções básicas que, uma vez espelhadas em experiências individuais, geram sentimentos duradouros que farão com que os indivíduos queiram participar da história criada e, com isso, estejam à mercê dos valores presentes neste enredo. [Webinsider]
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JC Rodrigues
JC Rodrigues (@jcrodrigues) é publicitário pela ESPM, pós-graduado pela UFRJ, MBA pela ESPM. Foi professor da ESPM, da Miami Ad School e diretor da Disney Interactive, na The Walt Disney Company.