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Sweet Charity marcou a estreia do coreógrafo e ator Bob Fosse como diretor de cinema, e ele o fez de forma inovadora e brilhante. O filme foi lançado em Cinerama 70 e tem até hoje um forte apelo visual e musical, que vale a pena ser revisto.

 

Durante muitos anos o filme musical reinou supremo no gosto do público frequentador de cinema. E, sem dúvida alguma, o estúdio da M-G-M foi o maior produtor deste tipo de filme, com esmerado acabamento e profissionais que tornaram o gênero sinônimo do estúdio por muitos anos.

E foi na M-G-M que vários coreógrafos se tornaram diretores de cinema, primeiro dentro da M-G-M e depois em outros estúdios. Mas, não foi o caso de Bob Fosse, que foi se tornar diretor somente na realização de “Sweet Charity” (no Brasil, “Charity, Meu Amor”).

No musical 3D de 1953 “Kiss Me Kate” (no Brasil, “Dá-me Um Beijo”), o coreógrafo era Hermes Pan, que permitiu que Fosse dirigisse as suas próprias rotinas de dança, já reconhecendo o seu brilhantismo, e ele o que fez no segmento “From this moment on”, próximo do fim do filme.

Quando Sweet Charity foi lançado nos cinemas os filmes musicais eram considerados “démodé”, isto é, fora do seu tempo ou antiquados. Entretanto, os críticos brasileiros que postavam seus comentários nos jornais cariocas rasgaram elogios ao filme, por conta de vários aspectos inovadores idealizados pelo cineasta.

Para mim em particular, são duas coisas que eu guardo com muito carinho deste lançamento: a primeira, que o filme estreou no Roxy, com projeção em Cinerama 70 mm, com uma apresentação para lá de espetacular. As cortinas se abrem quando, durante a música de abertura, aparece o logotipo da Universal Pictures:

 

 

Anos atrás, eu consegui capturar um anúncio do filme em jornal da época, quando ele passou no Roxy.

 

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Em um segundo momento, eu fui a São Paulo conhecer e conversar com o pioneiro do cinema Orion Jardim de Faria, fabricante dos projetores Incol 70/35, usados na montagem do Cinerama 70 do Roxy. E ele me relatou que, como o Grupo Severiano Ribeiro tinha hábito de padronizar os seus sistemas de projeção, ele foi encarregado de substituir o par de projetores Philips DP-70 do cinema Vitória pelos seus.

E quando eu perguntei a ele quando foi isso, ele me disse que “quando o Vitoria exibiu o filme musical daquelas 3 moças, dançando em um telhado”. Ele estava se referindo a Sweet Charity, e eu estava lá naquela ocasião. Isso porque Sweet Charity fora fotografado em Panavision 35 mm, mas lançado mundialmente em 70 mm, tanto em cópia retificada (Roxy, Cinerama 70), quanto em 70 mm plano, 2.20:1 (como na tela do Vitória).

O filme de Bob Fosse

Sweet Charity havia se tornado uma peça na Brodway, baseada no roteiro do clássico do cinema italiano “Noites de Cabíria”, de Federico Fellini. Para o cinema foi convocado o roteirista Peter Stone e o filme concebido, coreografado e dirigido por Bob Fosse.

Na Broadway a personagem Charity Hope Valentine foi estrelada pela dançarina e atriz Gwen Verdon, na época casada com Fosse. Mas, para o cinema o diretor optou por Shirley MacLaine para interpretar o papel.

MacLaine fez curso de ballet, mas eu acredito que não foi por isso que ela foi escolhida. A artista é uma daquelas atrizes com capacidade natural de misturar comédia e drama na mesma cena, construindo assim o personagem correto proposto no roteiro, que é uma espécie de tragicomédia. Desta forma MacLaine é perfeita para o desenvolvimento da personagem que ela interpreta.

O nome Charity Hope Valentine já diz tudo: uma mulher que espera encontrar o homem de seus sonhos, que possa ser amada e viver com ele “felizes para sempre”, como nos contos de fada. Hope é esperança e Valentine é uma alusão americana aos dia dos namorados!

Mas, o roteiro não se propõe a ser romântico e sim o extremo oposto, porque Charity vive uma desventura afetiva atrás da outra, acreditando no homem que, no momento seguinte, a passará para trás, deixando-a sem esperança alguma.

O filme é fortemente crítico à indiferença da população de Nova York frente aos problemas alheios, desde os mais ricos até os que frequentam o Central Park. Essa crítica e condenação irá se contrastar com o aparecimento na última cena, de jovens pertencentes à geração “paz e amor”, característica dos anos sessenta, como parte do movimento hippie.

São esses jovens que restabelecem em Charity a esperança que ela perdeu, como se os cineastas afirmassem visualmente que somente as novas gerações, não contaminadas pelo conservadorismo reacionário e alienação da sociedade americana, seriam capazes de dar um novo valor ao sentimento afetivo desinteressado e sincero.

O sucesso de um bom filme está na cadência. Tanto no roteiro quanto principalmente no processo de montagem os cineastas precisam dar o ritmo correto ao filme. Bob Fosse faz isso de forma inventiva, recorrendo inclusive a imagens sem movimento para separar sequências.

O ritmo de um filme é estabelecido na sala de montagem, fazendo-se a contagem do tempo de cada plano, um processo chamado aqui de “minutagem”. Em cenas de ação este tempo é menor e vice-versa. Hitchcock, por exemplo, induzia suspense em muitas cenas aumentando a minutagem, com efeito sensível na ansiedade de quem assistia seus filme.

Em Sweet Charity todos os recursos de montagem estão aliados à cinematografia exigida pelo cineasta. E este foi um dos pontos enumerados como inovador pelos críticos da época. O uso de lente zoom, por exemplo, nunca havia sido tentado neste tipo de filme, o que pode ser visto logo no início, no segmento “My Personal Property”, filmado no Central Park.

Outro aspecto técnico que me chamou a atenção foi a qualidade do som, com cenas de acentuada ambiência, resguardadas as limitações de mixagem da época. O som é de fundamental importância em um filme musical, e aqui se ouve a orquestração com enorme impacto em todas as cenas cantadas e nas de dança.

Além disso, a coreografia de Bob Fosse inova na formação estética dos dançarinos, fazendo-os distorcer os corpos, como se dissesse à plateia que era esta a maneira como ele via a sociedade daquele momento!

As principais cenas onde se vê corpos distorcidos são nas sequências de “Hey, Big Spender”:

 

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E “Rich Man’s Frug”:

 

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Em “The Rythm of Life” as distorções de corpos existem, mas a ênfase é dada nas expressões faciais dos personagens, com referência ao estupor causado pelo uso de drogas naquela época.

Existem alguns empréstimos em certas cenas, que cópias notórias de ideias do filme West Side Story (Amor, Sublime Amor), uma delas na sequência onde as 3 moças, como disse o Orion, dançam no telhado (“There’s Got To Be Something Better Than This”), e outra nos faróis dos carros se acendendo na garagem, durante a sequência “The Rhythm of Life”. Em West Side Story as cenas copiadas são, respectivamente, a dança no telhado de “America” e a cena da garagem em “Cool”.

As edições em home vídeo

Sweet Charity é um daqueles filmes que nunca teve uma edição em home vídeo completa!

Na versão em Laserdisc, as sequências de abertura, intervalo e música de saída estão lá. Porém, a imagem é 4:3 “full frame”, cortando completamente o fotograma Panavision original. Além disso, o som foi “Dolbyisado” (remixado para Dolby Stereo), matando a mixagem original que tanto impacto se viu nos cinemas. Neste tipo de mixagem o diálogo direcional desaparece, indo parar no canal central, e por qualquer motivo técnico, efeitos sonoros com expansão no surround também.

Na edição em DVD (prometida, mas nunca lançada no Brasil) a imagem agora é widescreen anamórfico, mas o som “Dolbyisado”, no formato Dolby Digital 4.0, foi mantido. A introdução (abertura) está correta, mas a música de saída desapareceu.

A edição em Blu-Ray, lançada recentemente pela Kino Lorber, resgata a qualidade da imagem, com a transcrição de uma cópia aparentemente interpositiva, em 4K de resolução no Intermediário Digital (DI). De qualquer forma, é a melhor imagem do filme que já se teve em home video.

A melhor novidade desta edição em Blu-Ray, e que para mim compensou amplamente, foi a remasterização e resgate da trilha sonora da cópia em 70 mm, com o diálogo onde deveria estar, e uma excelente dinâmica e clareza nos números musicais.

Nos filmes dessa época o surround era rarissimamente usado, mas neste caso os canais traseiros ajudam a dar presença, imersividade e envolvimento na trilha musical e em duas cenas (“My Personal Property” e “I’m A Brass Band”) no aumento da ambiência.

Infelizmente, a música do intervalo foi cortada e a de saída continua faltando, parece mesmo estar perdida.

O tratamento de filmes desta estatura deveria sempre ser muito cuidadoso. Quem de nós já assistiu a versão original nos cinemas irá identificar rapidamente onde erros de transcrição acontecem, e a Kino Lorber não foi poupada pelos fãs.

De qualquer maneira, o novo disco merece a nossa atenção. Eu só lamento a inclusão da versão alternativa em um disco separado, algo inútil, dispensável, o que só serviu para encarecer desnecessariamente este lançamento! Outrolado_

. . .

 

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Avatar de Paulo Roberto Elias

Paulo Roberto Elias é professor e pesquisador em ciências da saúde, Mestre em Ciência (M.Sc.) pelo Departamento de Bioquímica, do Instituto de Química da UFRJ, e Ph.D. em Bioquímica, pela Cardiff University, no Reino Unido.

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