O seriado The Studio, do AppleTV+ prometia muito, mas não entregou. O roteiro tornou os episódios cansativos e repetitivos, tirando a chance de mostrar Hollywood como realmente era.
Eu assisti com interesse o seriado The Studio, exibido pelo streaming do AppleTV+, porque tudo que se refere a cinema me provoca um chamativo impossível de recusar. Infelizmente, logo no primeiro episódio, a decepção se instalou, e, o leitor me desculpe pelo preconceito, eu devia ter desconfiado, porque o principal envolvido na produção, inclusive como roteirista, era o ator americano Seth Rogen, que nunca me agradou.
Sem nenhuma surpresa também foi ler trezentos elogios de usuários do IMDb, dizendo que o seriado é hilário, provocativo, imperdível, etc. Para mim, não foi. O roteiro é escrito por judeus, personificando judeus, falando sobre Hollywood dominado por empresários judeus e criticando abertamente o status quo dos esquemas de produção.
Na verdade, Matt Remick (Seth Rogen) quer fazer cinema de qualidade, mas é impedido pelo dono do estúdio, e pressionado para produzir qualquer filme que dê uma boa bilheteria, e nunca filmes “de arte”. A premissa era promissora como sátira, mas o desenvolvimento da trama nem tanto.
Logo no primeiro episódio se faz uma observação sarcástica sobre a presença de judeus em um estúdio de cinema, com a observação do tipo “somos todos judeus aqui”. Quem estudou a história do cinema norte-americano acaba sabendo como Hollywood surgiu no mapa: foram judeus emigrantes ou descendentes de famílias que fugiram da perseguição da Europa, que descobriam que a produção de cinema dava muito dinheiro, fugiram dos tentáculos de Thomas Edison e foram para a Califórnia.
Alguns dos fundadores judeus de Hollywood montaram grandes estúdios e se enriqueceram, durante a época de ouro do cinema: Adolph Zukor (Paramount), William Fox (Fox Film Corporation), Louis B. Mayer (Metro-Goldwyn-Mayer ou MGM), Warner Brothers (Harry, Albert, Sam, Jack), Carl Laemmle (Universal Pictures), Harry e Jack Cohn (Columbia Pictures), David Sarnoff (RCA e RKO).
Vários desses empresários criaram o chamado Studio System, uma organização mafiosa que dominou por décadas a produção e distribuição de filmes em Hollywood. Homens como Louis B. Mayer tratavam seus atores como se fossem uma família, mas uma vez contrariados no que queriam, agia de forma intimidatória.
As brigas corporativas foram históricas, apesar de. em muitos casos, a aparência fosse outra. Quando, por exemplo, Louis B. Mayer, o mais bem pago dos magnatas, se irritou com Dore Schary na seleção e produção de filmes, ele intimou Nicholas Schenck, presidente da Loews Incorporated, dona da MGM, para escolher entre os dois quem mandava nas produções do estúdio, e este demitiu Mayer, porque ambos eram inimigos um do outro!
O envolvimento de atores e principalmente de diretores judeus com Hollywood é imenso. E isso nunca mudou até hoje, exceto pelo fato de que os produtores e diretores judeus do passado evitavam a todo custo filmar temas em torno de personagens oriundos do judaísmo. Isto se dava principalmente pelo medo de discriminação racial. Tanto assim que atores e atrizes mudavam de nome nas telas.
O seriado e os roteiros dos episódios
Matt Remick e Sal Saperstein são produtores que planejam as produções do Continental Studios, mas brigam entre si o tempo todo, e ainda se envolvem em confusões e rixas com diretores e atores. A trama em si é um retrato da vida nos grandes estúdios do passado, e poderia ter dado um bom, talvez excelente, seriado.
No entanto, os diálogos consistem em bate-bocas, palavrões e xingamentos, difíceis de acompanhar porque as falas se sobrepõem de forma ininterrupta, o que, a meu ver, estraga o clima de disputa de opiniões na grande maioria das cenas.
Fora a neurose e angústia dos personagens, em The Studio não se vê o clássico humor judeu dos filmes americanos. Embora a turma do IMDb tenha achado os episódios hilários, na minha visão, não há espaço para o humor nas brigas e disputas entre os personagens.
O que se nota neles é um festival de insegurança e tentativas frustradas de autoafirmação nas falas em sequência das cenas. E isso torna o seriado repetitivo, ao invés de construtivo, na formulação das críticas aos esquemas de Hollywood.
Conclusão
Tendo dito tudo isso, eu parei no meio do quinto episódio, e estou em dúvida se vou acompanhar o resto até o fim! Tem vezes na minha vida de cinéfilo que eu me lembro do cinema do meu tio em Cajuru, interior de São Paulo. Ainda menino, eu conheci o Paulo, que era o operador veterano do cinema. Ele era um homem simples e muito simpático. Ao perceber que eu adorava cinema, ele, que me chamava sempre de xará, me levou um dia até a cabine, escondido do meu tio. Depois me ensinou a colar películas, tipo jornais, trailers, etc. e operar o projetor.
Eu já tinha experiência desde menino em projetar 16 mm, e o Paulo me mostrou como se acende uma lanterna de arco voltaico e se manipula o filme 35 mm, lentes e abertura dos diafragmas para acertar a relação de aspecto. O cinema só abria de noite, então algumas vezes eu ia com ele apanhar as latas de filme na estação de trem da cidade, e íamos ao cinema testar alguma coisa.
O Paulo tinha um comportamento peculiar com relação a cinema: quando ele não gostava de um filme, ele me dizia que era um “abacaxi”, isso antes do filme ser exibido. Às vezes, ele pulava um rolo inteiro dos filmes que ele não gostava, para a sessão acabar mais rápido, e muita gente não notava.
Gozado é que durante a minha adolescência eu estudei cinema e cansei de ir assistir filmes de arte, mas mesmo achando muitos deles arrastados e chatos, ficava até o fim, tentando entender o que se passava na tela. Não podia me queixar, porque eu vi grandes filmes sendo exibidos nas salas de arte, e nas cinematecas.
Hoje em dia, com a idade avançada, toda a vez que eu assisto um filme chato, eu me lembro do Paulo, e aperto o botão de avanço do remoto, ou pulo fora de vez, se a chatice do cineasta for insuportável para o meu atual estado de espírito! [Webinsider]
. . . .
Paulo Roberto Elias
Paulo Roberto Elias é professor e pesquisador em ciências da saúde, Mestre em Ciência (M.Sc.) pelo Departamento de Bioquímica, do Instituto de Química da UFRJ, e Ph.D. em Bioquímica, pela Cardiff University, no Reino Unido.