Futuros possíveis para o mercado editorial

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O tema “mercado editorial” é quente. E meu último texto abordando o assunto gerou uma repercussão tão grande, que acredito valer a pena aprofundar um pouco o debate. Fui instigado a dar meu ponto de vista sobre alguns aspectos ligados ao advento do livro eletrônico, o que farei ao longo deste texto. Mas acho que antes, devemos entender um pouco mais a fundo o que acontece nesta indústria.

Tanto para filmes, quanto para música, até mesmo para jogos eletrônicos e agora para livros, em geral o que se verifica é uma lenta caminhada em relação ao fim das plataformas (não propriamente o fim, mas sim sua completa digitalização).

A música é o exemplo mais gritante: durante décadas, as gravadoras serviam como intermediário entre artistas e o consumidor final. Sem elas (e sem os distribuidores, revendedores etc.) a obra “música” não chegaria ao cliente final, que deveria se contentar com a programação das rádios.

As gravadoras ofereciam a plataforma (vinil, CD etc.) e os intermediários faziam com que o produto chegasse ao consumidor. Veio a internet, o MP3 e o resto da história nós já sabemos.

A indústria da música não morreu, mas vem se repaginando pouco a pouco. Outros players entraram na briga, muitos oriundos do setor de tecnologia, mas já é possível ao artista ofertar sua obra diretamente ao seu ouvinte, dispensando intermediários – tanto as gravadoras que antes ofereciam a plataforma, quanto os revendedores e distribuidores que se encarregavam de transacionar este conteúdo comercialmente.

Um músico hoje pode ir direto ao seu público. Mas na prática, a maioria ainda depende dos intermediários, seja pela plataforma, seja pelo transacional, para conseguir obter o retorno financeiro e viver da sua obra, que penso eu, é o desejo de todo artista.

Passando para o mercado editorial

Em tese, desde que a internet começou, autores dos mais diversos estilos já podem dispensar a plataforma “livro” para fazer com que suas obras cheguem aos leitores. Seja disponibilizando um documento Word, seja trabalhando um PDF com mais requinte, há pelo menos 15 anos um escritor pode “dispensar” plataforma e intermediários comerciais para fazer com que seu material esteja disponível gratuitamente ao público.

Antes mesmo de e-books, e-readers ou dos blogs, já era possível distribuir uma obra pela internet. Não por acaso, a rede possibilitou, em poucos anos, um boom na produção de conteúdo. Mas o que faz com que este modelo de produção e distribuição mais democrático não domine o mercado?

Na minha visão, a explicação mais lógica está nas mais antigas e clássicas teorias econômicas. No caso, as novas tecnologias permitem que as pessoas produzam e dispensem os intermediários ou aqueles que antes detinham o monopólio sobre as plataformas.

Porém, a super abundância de conteúdo, ao mesmo tempo que democratiza, também força a sua desvalorização, na medida em que não há um controle de qualidade sobre tudo o que é produzido. Ou seja: embora milhões de pessoas possam lançar seus arquivos na rede e distribuí-los, há uma dificuldade maior para que os bons conteúdos se destaquem.

Além disso, a abertura para a distribuição de conteúdo pelo modelo free é muito bonita na teoria (leiam o excelente livro de Chris Anderson), mas na prática, não se aplica em todos os casos. Dessa forma, a nova indústria do livro eletrônico está criando nada mais que um novo gadget ou sonho de consumo para povoar o nosso imaginário. Criaram uma nova categoria de produto, o e-book, e uma nova plataforma, os e-readers, mas não caminharam um milímetro que fosse em direção à democratização da informação. Tampouco há uma competição direta com o livro de papel.

Se a teoria o free realmente funcionasse em 100% dos modelos de distribuição de conteúdo, ela poderia estar operando há mais de uma década, desde que o mundo mergulhou de vez na internet.

E por que isso não acontece? No final, a abundância de conteúdo pulveriza a audiência e inviabiliza a maior parte dos projetos comerciais neste sentido. Mesmo a teoria da cauda longa (outro excelente livro do Chris Anderson), embora interessante e verdadeira, não se aplica ao empreendedor individual (leia-se autor independente), que continua invisível na web.

A cauda longa se aplica maravilhosamente para negócios de maior porte. Mas não há que se falar em cauda longa para uma pequena editora com 100 ou 500 títulos, muito menos no caso de um autor independente.

No final das contas, o conteúdo acaba refém do aval ou da certificação de grupos maiores (chamemos de editoras, distribuidores de e-books ou qualquer outro nome), que cobram para atestar a qualidade mínima daquilo que está sendo adquirido pelo consumidor.

Mas não se trata de algo maléfico ou sordidamente planejado pelos executivos do setor. É uma consequência natural da super abundância de conteúdo, onde naturalmente a maior parcela tem pouca qualidade e nenhuma atratividade (quando muito pelo seu aspecto exótico) e uma pequena parcela representa de fato um produto de qualidade e comercialmente viável.

Conteúdo de qualidade precisa de uma estrutura: revisores, editores, designers, entre outros profissionais. Como pagar o almoço desta galera com o conteúdo sendo distribuído de forma gratuita? Como fechar esta conta para conteúdos que não atingem uma audiência monstruosa?

Conteúdo de qualidade precisa da certificação de uma plataforma que possua credibilidade. Os senhores que agora estão lendo este artigo, fariam o mesmo se ele estivesse perdido pela web, ao invés de estar publicado em um site do porte do Webinsider?

O caso brasileiro

O mercado dos e-books se consolidará mais rapidamente nos países ricos, onde o consumo é muito maior. Acredito que ainda veremos muitas gerações e tendências serem apresentadas nos noticiários até que o mercado brasileiro esteja realmente maduro. E como em outros setores, alguns produtos ou segmentos sequer serão disponibilizados por aqui.

Acredito que o preço dos e-readers vai cair, na medida em que concorrentes de marcas menores entrarem no mercado, como aconteceu com MP3 players e até com os celulares. Os aparelhos de marca, com tecnologia de ponta, continuarão caros, pois passam por uma estratégia de obsolescência planejada, o que não é nenhum crime. O problema é que estamos em um país de miseráveis onde os impostos sobre o consumo são absurdamente altos.

Acho que chegaremos a um formato padrão, que no meu palpite será uma variação do PDF ou similar. Contudo, a chancela ou marca de cada conteúdo é que continuará determinando seu sucesso ou fracasso, pois a super abundância torna impossível ao consumidor diferenciar o joio do trigo. No final, as editoras servirão mais como filtro para os conteúdos de excelência do que como provedoras de plataforma, como no passado.

Existem modelos de negócio diferenciados que podem servir de solução para a indústria do livro. Mas não penso que o livro impresso terá um final melancólico, como muitos dizem. Acredito muito na produção por demanda, mas ela também tem seus obstáculos a superar.

Conheço editoras que fazem livros com tiragens de até 30 exemplares, mas que não conseguem pagar os custos da empresa (designers, revisores, editores etc.) com a venda destes (a menos que lancem 200 ou 300 títulos por mês). Como não conseguem um volume tão grande de lançamentos, estas empresas buscam alternativas para custear seu funcionamento (normalmente atreladas à realização dos eventos para autógrafos).

Conheço também funcionários públicos bem colocados que gastam parte do seu vencimento para investir no sonho da editora própria. Lançam poucos livros, vendem quase nada, e a editora não quebra. Claro, porque o dinheiro vem da União, não da venda dos livros. Também é um modelo possível, mas é demais esperar que todo editor ou autor busque um cargo público para custear seu negócio ou o sonho do conteúdo gratuito, não é mesmo?

O advento do digital e da tecnologia por demanda representa uma oportunidade para autores independentes lançarem seus livros, tanto impressos, quanto digitais, sem passar pelos trâmites tradicionais. Mas não se iludam: continuará tarefa árdua destacar-se neste mercado, principalmente para um independente.

O modelo de negócio baseado em conteúdo free pode funcionar em alguns cenários, mas não em todos. Eu posso lançar um e-book gratuito sobre marketing e viver de palestras ou cursos, mas e um romancista: de onde tirará seu sustento?

É muito leviano afirmar que o modelo free funciona. Editoras podem distribuir alguns títulos pela internet, apenas para ganhar catálogo sem a necessidade de gastos com gráfica. Mas o sustento virá das vendas, seja dos impressos, seja dos digitais. E como já vimos, editoras ou outras empresas que distribuam conteúdo servirão como certificação para produtos de qualidade. Chris Anderson é um provocador, mas sabemos bem que no mundo real alguém precisa pagar as contas no final do mês.

Em relação à pirataria, ela com certeza nos afeta. Mas é algo cultural ou até um sintoma evidente da nossa condição subdesenvolvida. Por isso, afirmo que nem todos os modelos disponibilizados lá fora serão aplicados aqui. Alguém duvida que a mentalidade do consumidor europeu, por exemplo, é muito diferente da nossa? Estamos falando de um país onde pessoas são capazes de trocar o conteúdo das garrafas no departamento de bebidas em um supermercado para dar uma “volta” no estabelecimento. Quem trabalha no varejo sabe do que estou falando.

Apesar disso, sou bastante otimista em relação ao futuro do livro.

Os livros impressos em grandes tiragens vão continuar (você vai querer ter a sua Bíblia no Kindle?), enquanto livros com mercados mais modestos também terão o seu espaço. Além disso, o mercado digital permitirá uma competição mais equilibrada. Com a possibilidade de lançar livros a um custo menor, mais editoras proliferarão, a produção independente ganhará força e mais autores serão recebidos e terão oportunidade de publicar.

Acho que as mudanças serão gradativas. Converso diariamente com donos e gerentes de gráficas e nenhum deles se mostra preocupado com suas atividades no futuro. Pelo contrário: nunca se imprimiu tanto no Brasil.

Talvez o e-book esteja servindo para aquecer um pouco mais o mercado editorial brasileiro e ambos vão conviver pacificamente (impresso e digital) dentro de alguns anos.

Em alguns casos, teremos acesso irrestrito a estes produtos. Em outros casos, teremos sim que pagar, o que não representa nenhuma injustiça e sim uma contrapartida lógica por adquirir um produto bem acabado. E o mercado vai se acomodar com estes diversos modelos convivendo (inclusive o do editor funcionário público).

Nós, amantes de uma boa leitura, só temos a ganhar. [Webinsider]

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Bruno Garcia (bruno.garcia@com2b.com.br) é o editor do Mundo do Marketing. Sócio da Com2B, mantém o site Com2Business e o Twitter @bruno_com2b.

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2 respostas

  1. Li os livros do Anderson, gostei, mas concordo um ‘cadim com o que o Marcelo comentou.

    Eu adoro escrever, mas até hoje não tive a pachorra de procurar uma editorar e tentar ser publicado, mas como o meu principal objetivo nesse momento não é viver diretamente disso, fiz o caminho “paralelo”.

    Basicamente o que sustenta o conteúdo gratuito que disponibilizo pela minha empresa, são os produtos atrelados a eles. Se 1000 pessoas lêem minhas estórias, vai ter alguém que vai comprar os produtos relacionados à elas – e são eles que pagam a conta no final.

    Adoro as idéias do Cris Anderson, mas na prática muitas delas só transferem o custo de um lado da balança para outro.

    Não existe almoço grátis, como disse o colega acima. Mesmo aquele brigadeirinho da festa foi pago por alguém.

    Um super abraço,

    tio .faso

  2. Caro Bruno,

    Eu também trabalho com o mercado editorial de forma indireta (presto serviços) e gostaria de complementar o seu artigo com o seguinte raciocínio:
    No caso do livro, eu compro aquilo que me interessa e o autor/editora são remunerados, certo?
    No caso da Amazon (Kindle), recebe Amazon 2 vezes (venda de aparelho e livro).
    No caso do PDF na rede de graça: Recebe a Telefônica (Speedy), a Dell (computador), a Eletropaulo (Energia elétrica).
    Caso o autor dê o livro de graça, ele tem que se remunerar, correto? Ou seja, vou pagar pela palestra dele ou qualquer outra coisa que justifique o esforço do coitado (se é que ele vai ser esforçar pra escrever um livro de qualidade sendo que vai ser dado de graça).
    No meu caso, eu uso o livro para estudo e vendo meu trabalho de consultoria em cima do conhecimento adquirido em cima do mesmo. Não acho muito certo este modelo (o outro faz de graça e eu uso para ganhar $). Meu filho tem 2 anos e adora os livros infantis com desenhos, montagens etc. Eu compro como se fosse brinquedo para ele. Seria o mesmo se eu baixasse um PDF? Acho que não.
    A idéia do FREE do Cris Anderson tem a premissa que o grátis pode ser compensado remunerando de outra forma, mas aí não é grátis, certo? É simplesmente pagar de outra forma. Sendo assim, a minha pergunta é: Se vou pagar de qualquer jeito pelo trabalho, porque não pagar comprando o maldito livro? Qual o problema de se comprar livros de qualidade e pagar por eles? Eu pago por escolas de qualidade (não quero meu filho em escola pública por motivos que todos conhecem), eu pago por planos de saúde de qualidade (não quer SUS por motivos que todos conhecem), eu pago para andar de carro (não quero ônibus em São Paulo na hora do Rush por motivos que todos conhecem). Qual o problema? Em resumo, a idéia do “de graça” é mais furada que peneira. Não se sustenta no mercado editorial. Tou pagando para ver bons autores escrevendo livros sem serem remunerados diretamente por eles (os autores de romance são um bom exemplo disso).
    Como diria um velho professor meu: Não existe almoço grátis. Quem acredita nisso, também acredita em Papai Noel.

    abs

    Marcelo

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