Fox Grandeur 70 mm

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Embora a bitola de filmes mais largos do que o padrão de 35 mm usado no cinema não fosse invenção da Fox, o estúdio se lançou em projeto arriscado com uma delas, ao final da década de 1920, com o nome de Fox Grandeur.

A bitola escolhida foi o filme de 70 mm. Para fazer uso dela, câmeras Mitchell tiveram que ser adaptadas do modelo padrão (“Mitchell Standard”), que fora desenvolvido para filme 35 mm em 1920. O fotograma Grandeur usa uma altura de 4 perfurações, dando uma relação de aspecto de 2.10:1. Um espaço adicional lateral, entre o fotograma e uma das perfurações, é reservado para a inclusão da banda ótica sonora, usada na cópia de projeção.

 

 

 

Reprodução integral do fotograma Grandeur capturado pela câmera.

 

Anos mais tarde, as câmeras Mitchell de modelos mais recentes, a saber, o NC (“News Camera”) e o BNC (“Blimped News Camera”) iriam ser adaptados para o negativo 65 mm do formato Todd-AO, usado pela Fox. O fotograma sofre pequena modificação, para enquadramento 2.20:1, com 5 perfurações de altura, e na transcrição para a cópia de exibição em 70 mm com o espaço de trilha sonora reservado para bandas magnéticas estereofônicas, seis no total. Estas câmeras passam a serem chamadas de modelos FC e BFC, respectivamente, significando “Fox Camera” e “Blimped Fox Camera”. N.B.: “Blimped” significa a adição do “blimp”, que é uma espécie da capa sólida protetora que envolve a câmera, com o objetivo de eliminar o ruído do motor e das engrenagens, e adequá-la para as tomadas de som em cena, o chamado som direto.

 

 

A câmera Mitchell padrão, modificada para o negativo Grandeur de 70 mm.

 

 

O diretor Raoul Walsh, comandando as tomadas em A Longa Jornada, ao lado da câmera protegida da luz ambiente.

 

Os avanços nos processos de filmagem com o uso de filmes sonoros ganham uma particular importância no Fox Grandeur, pelo emprego dos trabalhos de pesquisa da gravação do som na película, fruto do esforço dos inventores Theodore Case e Earl Sponable, em associação mais tarde com a Fox. Por volta de 1926, foi formada a Fox-Case Corporation, que serviria de base para a experimentação e aperfeiçoamento do som gravado em banda ótica na película. O formato passa a se chamar “Movietone”, e é usado na filmagem dos jornais da tela da Fox, o chamado “Movietone News”, a partir do início de 1927. Já em 1926, o Movietone foi demonstrado na produção do filme Sunrise, dirigido por Murnau, exibido em 1927.

O tempo iria mostrar que o formato do som ótico em película superaria o uso de discos fonográficos empregado nos filmes sonoros baseados no formato Vitaphone. Logo no início, ficou estabelecido o posicionamento da cabeça ótica de leitura da trilha sonora abaixo da janela de projeção, mais especificamente 20 quadros abaixo, quando então a trilha sonora é reproduzida em síncrono com a imagem. Ao contrário do Vitaphone, se o filme partisse, a diferença de quadros continuaria a ser mantida e o filme nunca perderia sincronismo labial ou defasagem de efeitos sono plásticos.

A produção e exibição de filmes no formato Grandeur, entretanto, não foram muito longe. Do primeiro filme, lançado em 1929, o último a ser produzido, com o nome de “The Big Trail” (no Brasil, “A Longa Jornada”), foi exibido no ano seguinte, e o processo abandonado.

Por medida de segurança, o filme, dirigido pelo já veterano Raoul Walsh, foi realizado também em 35 mm, já que pouquíssimos cinemas se adaptaram para a bitola de 70 mm. E como foi hábito na Hollywood de antigamente, várias versões em outras línguas foram rodadas com atores diferentes.

O Fox Grandeur não foi o primeiro nem o único formato de bitola larga da década de 1920. Outros estúdios lançaram mão de processos similares, batizados com outros nomes, como Magnascope (ou Magnafilm, em 1926), ou então Realife, da M-G-M e Vitascope, da Warner, todos fracassados e nunca mais usados.

Um dos principais e mais prováveis dos motivos pelos quais o filme de bitola larga não teve sucesso comercial nesta época foi a coincidência com a grande depressão econômica de 1929, nos Estados Unidos. Somente o custo para a instalação e conversão dos projetores e telas tornou proibitiva a adoção do Grandeur e dos outros formatos. Sem distribuição, a produção de filmes deste tipo perdeu o sentido. Os projetores Grandeur eram na realidade projetores Super Simplex convertidos, e eram exclusivos para filmes 70 mm.

 

E aqui é interessante notar que parte desta lição foi aprendida. Quando a Fox decidiu partir para o Todd-AO, ela o fez com o uso de projetores Philips DP-70, encomendados pelo estúdio a esta empresa, e que era capaz de integrar as bitolas de 70 e 35 mm, com a mudança de apenas algumas peças. No Philips DP-70 são contemplados também os formatos de banda magnética (35 e 70 mm) e ótica (35 mm), sem adaptação alguma, tornando assim o sistema palatável financeiramente aos exibidores.

 A Longa (e tediosa) Jornada

Justiça seja feita, A Longa Jornada impressiona pelo imenso número de planos gerais (tomadas panorâmicas), aparentemente com o objetivo de demonstrar a amplitude vertical e lateral da tela de 70 mm. Algumas cenas são feitas com formidável realismo, como, por exemplo, a descida das carroças no declive que impedia o prosseguimento da jornada:

 

A recuperação do filme, feita recentemente, tem inegável valor histórico e não deixa de ser um tributo à pessoa do seu diretor Raoul Walsh, que posteriormente deixou um imenso legado de filmes realizados. Ainda mais que a exploração da linguagem cinematográfica restrita aos negativos em formato de academia (1.33:1) precisaria ser completamente modificada e dinamicamente concatenada com o potencial das novas telas panorâmicas.

Sob o ponto de vista de história e enredo, entretanto, A Longa Jornada é um filme bastante paroquial, e, portanto, sem nenhum caráter de universalidade que justifique a sua apreciação fora dos segmentos de fãs que adoram o gênero “western”. Os diálogos, em particular, poderiam ser facilmente omitidos, sem prejuízo ao filme.

É difícil entender, pelos padrões do cinema contemporâneo, o que pensaram os seus cineastas, ao rodar duas horas de uma viagem interminável e tediosa, sem qualquer apelo emocional que não fosse o do tipo “mocinho versus bandido(s)”, que virou cliché nos filmes de faroeste.

Sob o ponto de vista estético, o filme insiste na imobilidade da câmera, tornando a narrativa injustificavelmente monótona. Nas cenas de ação, e diante desta imobilidade cinematográfica, a cadência é acelerada de forma ridícula, provocando em efeito visual quase cômico.

A Longa Jornada bem que poderia ter se tornado uma saga épica com foco na figura carismática na tela do ator John Wayne, mas depois de duas horas de um enredo sem muitas variações além do lugar comum, chega o fim do filme e não se acha nada a este respeito.

John Wayne, por outro lado, tem a sua primeira oportunidade na personificação do herói imbatível, e muitos acreditam ter sido Raoul Walsh, e não John Ford, quem começou a cunhar a persona de Wayne em seus filmes subsequentes.

 

Historiadores e biógrafos de John Ford iriam discordar totalmente. Ford, segundo eles, teria ensinado Wayne a andar e falar com um determinado ritmo, diante das câmeras, na composição de seus personagens. E, de fato, é só assistir a um filme como o clássico “O Homem Que Matou O Facínora”, de 1962, onde o personagem Tom Doniphon é mostrado como o herói anônimo, cujo heroísmo teria permitido a evolução de uma sociedade sectária e autocrática, para uma comunidade com liberdade de escolha diante dos seus opressores.

A persona carismática imbatível e indestrutível de John Wayne começa, na realidade, cerca de quase dez anos depois de A Longa Jornada, com o filme “Stagecoach” (no Brasil, “No Tempo Das Diligências”), filme no qual John Ford quebra regras de linguagem, no tange ao posicionamento da câmera. O próprio Orson Welles afirma em entrevista, que assistiu Stagecoach por quarenta vezes seguidas, ao tentar compreender as mudanças levadas à tela por Ford, e que estas mudanças o teriam confundido quanto à maneira de fazer filmes!

Entre A Longa Jornada e Stagecoach John Wayne teve participações discretas em filmes considerados “classe B”, nada que contemplasse o que ele viria a ser nos anos subsequentes.

Na recuperação e preservação de A Longa Jornada, os técnicos se depararam com um negativo riscado em várias sequências. E mesmo depois de digitalmente transferida, a imagem do filme em formato Grandeur mostra todos os artefatos claramente.

 A criação de mitos

O filme do tipo “western” (ou “faroeste”, se quiserem) primou pela criação de mitos, todos eles baseados naquilo que analistas e críticos classificam como “americana”, que seriam temas que revelam a maneira como a sociedade norte-americana evoluiu através das décadas, e do tipo de cultura que ficou enraizada durante os principais períodos de colonização, guerra civil, separação cultural entre o norte e o sul do país, neste caso, entre leste e oeste.

Um destes mitos é o do “cowboy”, o vaqueiro disposto a defender os fracos e inocentes das garras dos “fora-da-lei”. Durante décadas, o cinema americano se propôs a perpetuar este mito, algumas vezes de forma equivocada, como por exemplo, quando os cineastas colocaram os índios (indígenas e verdadeiros americanos) no meio dos vilões e bandidos.

A matança de seres humanos é justificada por este tipo de mito e sem nenhuma guerra, a não ser as locais, entre comunidades e partidos. O cinema americano moderno desmistifica esta visão. Entre os exemplos mais recentes, eu citaria dois filmes do ator/cineasta Clint Eastwood:

Um é o filme de 1976 “The Outlaw Josey Wales” (no Brasil, “Josey Wales, O Fora Da Lei”), no qual os papéis se invertem. O personagem Josey Wales tem a sua família assassinada, suas terras confiscadas e ele se torna um marginal da lei quando os soldados “yankees” forçam sulistas a prestar juramento contra a bandeira confederada. Wales se junta a outros marginais, entre eles dois índios, na busca da justiça pelas próprias mãos.

O segundo e significativo exemplo da filmografia de Eastwood é o do tema enfocado no filme “Unforgiven” (no Brasil, “Os Imperdoáveis”), de 1992. Nele, o herói é o proscrito Will Munny, que sai do anonimato para enfrentar a ditadura local imposta pelo xerife tirano Little Bill Dagget. Aqui, mocinho e bandido estão em posições trocadas. O primeiro representa a lei, tirando proveito dela para patrocinar o terror à comunidade. O segundo, que luta contra a lei estabelecida, para promover justiça contra a tirania. É como se os cineastas estivessem dizendo à plateia “se a lei não garante os direitos do cidadão, então que se acabe com ela, nem que seja na base da porrada”.

 O destino do 70 mm

Todos os formatos pré-Todd-AO fracassaram na sua missão de renovar o cinema. Cineastas conservadores se debateram por décadas e se indignaram em fazer uso de telas panorâmicas. Depois, se dividiram entre usar a mídia como demonstração de efeitos de câmera (planos com lente grande angular) e filmagem com câmera estática. Nenhum deles influenciou em qualquer tipo de mudança estética ou de narrativa.

O principal trunfo do fotograma de bitola larga é justamente o de aumentar o campo de visão sem prejuízo da qualidade fotográfica. O filme em 70 mm supera qualquer outra bitola, pela simples razão de que a área de exposição permite um negativo de alto grau de resolução.

Mas isto foi enxergado pelos estúdios muito tardiamente. O declínio do filme 70 mm como formato de projeção coincidiu com o fechamento das grandes salas de exibição, mundialmente.

O leitor atento irá observar que toda a procura pela melhor mídia digital ainda tem como parâmetro principal o fotograma de cinema. A televisão de alta definição (HDTV) se espelhou no filme 35 mm e os novos avanços neste campo procuram chegar aonde o 70 mm chegou décadas atrás. [Webinsider]

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Paulo Roberto Elias é professor e pesquisador em ciências da saúde, Mestre em Ciência (M.Sc.) pelo Departamento de Bioquímica, do Instituto de Química da UFRJ, e Ph.D. em Bioquímica, pela Cardiff University, no Reino Unido.

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5 respostas

  1. Oi, Tresse,

    Preservar e passar conhecimento foi tarefa árdua da minha profissão. Fazê-lo para os campos do cinema e do home theater é mais do que isso: é também compartilhar com os outros o mesmo entusiasmo sobre estes assuntos que nós tivemos durante a vida toda.

    Obrigado novamente pela leitura e incentivo.

  2. Paulo, completando o comentário anterior que deu “chabu”.
    Creio que o colega Honório que sempre está por aqui, admirador do setentão como nós, também não conhecia essa. Vamos ver!

  3. Oi, Paulo,
    Faço das palavras do Tresse, as minhas.
    Embora com muitos anos de cabine, não conhecia esse formato Fox Grandeur 70. A bem da verdade, iniciei vendo filmes em 70 lá no início da década de 1960 em S.Paulo. Comodoro, Regina e Majestic. Nunca tinha ouvido falar nessa bitola lá dos anos 1920. Creio q

  4. Paulo, me considero analfabeto em cinema. Assisto poucos filmes (na TV Analógica só vi dois) e me oriento mais pelo conteúdo. Fico grato a você por me passar êsses conhecimentos valiosos sobre cinema. Acho que você presta um grande benefício para as novas gerações que ainda não decidiram o caminho a seguir. Não pare de escrever.

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