De 29,99 por 0,99

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A publicidade é uma profissão alvo de caricaturação constante. Há um sem-número de livros, filmes, seriados de TV que usaram uma certa imagem da publicidade para ambientar um cenário ora de comédia de costumes, ora de psicopatia da sociedade de consumo.

O motivo mais óbvio dessa tentação é que a publicidade está no centro da nossa sociedade e, por isso mesmo, é o alvo fácil de todos os clichês possíveis. O motivo menos evidente é uma espécie de autodefesa da profissão propositalmente motivada no mais autêntico estilo falem-mal-mas-falem-de-mim.

Mas esse retrato, ou auto-retrato, está se tornando perigoso demais e seu mais recente exemplo é o livro 29,99 de Frederic Beigbeder, recentemente lançado no Brasil.

O autor é um redator publicitário aposentado (TBWA e Young Rubicam), queridinho da mídia “hypada” francesa, denunciador venal da socidade de consumo, burguês arrependido, snob comunista, vedete de programas de auditórios, herdeiro milionário da venda de uma start-up francesa, crítico literário e também quase escritor.

Seu 29,99 é uma confissão que pretensamente ele teria escrito para ser demitido da profissão que ele odiava e na qual mamava com aparente recuo filosófico. Enfeitando sua narrativa tosca e vulgar de citações e “títulos” de efeito, ele descreve um extrato de sua vida na agência, seu contato com clientes sempre idiotas, produtos e marcas sempre sacanas, patrões sempre babacas, atendimentos sempre prostitutos e um consumismo sempre corrosivamente mortal. Tudo isso debaixo de uma montanha de cocaína e sexo. Em outras palavras, um déjà-vu anos 80, mal-escrito.

É verdade que, por debaixo do vômito pseudo-engraçado, é possível encontrar alguns pontos de contato com a realidade que vivemos. Mas a caricatura é tão extremada e tão fora de moda que irrita mais do que faz sorrir. A falta de seriedade da visão que o autor tem da sociedade de consumo e da publicidade em geral transforma 29,99 num livro deplorável, propositalmente escrito para causar polêmica, ser vendido como pãezinhos e agradar àqueles que encontrarão ali motivos suficientes para enraizar seus preconceitos.

Vale, por fim, dizer que esse livro ilustra, para além da caricatura mais banal da publicidade, uma traço bem típico e também caricatural da cultura gaulesa. O francês médio se acha uma luz – isso é bem conhecido – com sua desagradável tentação de dialogar movido a piadas, trocadilhos e “mots d´esprit”, como foi tão bem retratado no filme “Ridicule”, de Patrice Leconte.

Esse livro, além de ser ruim, é altamente prejudicial ao momento que a publicidade está vivendo. Tudo o que o mercado precisa agora é conhecer a publicidade que se faz de verdade nas agências hoje: O que é esse trabalho sério, competente, embasado, hercúleo.

Não vale a pena comprar seu exemplar de 29,99. Estou liquidando o meu por 0,99 para cobrir os custo de envio. [Webinsider]

Fernand Alphen (@Alphen) é publicitário. Mantém o Fernand Alphen's Blog.

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Uma resposta

  1. É que incomoda, né Fernand?!
    O livro é formidável.

    A questão é que somos publicitários emergentinhos com muita ambição no pote mental criativo.
    Não temos tempo de perceber que somos as príncipais vítimas e ao mesmo tempo figurantes da globalização perversa [ler Milton Santos]

    As marcas não salavaram o mundo, apenas o bolso da mídia.tmp

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