Quantos de nós já viram o fechamento local de lojas de disco tradicionais? Só aqui no Rio, lojas de discos importados fizeram parte do circuito daqueles que andaram procurando edições de disco fora do mercado brasileiro, algumas delas vendendo mídia a preço de ouro, misturando lamentavelmente, em alguns casos, com o atendimento descortês. Nenhuma das que eu conhecia e frequentava sobreviveu.
Fora do Brasil por quatro anos, eu pude me dar ao luxo de entrar rotineiramente nas filiais dos grandes magazines de disco, em uma época em que ninguém falava da falência da mídia rotativa.
Só mesmo quem passou por lá é que viu como era tudo diferente: nunca vi atendimento descortês e nunca vi a impossibilidade de conseguir um disco do meu interesse. Se o disco fosse lançado e a loja não tivesse estoque, era só me dirigir ao balcão e encomendar uma cópia. Até as pequenas lojas faziam isso. Em uma delas, o disco (CD, no caso) vinha importado da América, e quando chegava o vendedor ligava lá para casa ou para o trabalho e me avisava para passar lá. Na etiqueta da loja, muitas vezes eu lia escrito: “Mr. Elias”. Na imagem abaixo, a anotação com caneta está muito apagada, mas ainda dá para ler:
É chato ser saudosista, mas convenhamos: “Aqueles eram Bons Tempos para o colecionador”!
As lojas lá de fora eram convidativas, para quem, como eu, passou anos frequentando lojas de disco. Elas só começaram a perder em facilidades quando na era da Internet (e eu me refiro ainda ao acesso por texto) se tornou possível pesquisar títulos nos respectivos bancos de dados. Foi assim, por exemplo, que eu me tornei cliente (e sou até hoje, dentro do possível) da loja on-line CD Connection, sempre com um serviço à altura das lojas físicas lá de fora.
O fim das grandes lojas físicas nos tirou o enorme prazer de pesquisar títulos nas prateleiras e a enorme satisfação de descobrir um título de grande interesse. E todos os meus amigos que fizeram esta rotina de pesquisa nunca sentiram o mesmo prazer colecionando arquivos MP3 e assemelhados via Internet, e principalmente juntando toneladas deles em um drive USB ou player. Isso, aliás, nunca fez sentido para o colecionador, porque a arte das capas se tornou parte integrante do prazer de achar um disco, desde a época dos elepês.
O documentário, achado on-line, com o título “All Things Must Pass” (traduzindo por minha conta: “Todas As Coisas Tem Que Acabar”), conta como a poderosa Tower Records cresceu desde tempos imemoriais, se espalhou por grandes centros no planeta e depois entrou em concordata, tendo um fim melancólico.
A fama desta cadeia de lojas tinha razão de ser. Eu mesmo me desloquei da minha cidade para Londres, em direção ao Piccadilly Circus em Londres, só para encontrar a filial da Tower. E lá achei a gravação antológica “The Quintessence”, gravada por Quincy Jones para a Impulse, na década de 1960:
A loja da Tower em Londres era majestosa e concorria diretamente com a da tradicionalíssima HMV, que ficava perto dali, e que acabou também ficando em palpos de aranha, tendo que fechar várias lojas.
Em Cardiff, onde eu morava, foi construído um shopping chamado The Capital, bem na rua principal da cidade, e logo na frente dele uma filial da Virgin Megastore, super loja do dono da empresa de aviação e do selo de música.
Uma foto da abertura mostra o entusiasmo dos passantes no momento da inauguração e a fila que já se formava perto da entrada:
Tudo isso acabou. Pode-se culpar quem quiser, o Napster, os downloads da pirataria, a ganância das gravadoras, que mantiveram os preços dos CDs lá nas alturas, os players e celulares com MP3 aos borbotões, etc.
No documentário sobre a derrocada da Tower vários desses fatores foram aventados, incluindo a abertura das discotecas, mas os motivos podem ser, e geralmente são, múltiplos.
Nem mesmo os antigos funcionários conseguem achar uma explicação razoável, embora um deles tenha dito em alto e bom som que as pessoas que tinham hábito de colecionar discos estão desaparecendo, subentende-se “morrendo ou ficando idosas demais para manter os seus antigos hábitos de compra deste tipo”.
Eu iria mais além: chega-se a um ponto na vida que as motivações para os antigos hábitos acabam ou morrem naturalmente, se quiserem. O colecionador de discos típico não conseguiu ver as gravadoras remasterizando discos que outrora marcaram época em sua vida.
Anos se passaram sem que certas gravações vissem a luz do dia nas prateleiras em formato digital. Eu inclusive dei o exemplo recentemente sobre a discografia dos Cariocas. Muito da discografia da bossa nova que eu consegui achar nunca foi prensada em CD por aqui!
Essa coisa toda de ausência de remasterização chegou a um tal ponto que as ofertas mais interessantes foram feitas na forma de downloads em alta definição. A rigor, tais formatos exigem um sistema de reprodução adequado. Para fazer um disco em casa a partir de um download desses, além do software é preciso cuidado, porque dependendo do formato (por exemplo, 96/24 ou 192/24), a solução encontrada esbarra na autoração de um DVD Audio ou Video, e no caso do primeiro, não adianta ter o disco sem o player.
Quem não quer esquentar a cabeça com autoração de discos e deseja transferir o conteúdo para um media player, ainda assim tem que ter certeza de que o equipamento é capaz de decodificar o codec do sinal de fonte.
Se levarmos em consideração que matrizes antigas são satisfatoriamente servidas pela remasterização para um simples CD, poderemos ser capazes de admitir que o antigo comércio de discos tinha a sua razão de ser.
É interessante assistir àquele documentário. É possível lembrar que as lojas de disco tinham cabines para se ouvir o material de interesse. E também os diversos momentos em que a indústria fonográfica mudou de rumo. Não foram poucas as vezes que se culpou a presença de discos no mercado com determinados gêneros de música (clássicos, jazz, etc.) pela diminuição da presença do consumidor nas lojas, mas na Tower Records este efeito nunca foi percebido, segundo quem trabalhou lá. As lojas tinham de tudo, compra um determinado tipo de música quem quiser.
Lojas fecham com o passar dos anos, é inevitável. Recentemente, eu vi um texto com várias delas que fizeram parte das nossas compras no passado distante, uma vez vivendo lá fora.
Não é somente nostalgia que está em jogo, é também a mudança do cenário local, da rua onde alguém passa, em última análise a transfiguração da paisagem, que demonstra inequivocamente que nada resiste ao tempo. [Webinsider]
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Paulo Roberto Elias
Paulo Roberto Elias é professor e pesquisador em ciências da saúde, Mestre em Ciência (M.Sc.) pelo Departamento de Bioquímica, do Instituto de Química da UFRJ, e Ph.D. em Bioquímica, pela Cardiff University, no Reino Unido.
Uma resposta
Paulo,eu até te entendo.Mas eu coleciono música…Em MP3, em pendrives,CD’s data,tudo muito bem catalogado…Estou vom70 anos e me seria penoso ficar em pé nas lojas procurando títulos,o que aliás você ainda pode fazer aos sábados na praça XV. E agora,com os vídeos clips,a informação visual do teu artista preferido tocando não tem preço.Assisti pelo YouTube uma gravação original do Percy Faith…. Summer Place,no estúdio,que valeram por mil capas.Que coisa genial.. Portanto a mídia rotativa como você chama, tinha que acabar….um motor elétrico gasta muita energia,kkk.Abrs