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O filme em 16 mm foi a bitola de cinema mais usada nas casas das pessoas e na construção dos cineclubes, em uma época em que praticamente não havia outra forma de assistir ou estudar cinema ao alcance da maioria

O filme em 16 mm foi a bitola de cinema mais usada nas casas das pessoas e na construção dos cineclubes, em uma época em que praticamente não havia outra forma de assistir ou estudar cinema ao alcance da maioria. O formato foi usado em televisão na produção de programas e na exibição de filmes e seriados.

 

Eu era menino quando um garoto da rua, de família abastada, ganhou um projetor de 16 mm mudo, e me chamou para vê-lo. Anos mais tarde, o meu pai, que não tinha grana, comprou um moderno projetor E. K. A. alemão de 16 mm, mudo, dotado de uma lente grande angular excepcional, e me deu de presente de aniversário. Mas o aluguel de filmes era caro, o meu pai não aguentou e quando foi assediado pela avó deste garoto, acabou me pedindo desculpa e vendendo aquele projetor. O sonho durou pouco, mas eu entendi a situação do meu pai.

O garoto e seus primos abusaram do E. K. A. e acabaram por deixá-lo cair no chão, quebrando o aparelho e o jogando fora. Mas o pai do menino o contemplou com um projetor Victor, sonoro, 16 mm, e ele me chamou de novo para ir lá vê-lo.

O Victor foi historicamente um dos primeiros, senão primeiro projetor doméstico para a bitola de 16 mm. Fora fabricado por Alexander Victor, com o nome de Victor Animatograph. Recentemente, eu achei uma cópia do vídeo promocional deste projetor:

 

O Victor tem o que a fábrica considerava um mecanismo super simples, com apenas um debitador (roda dentada que movimenta a película), o qual servia para a alimentação do filme na entrada da objetiva e na saída para o rolo coletor. O problema é que o fabricante resolvera inventar um mecanismo de proteção, o qual desarmava o projetor se o filme patinasse no arraste das perfurações, e assim a exibição era interrompida toda vez que um filme com problemas de perfuração ou emendas passava pela objetiva. Se o filme estivesse em mau estado, a projeção interrompia seguidamente.

A única coisa que, para mim, se salvou desta máquina infernal, foi o fato de que a lâmpada excitadora, que joga luz na banda ótica, era montada de cabeça para baixo, o que permitia que a gente visse a banda ótica mudar de luz, em sincronismo com o som reproduzido. E foi assim que eu aprendi como a trilha sonora era gravada e depois reproduzida.

A família deste garoto resolveu então trocar o Victor por um RCA 400, cujo filme de treinamento está também no YouTube:

 

O RCA 400 me encantou pela qualidade do som, principalmente. O seu layout foi a base dos projetores das ilhas dos telecines da RCA por um longo período de tempo.

O movimento cineclubista

A minha experiência com filmes em 16 mm deu frutos. Os meus vizinhos perceberam no filho o total desinteresse em montar o projetor e exibir um filme qualquer, e eles gostavam de assistir filmes em casa.

Por isso eles tocavam o telefone lá de casa e me pediam para ir lá projetar os filmes que eles alugavam. Isso me deu uma vasta experiência em projeção. Anos mais tarde, eu iria, ainda menino, estender esta experiência entrando escondido na cabine do cinema do meu tio, e aprendendo com o operador como rodar um filme 35 mm, montar trailers, etc.

No colégio São José, eu era um dos poucos que conhecia projetores de 16 mm, e lá eles tinham dois projetores Bell & Howell do tipo Filmosound. Quando os Maristas abandonaram esses projetores, eu e mais dois colegas, Michel Misse e Ronaldo Cosendey Brouck, os convencemos em nos emprestar os dois projetores, para montar um cineclube.

A propósito, o Ronaldo eu nunca mais o vi, mas o Michel eu acabei sabendo que se tornara um professor do IFCS, na UFRJ. Tentei contato pelo telefone da universidade, mas a secretária filtrou, dizendo que ele estava ocupado. Não insisti, são coisas da vida mesmo…

Esse cineclube do colégio teve lá os seus problemas. Naquela época eu começara a estudar cinema, em um curso promovido pelo Cineclube Nelson Pompeia da PUC-Rio. Então, programamos a comédia neorrealista “Divórcio à Italiana”.

Os Irmãos Maristas objetaram, e o Reitor veio falar comigo. Mas, ironicamente, quando o filme foi finalmente exibido, eu saí da cabine e vi um dos irmãos assistindo o filme escondido! Que coisa, hein?

Ainda sob forte influência do cineasta Pietro Germi eu programei o filme “Seduzida e Abandonada” para o cineclube da faculdade, ainda lá no campus da Praia Vermelha. Depois de anunciar o filme, alguns coleguinhas vieram me perguntar se era um filme pornográfico que eu estava exibindo ali. Talvez por causa disso, o auditório ficou cheio!

Na época do colégio, o movimento cineclubista teve como um dos seus principais mentores o jornalista do Globo Miguel Pereira. Anos mais tarde, eu iria reencontrá-lo em um daqueles festivais de cinema do Rio, quando então soube que ele se tornara professor de cinema na PUC-Rio. Ele mesmo conta um pouco desta trajetória, em um depoimento:

 

O Miguel Pereira não foi só cineclubista, ele também participou da programação das sessões do Museu de Arte Moderna, que acontecia toda quinta-feira, o dia todo, no cinema Tijuca-Palace.

Infelizmente, o Professor Miguel Pereira nos deixou em 2019, aos seus 78 anos. Foi uma presença importante na área de crítica de cinema, e nos ensinou muita coisa com seus artigos. Eu dei a sorte de ter tido professores de cinema também jornalistas, que me ensinaram tópicos como história, técnica, crítica, etc.

No período da faculdade, em pleno movimento estudantil contra a ditadura, as sessões programadas eram monitoradas de perto, não só pelas direções das unidades como também pelos policiais infiltrados nas turmas. Um colega nosso, da Faculdade de Medicina, quebrou lanças para conseguir projetar “Os Companheiros”, de Mario Monicelli, porque o filme era considerado subversivo.

Para montar o cineclube da nossa faculdade ninguém por lá sabia operar um projetor. O diretório tinha comprado um projetor de 16 mm IEC, mas quando me designaram para ajudar o cineclube eu fui ao Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas, que ficava dentro do campus, e pedi ao seu diretor licença para usar o auditório e o projetor que eles tinham.

Era um Bell & Howell já muito mais moderno, com leitura de banda ótica e magnética. Com ele e com o anfiteatro do CBPF, o cineclube funcionou ininterrupto por cerca de um ano mais ou menos. Depois disso, eu pulei fora, procurando trabalho e entrando para a monitoria de bioquímica, em cujo departamento eu me tornei professor. Com a minha saída, o cineclube acabou.

As lições deste período

O movimento cineclubista que eu conheci coincidiu com a propagação dos filmes de arte na cidade do Rio de Janeiro. Na década de 1960, a Franco Brasileira havia aberto o Cine Paissandu, com uma frequência constante de uma plateia jovem e estudantes em geral. Depois eles construíram o Tijuca-Palace, perto de onde eu morava, local que eu frequentei anos a fio. Também fui rato das cinematecas do Museu da Imagem do Som e do Museu de Arte Moderna, procurando filmes que os exibidores não programavam mais. Na época da faculdade foi aberto o Cinema 1, que virou “point” dos estudantes. Passei por lá um tempo atrás, e vi uma loja de hortifruti no seu lugar. Muito triste!

A bitola de 16 mm foi o principal meio de entretenimento e estudo de cinema, dos filmes mudos aos sonoros. Os projetores tinham previsão para ambos os formatos, bastando acionar um interruptor, que mudava a cadência de 16 quadros por segundo (filme mudo) para 24 quadros por segundo, padrão usado para todos os filmes sonoros, até mesmo nas películas de 70 mm, que chegaram a 30 quadros por segundo.

Os filmes em 16 mm eram alugados por distribuidoras específicas. O aluguel costumava ser caro, motivo pelo qual o meu pai se viu obrigado a parar de sustentar o meu projetor de cinema que ele me dera de presente. Se o filme fosse no formato scope era preciso alugar a lente anamórfica também, ficando o aluguel ainda mais caro.

Durante o colégio eu me inscrevi nas principais filmotecas da cidade, que cediam filmes de graça, a maioria curtas e documentários. No consulado americano, eles exigiam que os inscritos fizessem um curso para aprender a operar um projetor de 16 mm, mas quando eu fui lá eu disse que conhecia bem o assunto, citei os projetores todos, e eles me isentaram do tal curso.

O consulado tinha projetores Bell & Howell de 16 mm profissionais, que eles cediam apenas em ocasiões especiais. Um vi um desses funcionando, e era um sonho, tal a qualidade e a robustez da máquina.

O amor pelo cinema nos fez a todos começar a colecionar filmes em outro tipo de mídia. Até hoje, a única atração por este tipo de coleção é que eu posso lançar mão e revisitar os filmes, fazendo pausa ou estudando cenas, quantas vezes eu quiser. Se levarmos em conta o alto custo das cópias em 16 mm, ninguém em sã consciência poderia se queixar. Não obstante, colecionadores de bobinas de filmes em 16 mm e projetores antigos continuam por aí e exibindo seus projetores, e quem irá dizer que eles estão errados? Outrolado_

. . .

 

Documentário sobre Pelé e as críticas ao seu envolvimento com a ditadura

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O som digital no cinema, antes e depois

 

Cinemas de rua com 70 mm

 

Quase 100 anos do início do cinema falado

 

Avatar de Paulo Roberto Elias

Paulo Roberto Elias é professor e pesquisador em ciências da saúde, Mestre em Ciência (M.Sc.) pelo Departamento de Bioquímica, do Instituto de Química da UFRJ, e Ph.D. em Bioquímica, pela Cardiff University, no Reino Unido.

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7 respostas

    1. Oi, Rosângela,

      Com todo o prazer, espero poder lhe ser útil, e que seja alguma coisa do meu alcance.

      Estou te mandando um e-mail para o endereço que você postou no site. Por favor, aguarde.

      Sugestão: se você não receber o e-mail na caixa de entrada verifique se ele ficou retido na caixa de spam (bulk).

  1. Meu pai tinha cinema de lona que passa em cidades em cidades , ainda temos as máquinas projetor de filmes 16mm e vários filmes

  2. Boa tarde, Paulo. Que beleza de post. Quantas lembranças. Aqui na praça o Cine Clube foi fundado em 1956, com projetor 16m/m.
    A entidade recebeu o nome de “Clube Avareense de Cinema”. Um dos primeiros filmes projetados foi “Átila, o Rei dos Unos”, com Jack Palance. Já nos anos 1960 foi feita uma rifa de um automóvel que rendeu bem e foi feita a compra de um equipamento 35 m/m e o clube mudou de local com uma sala bem mais ampla com dois projetores Pathé. Infelizmente no anos 1990 a diretoria houve por bem encerrar as atividades que já não contava com os associados necessários para manutenção do negócio.

    1. Oi, Celso, que pena, eu sinto muito que o seu Cineclube tenha fechado. Infelizmente, foi a mesma realidade das salas tradicionais de exibição, as quais nós perdemos para sempre e ficaram somente nas nossas memórias.

  3. Olá Paulo que tremenda satisfação me trouxe ao ler essa matéria, que conseguiu resgatar as minhas origens como Cinéfilo. Meu falecido pai era Diretor Administrativo de um clube dos funcionários do grupo Cobrasma no ramo de metalurgia (seu dono era Luís Eulálio de Bueno Vidigal Filho, ex Presidente da Fiesp). Na época (início da década de 70), os Diretores decidiram que iriam adaptar o ginásio de esportes nas noites de sábado, em uma grande sala de cinema, para a projeção e exibição de filmes para os associados. Foi construída uma grande cabine de projeção de cinema de 16 mm. muito equipada. Foi comprado e instalado 2 projetores da marca IeC (citados por você na matéria), modelo compact. Inclusive foi adquirida também 2 lentes de CinemaScope de 70 mm. e todos acessórios para corte e emenda de filmes. O sistema de som era mono, usando um amplificador-misturador IP/MT-6 e caixas da marca Supersom. Meu pai alugava filmes da produtoras em 16mm. e alguns consulados cediam documentários. Lá assisti pela 1º vez o filme The Ten Commandments de 1956 entre outros. E posso te garantir (tinha por volta de 10 anos de idade), aquele cinema tipo “amador” me fascinou, e sem meu pai saber (durante a semana) eu entrava na cabine, abria as latas de filme e carregava os filmes no projetor, e ficava mexendo no projetor. Isso sim (exatamente como descrito da manchete da sua matéria), acabou incutido essa arte em minha pessoa, O movimento Cineclubista (em toda sua essência), despertou isso em várias pessoas. Hoje sou eu quem programa e exibe os filmes em nossos cinemas de casa; que viagem hein Paulo. Valew !

    1. Olá, Rogério,

      Que viagem mesmo! Eu escrevi este texto também para poder conservar as minhas memórias como cineclubista. Eu aprendi muito com os professores que eram críticos jornalistas, convidados pelo pessoal da PUC, e eu devo muito da minha paixão pelo cinema a eles.

      Eu projetei Viagem Fantástica em um evento da faculdade, o rapaz que se encarregou de trazer a caixa de filmes e a lente CinemaScope se atrasou, e só foi chegar lá quando o auditório já estava lotado. A lente não encaixava e eu tive que improvisar, caso contrário o filme não iria ser exibido. Este é o tipo de operação que só deve ser feita longe da plateia, porque requer paciência com o acerto do duplo foco. Mas, no final tudo deu certo, só tive trabalho na hora de trocar os rolos.

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