Fiquei momentaneamente relutante em assistir o filme Steve Jobs, lançado no ano retrasado, em torno do enésimo relato de detalhes sobre a vida do controvertido pioneiro da informática.
Isso provavelmente não teria acontecido se Jobs tivesse sido na vida real um pouco menos polêmico quanto à sua conduta. Verdade seja dita, ele também teve o seu quinhão de revezes, mas talvez não tão grandes quanto os sofridos por aqueles a quem ele afastou de si próprio, em busca da fama, e com o desejo inequívoco de ser reconhecido como o grande implantador de novas ideias.
Jobs não foi o único a querer que o computador estivesse presente no cotidiano da vida do americano médio. Mas, por trás deste “pioneirismo” prevaleceu o interesse de ganhar (muito) dinheiro!
A microinformática floresceu no meio de hobbyistas, particularmente nas comunidades de hackers do Vale do Silício, localizado na Califórnia.
Até então, havia uma dependência absurda dos sistemas de grande porte para programação e uso corporativo. A ideia de ter um “computador pessoal” fascinou não só aquelas pessoas, mas todos aqueles, em todos os países e lugares, que sonharam com a possibilidade de processar dados dentro de casa ou no trabalho, de forma independente.
De décadas para cá a montagem de um microcomputador em casa está ao alcance da maioria dos mortais, porque na briga Apple versus IBM, esta última, ao contrário da primeira, resolveu abrir a arquitetura em torno do processador Intel da época, já com 16 bits de capacidade de endereçamento.
No filme “Steve Jobs” faz-se menção a este deslize, inclusive ao fato insólito de que o Mac era difícil de abrir o gabinete, até pelos engenheiros que desenharam o aparelho.
Não fosse esta bobagem de fechar a arquitetura dos computadores Apple provavelmente a história seria diferente. Ao fazer questão de escolher componentes e somente permitir a troca pelos mesmos modelos, Jobs impediu a intervenção do usuário na modificação do hardware.
Desde a abertura, plataformas IBM deram enorme flexibilidade de uso e escolha de componentes aos seus usuários, e isso foi a provável causa dela ter se espalhado pelo resto do mundo, enquanto os Macs acabaram se tornando um fracasso de vendas e restritos a um nicho, antes mesmo do Windows ser lançado no mercado.
A montagem de um computador também virou um nicho
Neste ponto, a postura de Steve Jobs mostrou-se parcialmente verdadeira.
Eu venho observando que, de anos para cá, e com exceção de alguns poucos amigos, ninguém mais que eu conheço se aventura na montagem de um micro. E a razão é muito simples: portabilidade e conveniência, que estão disponíveis em notebooks ou tablets, e até nos telefones celulares que trabalham com algum sistema operacional mais recente.
Quem monta um microcomputador precisa estar em dia com os últimos avanços. Na minha última e mais recente montagem eu fui obrigado a me atualizar: a placa-mãe que estava em uso por mim foi construída com um BIOS UEFI, mas há cerca de seis anos atrás pouco ou nada se sabia ou era divulgado sobre este tipo de BIOS.
Até o Windows 8 não se falava em modo UEFI de operação, porque ele não existia neste ambiente. Isto aconteceu porque a Microsoft somente aderiu ao fórum UEFI com considerável atraso, e só foi introduzir um sistema operacional compatível com BIOS UEFI quando da atualização para o Windows 8.1. E nem assim esclareceu nada ao usuário.
Da versão 7 para a 8, a empresa forçou usuários finais a instalar um sistema em cima do outro, o que é um absurdo técnico. Não foi à toa que problemas de toda ordem pipocaram sem controle. Eu mesmo liguei para eles e reclamei contra isso, e no final dei sorte quando um dos técnicos de suporte me deu razão, foi paciente e acompanhou comigo uma instalação limpa, aquela na qual se formata o disco rígido.
A mídia original do Windows 8 não era “upgrade”, como haviam anunciado. Era um sistema completo, com chave de instalação. Portanto era possível zerar a máquina e instalar o sistema sem nenhum problema.
Ao longo dos anos, de UEFI eu não sabia quase nada, isso até recentemente, e talvez não tenha sido o único. Para mim, partição em modo GPT era apenas para contornar o excesso de espaço de memória no disco rígido.
Foi só depois que eu “descobri” que sem formatar um disco com tabela de partição GPT não é possível instalar o Windows em modo UEFI. E não só isso, porque uma vez trabalhando como devia, o Windows precisa lançar mão dos recursos do BIOS UEFI, que por seu turno deve operar preferencialmente com periféricos compatíveis, caso contrário o sistema pode desabar. Foi por isso que eu resolvi reformar o meu micro, instalando uma placa-mãe da mesma linha, porém com vários recursos de BIOS UEFI que a antiga não tem.
A informática da filosofia Steve Jobs era a de não deixar o usuário final se meter com o hardware, muito menos com o sistema operacional, e anos após debaixo desta filosofia de operação o que se nota é que Apple virou uma marca de grife, copiada por outros fabricantes, às vezes com superioridade operacional de recursos que o iOS não tem.
O hobbyismo propriamente dito continua na plataforma IBM. Quando alguém me pergunta por que eu insisto em não usar um notebook ou algo similar para o trabalho, eu tenho a resposta na ponta da língua: eu posso montar o meu sistema do jeito que eu quiser! A dor de cabeça que se tem às vezes na montagem é depois amplamente compensada pelos resultados.
Estabilidade e performance
Todo bom sistema tem que ser amparado em dois pré-requisitos, que são estabilidade e performance. Pessoalmente, não me ligo em marcas ou modelos de componentes. Montei CPUs Intel por anos a fio, depois passei a montar AMD, chip execrado até hoje por algumas comunidades de fãs Intel que parecem que não enxergam um palmo adiante do nariz. Eu simplesmente não me envolvo nesta briga.
E quando hoje em dia eu aciono um aplicativo em uma fração de segundo, eu me lembro que vivi em outra época, escravo de um disco flexível frágil e lento. Quantos dos chamados “drives assassinos” passaram na minha frente? A tecnologia MFM de discos rígidos era uma tragédia só, confiabilidade zero.
Sim, existem problemas de hardware atualmente também. A diferença é que eu posso trocar peças ou aprimorar o meu computador com placas mais modernas, e enquanto isso a expansão de um notebook continua limitada aos caprichos dos fabricantes e a de tablets só com expansão de memória e olhe lá.
Em um universo de pessoas que não querem de forma alguma se envolver com hardware e/ou se limitam a aprender o essencial de cada aplicativo, Steve Jobs e a sua mentalidade excludente ocupam um lugar de destaque.
O problema é que todo mundo é obrigado ou forçado a usar algum tipo de computador em algum momento da vida, quando vai ao caixa eletrônico do banco ou comprar uma passagem no transporte público. O constrangimento em alguns desses ambientes é muitas vezes notório!
O uso de computadores no ambiente de trabalho e principalmente no ambiente acadêmico, entretanto continua intacto. Porque desde a década de 1970 não é mais admissível se usar uma calculadora de bolso para processar dados vindos do laboratório.
Os últimos livros de estatística que caíram nas minhas mãos na década de 1990 tinham um prefácio condenando a manipulação excessiva de cálculos de dados, perfeitamente dispensável com o uso de um microcomputador. E eu ganhei consciência disso antes mesmo da década de 1970 acabar.
Vi cientistas insistindo no uso da calculadora eletrônica de bolso naquela época, e depois vários se esquivarem em aprender como um computador funciona e como usar um. Vi gente no meu ambiente de trabalho se negando em aderir ao e-mail, e só mudando de ideia quando a UFRJ obrigou todo mundo a usar um.
Todos os filmes que eu vi até agora sobre o pioneirismo de computadores se detiveram nos problemas pessoais dos personagens envolvidos, e com a questão financeira que cercou este pioneirismo. Pouco se fala do resto. Pode ser justificável por se tratar de Steve Jobs, mas mesmo assim…
A tecnofobia nada mais é do que uma forma de xenofobia, muitas vezes motivada neste caso pelo medo de passar vexame no uso de uma máquina que mais parece uma caixa preta. A culpa não está somente nestas pessoas que não gostam de usar um computador, está muito mais nos exegetas do ramo em querer parecer simples o uso de uma máquina complexa, e sem instruir corretamente o usuário!
Steve Jobs copiou o desenvolvimento do computador com interface gráfica criada pelos cientistas da Xerox, inserida em um aparelho que nunca foi lançado. No projeto original, os estudiosos da Xerox haviam resolvido fazer o computador operar em um ambiente com simbologia ao alcance do entendimento das pessoas, coisas como arquivar um documento em uma pasta, etc.
Para tal se espelharam no raciocínio lógico de uma criança. Quando você diz a uma criança, por exemplo, “o seu pai ficou preso no trabalho”, ela pode interpretar a informação como o aprisionamento do pai pela polícia.
Para se evitar uma interpretação errada não é permitido dar margem à ambiguidade de termos. Assim, termos tradicionais da informática como, por exemplo, “salvar”, que se refere à preservação do conteúdo da memória, foram substituídos por elementos visuais referentes ao objeto físico, como “documento”, “pasta” ou “arquivo”. O usuário cria um “documento” e o armazena em uma “pasta”, onde o documento é arquivado.
Simplicidade para o público e controle para a plataforma
No final, isto é apenas uma maneira de enxergar a mesma coisa: o microcomputador como ferramenta de trabalho. Porque no cotidiano das pessoas que operam a máquina somente para diversão, a ferramenta per se não existe!
Talvez tenha sido por isso que no final da sua vida Steve Jobs tenha jogado fora o conceito do computador como instrumento de aprendizado e trabalho, para se concentrar em como salvar música, tirar fotos ou entrar na Internet. E a gente vai dizer o quê?
No histórico da informática, o computador como máquina foi de interesse daqueles que precisavam de um instrumento confiável para processar dados, e mais nada! Se tivesse continuado assim, o computador jamais teria penetrado nas vidas das multidões que ignoraram ou temiam o seu uso como mais uma ferramenta, inexpugnável para os não iniciados.
O computador como ferramenta de trabalho felizmente ainda não morreu, pelo menos eu espero que assim o seja! [Webinsider]
http://br74.teste.website/~webins22/2016/11/08/hdr-no-computador-de-mesa/
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Paulo Roberto Elias
Paulo Roberto Elias é professor e pesquisador em ciências da saúde, Mestre em Ciência (M.Sc.) pelo Departamento de Bioquímica, do Instituto de Química da UFRJ, e Ph.D. em Bioquímica, pela Cardiff University, no Reino Unido.