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Conheça a história dos discos de corte direto

A edição de discos de corte direto representou ao mesmo tempo um retrocesso e um avanço dos métodos de gravação. Entenda este avanço e os motivos pelos quais este interessante formato foi eventualmente abandonado.

 

Gravações de música em estúdios fonográficos levaram décadas sendo feitas com a captura do som dos microfones indo direto para um torno onde a matriz para a posterior estamparia era cortada. Neste processo, ainda primitivo, tudo tinha que ser feito ao vivo, ou seja, acertava-se o que fosse possível na posição de microfones e acústica, e a gravação era feita sem pausa.

Porém, o engenheiro alemão Fritz Pfleumer começou a desenvolver uma aplicação da gravação magnética, usando para isso uma fita de papel.

Lá pelo final da década de 1920 ele já havia conseguido gravar música neste tipo de mídia. E nesta mesma época dois grandes avanços aconteceram: a descoberta da corrente de bias, que corrigia a distorção da curva de resposta de frequência, e a substituição do papel por um tipo de suporte flexível, mais robusto e duradouro.

Pfleumer ainda tentou desenvolver uma fita magnética com o uso de metal puro, mas este pegava fogo. Este tipo de composto só foi aplicado com sucesso décadas depois, na forma de uma liga, durante o desenvolvimento da fita cassete de metal.

A invenção de Pfleumer chegou aos Estados Unidos como espólio da segunda guerra mundial, mas custou a ser usada pelos estúdios de gravação. Um dos notórios empecilhos dos antigos métodos de captura e gravação de música resultava da impossibilidade de se editar ou montar segmentos da música gravada, mas com a fita magnética se tornou possível editar sem ruído qualquer segmento e, se fosse o caso, corrigir ou regravar quando alguma coisa desse errado.

Muitos estúdios se deram ao luxo de usar dois tape decks mono, um para a base e outro para vozes ou instrumentos tocados pelos mesmos músicos, mixados posteriormente.

Foi com a ajuda da fita magnética que o cinema entrou na era do som estereofônico de múltiplos canais, e os estúdios de música na gravação de concertos com a chamada “alta fidelidade” com som mono ou estéreo de dois canais, que foi a maneira como o som de alta qualidade entrou nos lares dos ouvintes.

A indústria fonográfica ofereceu discos elepês microssulcos, com métodos de prensagem mais sofisticados, e discos de 10 ou 12 polegadas, podendo chegar a 45 minutos de música, daí o nome de Long Playing ou, como abreviado, Lp, marca da Columbia durante o desenvolvimento do microssulco, que aumentava a fidelidade do som talhado no disco.

Back to basics

Lincoln Mayorga (pianista) e Doug Sax (trompetista) se conheceram no colégio secundário, onde tocaram juntos. Mayorga continuou na carreira de música e Sax como engenheiro de gravação, profissão na qual ganhou um imenso e justificado respeito de seus pares.

Mayorga e os irmãos Sherwood e Doug Sax, ainda jovens, começaram uma pesquisa sobre a qualidade de gravação do som do piano, e houve um momento onde Mayorga podia jurar que nos antigos discos de 78 rpm o som do piano era muito superior ao mesmo som gravado em elepês. E também se deram conta de que o uso de fita magnética não havia mudado desde 1948.

Pensaram então em eliminar novamente a presença de fita magnética no processo de gravação, indo o som diretamente ao torno de corte da matriz. O resultado obtido por eles os fez voltar ao método antigo e básico anteriormente usado. Daí o rótulo “Direct-to-disc” ser usado para diferenciar o disco fonográfico cortado direto dos demais.

Mayorga. Sherwood e Doug Sax resolveram então montar um estúdio para cortar discos diretamente, usando tornos modernos, de modo a se obter o melhor som possível. Eles nem foram os primeiros a fazer isso, mas ganharam a fama de pioneiros. Os críticos da época chamaram jocosamente o método de “Back to basics”.

Até então, os métodos de gravação se resumiam em gravar música em fita magnética, que depois era editada e o resultado transposto para uma fita master mono ou de dois canais, a partir da qual a gravação era levada para a sala de corte de acetato. No “novo” método, os tornos eram montados em uma sala separada e o corte feito simultaneamente à gravação.

 

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Sherwood Sax projetou a sala de corte e Doug Sax (na foto abaixo) era o principal encarregado da “nova” engenharia de gravação:

 

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Seguindo a Sheffield Lab, uma série de estúdios lançaram discos de corte direto no mercado. Alguns desses estúdios, como, por exemplo, a RealTime, mudaram de ideia, abandonaram o corte direto e começaram a gravar digitalmente.

No começo das gravações digitais, Doug Sax se posicionou frontalmente contra este tipo de captura. A Sheffield Lab chegou a lançar e vender uma camiseta onde a frase “Stop the Digital Madness” estava estampada.

Ironicamente, Sax terminou seus dias envolvido com gravações digitais. É dele, por exemplo, a masterização da versão em SACD 5.1 do disco Dark Side Of The Moon, do grupo Pink Floyd. E a Sheffield Lab já de longa data não produz nem vende discos de vinil.

A qualidade do som no corte direto

Apesar da forte oposição ao som digital, Mayorga e Sax reconheceram de imediato algumas virtudes positivas da nova mídia. Entre elas, a ausência de wow e flutter, sempre presentes em gravações analógicas.

O flutter, que é uma variação de velocidade da fita magnética, no ambiente analógico sempre foi um tremendo problema na gravação de certos instrumentos, como, por coincidência, o piano, base da criação dos discos de corte direto. Outra virtude foi a ausência absoluta de ruído de fundo, que analogicamente só foi resolvido depois com a entrada em cena dos sistemas redutores de ruído, como o Dolby A, o dbx e o CX.

É inegável que os discos de corte direto soavam muito bem, não só os da Sheffield Lab. Infelizmente, o torno de corte do acetato sempre teve muitas limitações. Para contornar a compressão e a distorção do decréscimo da velocidade linear nos sulcos, os discos foram limitados a uns 15 a 17 minutos de gravação em cada lado, e em muitos casos cortados a 45 rpm, que tem um som superior ao elepê convencional.

Os principais métodos de gravação da Sheffield Lab também contribuíram muito na qualidade desses discos. Sax usou a tradicional técnica minimalista, tão presente, até hoje, nos discos para audiófilos.

Várias das suas gravações usaram um único microfone estéreo, às vezes com um segundo microfone “touch up”, próximo de algum instrumento cuja captura ficara obstruída pelo som do resto dos instrumentos.

Um disco de corte direto que eu tive e era encarado como referência de qualidade nas análises das revistas de áudio foi o “Tower of Power Direct”. O disco começa com uma Fanfarra espetacular, e que impressionou muita gente que esteve na minha casa ouvindo música. Anos depois, esse disco foi produzido em CD banhado a ouro, que também soa muito bem.

Alguns discos da Sheffield Lab eram vendidos em uma caixa, com todo tipo de proteção. Eu tive um desses, que me marcou muito aquela época, chamado de “King James Version”, depois seguido de mais dois discos de corte direto da banda de Harry James.

Algumas premissas nunca cumpridas

Quando os discos de corte direto começaram a ser lançados temia-se que o número de discos prensados fosse pequeno, e não atendesse o máximo de pessoas que queriam comprar uma cópia.

O que não tinha sido divulgado, inclusive pela Sheffield Lab, era que, simultaneamente ao corte de acetato, todas as sessões de gravação foram registradas em fita magnética, para preservação do conteúdo. E mais ainda, foram gravadas fitas digitais também, base, aliás, da edição em CD do Tower of Power Direct, anteriormente mencionado.

Vejam como a história se repete: na época em que essas gravações em fita magnética foram reveladas, muito colecionador se sentiu “traído”, porque o disco de corte direto sempre era mais caro e às vezes difíceis de comprar.

Esse sentimento de “traição” não é em nada diferente do recente “escândalo” da Mobile Fidelity, que usou intermediário DSD256 para cortar acetato para elepês, vendidos na faixa de uns 100 dólares ou mais.

Rescaldos do incêndio

O método de gravação em corte direto impressionou muito, mas nem todo disco soava bem. Fazendo hoje uma retrospectiva dos discos da Sheffield Lab das sessões com o maestro Erich Leinsdorf pode-se notar os efeitos negativos das técnicas minimalistas que resultavam de poucos microfones, às vezes incapazes de registrar satisfatoriamente uma orquestra sinfônica.

A Sheffield Lab usara os estúdios da M-G-M para essas gravações do Leinsdorf, e tinha tudo para dar certo. Inicialmente, o primeiro desses discos impressionou muito. Mas, hoje, com a resolução de reprodução mais aperfeiçoada, fica nítida a deficiência de foco de alguns instrumentos. Seja como for, para tocar um disco desses é aconselhável aumentar o volume, porque o nível de compressão na gravação é mínimo!

A única chance de se conseguir ouvir hoje os discos de corte direto masterizado com as fitas preservadas seria em CD. Na minha opinião, vale muito a pena. Eu nunca vi essas gravações em outro tipo de mídia, como o SACD. Mas, o CD é uma mídia bastante satisfatória, desde que ele seja reproduzido em equipamento de boa qualidade!

Os discos de corte direto pertencem a uma época romântica, e ela para mim foi extremamente positiva. As prensagens eram muito bem feitas e contornavam até certo ponto as limitações e distorções típicas dos elepês.

Para nós que acompanhamos com interesse esta época, hoje se tornou inevitável não ignorar os progressos dos formatos de captura e gravação digital mais novos.

O Auro-3D, por exemplo, tem sido usado para a gravação de música sinfônica, com alto nível de aprovação por parte de quem é exigente e quer o melhor som possível. Eu só ouvi um clipe de demonstração deste tipo de formato, mas achei excelente e muito superior em ambiência do que os discos de corte direto.

O disco Blu-Ray usa o Dolby Atmos (“Pure Audio”), com resultados igualmente fantásticos, e mesmo discos de concertos ou shows com DTS HD MA 5.1 também soam com uma dinâmica invejável!

Eu sempre penso que é preciso preservar a história da tecnologia e o esforço, mesmo que equivocado ou ultrapassado, como parte do aprendizado do que ainda pode ser feito. E também, de dar valor a quem se dedicou a estes avanços.

O disco de corte direto foi visto como um retrocesso, mas o som daqueles discos encantou a quem desfrutou deles, e este é um bom exemplo de que até algo classificado retrocesso pelos intolerantes pode significar um avanço de conceitos em disfarce!  Outrolado_

 

. . . .

A traição digital para os fãs do vinil

 

 

As vicissitudes das gravações analógicas

 

Na qualidade do áudio, seja juiz de você mesmo!

 

Discos de corte direto são relíquias do passado

 

Suplícios de uma saudade (dos discos de vinil)

Avatar de Paulo Roberto Elias

Paulo Roberto Elias é professor e pesquisador em ciências da saúde, Mestre em Ciência (M.Sc.) pelo Departamento de Bioquímica, do Instituto de Química da UFRJ, e Ph.D. em Bioquímica, pela Cardiff University, no Reino Unido.

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0 resposta

  1. Olá Paulo. Sob meu ponto de vista (profissionalmente falando), o mercado está cometendo um retrocesso técnico mercadológico, ao investir na volta do vinil como sendo a melhor alternativa para conseguir novamente uma “pseudo” qualidade superior em áudio. Eu avalio isso como um equívoco. Em todas essas décadas pude testemunhar a evolução nos processos e formatos de áudio digital. Ou seja a indústria caminhava no sentido da evolução da tecnologia do refinamento do formato de áudio digital. Aí eu fico imaginando que uma certa elite (nicho) que “digamos” fez pressão, ou de alguma forma conseguiu retomar a produção de uma tecnologia que já havia sido sepultada não somente aqui, como nos outros continentes. Daí me veio a mente uma hipótese sobre o principal motivo que induziu esse retorno do vinil. É lógico que o termo “dinheiro” seria a resposta. Afinal os valores que esses discos tem sido lançados são um verdadeiro disparate. A conclusão poderia ser a seguinte: por que a indústria (se fosse do interesse deles) não re-investir no formato High Fidelity Pure Audio Blu-ray Disco ? Mas daí provocaria a volta da fabricação dos players de áudio, e isso não parece ser o desejo e interesse da indústria.

    1. Oi, Rogério,

      Você tem toda a razão,e já há muito tempo eu venho notando uma propaganda sistemática, sub-reptícia, de discos de vinil nos filmes americanos. Em alguns deles, e eu cito “The Rock” um personagem pergunta ao outro por que ele estava gastando uma fortuna por um elepê dos Beatles e o outro diz que ele é fã e o disco soa melhor. Soa mesmo? A última versão dos Beatles que eu ouvi foi a 5.1 canais em SACD, a qual eu duvido, e faço pouco, seja capaz de ser superada por qualquer vinil, mesmo que fabricado em rígidos padrões.

      Com os preços do vinil nas alturas, serão poucos aqueles que vão consumir este tipo de produto. A garotada está no strreaming, nem disco mais ouvem.

      E por falar em disco caro, uma empresa daqui lançou o “primeiro Blu-Ray UHD do Brasil”, com o filme O Quinto Elemento. Eu entrei em contato com eles, e me foi dito que o disco não inclui Dolby Atmos ou Vision, por questões de custo. Mas, o exemplar equivalente americano tem Dolby Atmos, e fica mais ou menos o mesmo preço, com as taxas da alfândega, o que significa que vale muito mais à pena importar do que comprar aqui. É uma pena, porque esta iniciativa provavelmente se mostrará frustrada, e não vai resolver a ausência do Blu-Ray 4K no nosso mercado.

  2. Olá Paulo. Sob meu ponto de vista (profissionalmente falando), o mercado está cometendo um retrocesso técnico mercadológico, ao investir na volta do vinil como sendo a melhor alternativa para conseguir novamente uma “pseudo” qualidade superior em áudio. Eu avalio isso como um equívoco. Em todas essas décadas pude testemunhar a evolução nos processos e formatos de áudio digital. Ou seja a indústria caminhava no sentido da evolução da tecnologia do refinamento do formato de áudio digital. Aí eu fico imaginando que uma certa elite (nicho) que “digamos” fez pressão, ou de alguma forma conseguiu retomar a produção de uma tecnologia que já havia sido sepultada não somente aqui, como nos outros continentes. Daí me veio a mente uma hipótese sobre o principal motivo que induziu esse retorno do vinil. É lógico que o termo “dinheiro” seria a resposta. Afinal os valores que esses discos tem sido lançados são um verdadeiro disparate. A conclusão poderia ser a seguinte: por que a indústria (se fosse do interesse deles) não re-investir no formato High Fidelity Pure Audio Blu-ray Disco ? Mas daí provocaria a volta da fabricação dos players de áudio, e isso não parece ser o desejo e interesse da indústria.

    1. Oi, Rogério,

      Você tem toda a razão,e já há muito tempo eu venho notando uma propaganda sistemática, sub-reptícia, de discos de vinil nos filmes americanos. Em alguns deles, e eu cito “The Rock” um personagem pergunta ao outro por que ele estava gastando uma fortuna por um elepê dos Beatles e o outro diz que ele é fã e o disco soa melhor. Soa mesmo? A última versão dos Beatles que eu ouvi foi a 5.1 canais em SACD, a qual eu duvido, e faço pouco, seja capaz de ser superada por qualquer vinil, mesmo que fabricado em rígidos padrões.

      Com os preços do vinil nas alturas, serão poucos aqueles que vão consumir este tipo de produto. A garotada está no strreaming, nem disco mais ouvem.

      E por falar em disco caro, uma empresa daqui lançou o “primeiro Blu-Ray UHD do Brasil”, com o filme O Quinto Elemento. Eu entrei em contato com eles, e me foi dito que o disco não inclui Dolby Atmos ou Vision, por questões de custo. Mas, o exemplar equivalente americano tem Dolby Atmos, e fica mais ou menos o mesmo preço, com as taxas da alfândega, o que significa que vale muito mais à pena importar do que comprar aqui. É uma pena, porque esta iniciativa provavelmente se mostrará frustrada, e não vai resolver a ausência do Blu-Ray 4K no nosso mercado.

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