A globalização e o fundamentalismo, por Sterling

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Ambientado no Chipre dividido pela Turquia e Grécia e em Istambul, o mais recente romance de ficção–científica de Bruce Sterling apresenta uma situação fantástica: o mundo está sendo conquistado pela girl–band G7: sete garotas que dublam e dançam grudentíssimas canções pop, enquanto vendem toneladas de produtos relacionados à banda, como roupas, maquiagem, sapatos etc.

Contra esse fundo de “geopolítica pop”, Sterling estabelece em Zeitgeist um discurso consistente a respeito da “guerra pela alma do século 21”. Uma cultura pronta para invadir os “lares, mentes e corações dos fundamentalistas”, assim que uma infra–estrutura de distribuição for colocada para funcionar pelo gerente da banda no país, um golpista muito talentoso. Durante a passagem pela Turquia, porém, a banda cai nas mãos de um poderoso gângster local, que tem seus próprios planos.

O (anti)herói Leggy Starlitz é o manager da banda formada por sete garotas dos países mais ricos (há a garota americana, a alemã, a japonesa etc.). Uma espécie de alter–ego debochado do próprio Bruce Sterling, Starlitz contempla a chegada do novo século como um transe cheio de significados místicos.

Escrito em 1999, Zeitgeist antecipa com clarividência assustadora o grande embate ideológico que se desenha hoje, uma nova Guerra Fria. Não entre capitalismo e comunismo, mas entre a globalização laica e o fundamentalismo ortodoxo. Muito antes de 11 de setembro, Sterling já falava do perigo representado pelo milionário saudita Osama bin Laden e congêneres, em termos de oposição ideológica ao Ocidente.

O livro propõe um obituário pop–filosófico do século 20, enquanto o século 21 desponta “com problemas bem mais sérios, bem mais sofisticados”. Nesse transe da passagem de milênio, há cenas de exorcismo explícito: um personagem vomita cédulas de dinheiro, outro regurgita armas e drogas. O pai de Starlitz surge como um fantasma, um homem que foi desintegrado pelo primeiro teste da Bomba Atômica nos EUA e foi “metafisicamente espalhado” por todos os instantes do século. Um espectro que só fala por meio de palíndromos (frases que, ou se leiam da esquerda para a direita, ou da direita para a esquerda, têm o mesmo sentido, como, por exemplo, “Roma é amor”).

Outro personagem satiriza a paranóia de vigilância dos Estados Unidos. Tim da Eschelon é nerd com a aparência de Bill Gates, um sujeito pouco asseado e sexualmente reprimido que vigia o mundo todo através de satélites e grampos.

A mais forte tendência assinalada pelo romance é a idéia da guerra como uma atração no horário nobre, a consolidação do “complexo entretenimento–militar”. A união entre Hollywood e Forças Armadas é antiga, mas atinge agora uma sofisticação sem par. Guerra do Golfo III e Guerra Fria II são títulos de grande sucesso, com grandes efeitos especiais e cenas coreografadas, dignas de John Woo.

Enquanto Leggy Starlitz representa o século 20 agonizante, sua filha Zeta é a nova encarnação do Zeitgeist (“espírito do tempo”, em alemão). Zeta representa todas as militâncias ativas, as ONGs e os novos movimentos sociais solidários do novo século. Em um diálogo entre pai e filha, ela define os termos da diferença entre os dois séculos: “Pai, você é mau. Você pode personificar as tendências do dia, mas nunca se antecipa a essas tendências. Você não faz nada para melhorar o mundo. Você não tem forças para isso, não está em você. Mas eu não sou má. Eu sou boa. Eu sou uma boa pessoa, e posso sentir isso dentro de mim. Eu quero ter uma visão genuinamente ampla, sábia e generosa. Uma força poderosa do bem.” [Webinsider]

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A entrevista feita por Sergio Kulpas com Bruce Sterling (veja ao lado) foi realizada em julho de 2002 e publicada originalmente na revista Play, da Conrad Editora.

Sergio Kulpas (sergiokulpas@gmail.com) é jornalista e escritor.

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