O cinema desastre da década de 70

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A indústria cinematográfica americana sempre primou em procurar no público-alvo algo que pudesse atrai-lo para as salas de cinema. E cada época teve o seu momento com um determinado estilo, alguns ficaram, enquanto que outros desapareceram, proporcionalmente ao desinteresse do público.

No início da década de 1970, o Cinerama em 70 mm ainda estava muito em voga. E foi assim que Aeroporto, dirigido pelo veterano George Seaton, apareceu nas telas ultra curvas e gigantescas da época. No Rio de Janeiro, foi exibido no antigo Roxy, cujo sistema de projeção tinha todos os requerimentos para este tipo de filme. Aeroporto foi, a propósito, um dos últimos filmes fotografados pelo processo Todd-AO, originalmente projetado para substituir o Cinerama de 3 películas.

É lastimável que processos fotográficos em negativo 65 mm tenham caído em progressivo desuso nas décadas seguintes. Mesmo o mais elegante dos formatos digitais terá hoje dificuldade em manter a mesma relação de qualidade na captura do fotograma, e se atualmente os estúdios correm atrás da varredura em telecine com 8K de resolução para uso neste tipo de bitola de negativo, é porque somente assim é possível capturar a fidedignidade fotográfica do mesmo.

O leitor poderá comprovar isto através da edição em Blu-Ray do documentário Baraka, e mais recentemente, da edição da versão restaurada de Lawrence da Arábia, este último uma das melhores imagens em Blu-Ray que eu já vi até hoje!

O filme Aeroporto deu início a uma série de projetos semelhantes, a partir da década de 70, que no final foram anunciados ao público como “cinema desastre”. Não que a fórmula fosse nova, mas a maneira de fazer sim. A ideia básica é prenunciar e/ou concretizar algum tipo de destruição, que represente perigo iminente às vidas dos personagens. Em anos subsequentes, Hollywood jogou na tela filmes como “O Destino do Poseidon” (1972), “Inferno na Torre” (1974), “Terremoto” (1974, Sensurround), e muitos outros, com a mesma premissa.

E esta fórmula, apesar de relativamente arcaica, funciona bem até hoje. O diretor alemão Roland Emmerich, por exemplo, já destruiu Nova York várias vezes, em filmes como O Dia Da Independência, O Dia Depois de Amanhã, Godzilla, etc.

 O filme em si é, sob alguns aspectos, um desastre por conta própria!

Assistindo Aeroporto hoje, não passa nem sombra do impacto de público e sucesso comercial que ele teve na década de 1970. A edição em Blu-Ray é apenas razoável, no aspecto da imagem. É provável que parte do impacto perdido se deva à ausência da tela Todd-AO na casa da gente (e nos cinemas, lamentavelmente). Outro fator que esconde a ausência de maiores emoções é o tom novelesco no desenvolvimento do roteiro: o filme mistura propositalmente melodramas familiares, que nada têm a ver com o suspense do desastre aéreo que se prenuncia na tela. E finalmente, o desgaste temporal do tema. Depois de a gente assistir dezenas de repetições e roteiros recorrentes, fica difícil lembrar que Aeroporto foi quem deu a partida neste tipo de cinema.

O mais irônico é que o próprio cinema americano demorou mais de dez anos para tirar sarro com Aeroporto (“Airport”) e filmes semelhantes, no besteirol “Airplane!” (no Brasil, “Aperte os cintos, o piloto sumiu”). Airplane!, na verdade, é um pastiche de filmes dramáticos, alguns anteriores a Aeroporto, mas algumas ideias deste último são notoriamente aproveitadas, como a do garotinho chato e metido a esperto, sentado ao lado dos pais, da presença das freiras dentro do avião, do médico que socorre os passageiros, da histeria de um deles, tratada na base da porrada, e outras tantas.

O problema maior é que, no desenvolvimento da trama, o roteiro de Aeroporto se divide entre as vicissitudes enfrentadas pelas companhias aéreas e funcionários de apoio, no esforço de manter o local operando o dia todo, e o drama dentro do avião propriamente dito, avassalado por uma bomba, carregada no colo de um dos passageiros, e que estoura parte da fuselagem.

Aeroporto faz ainda um merchandising descarado à companhia de aviões Boeing, com elogios rasgados ao modelo exposto na tela, no que toca à sua estrutura e confiabilidade.

 O macete para o sucesso era a escalação de atores de peso

Tradicionalmente, filmes como Aeroporto enfileiram uma quantidade apreciável de astros, coisa que sempre impressionou o público. Entre os atores, entretanto, a veterana Helen Hayes é quem dá alguma dignidade ao seu papel. Não que outros estejam mal, mas alguns, como Burt Lancaster, por exemplo, estão bem abaixo do seu potencial como atores, talvez porque o personagem e os diálogos com que têm que tratar deixe muito a desejar.

Maureen Stapleton (conhecida por seu papel em “Cocoon”) é outra que aparece muito bem. Já Dean Martin, ator/cantor favorito de muita gente, nem tanto, e eu ainda não sei dizer se é o personagem em si ou a persona para lá de chata do cantor, que me perdoem os seus fãs.

No cast feminino, duas belíssimas (na minha visão) atrizes, Jean Seberg e Jaqueline Bisset. Os nomes, entretanto, enganam: nem Seberg nem Bisset são francesas, a primeira é norte-americana e segunda inglesa.

Jean Seberg teve carreira e morte precoces. Envolvida em movimentos políticos, foi alvo de estreita vigilância do FBI, e no final teve que se mudar para a Europa, a fim de continuar a trabalhar. A sua participação no primeiro filme de Jean Luc Godard, “À Bout de Souffle” (no Brasil, “Acossado”), marcou a sua presença em solo francês no cinema de vanguarda da época. A sua morte, provocada por uma suposta alta dose de barbituratos, ainda é um mistério até hoje.

Dana Wynter, e aí novamente peço perdão pelo sexismo, também não é de se jogar fora! A atriz anglo-alemã faz um papel, entretanto, beirando o antipático. Se alguém quiser vê-la mais, digamos assim, carismática, é preferível assistir o drama de guerra “Afundem o Bismarck”, de 1960, onde ela mostra sobriedade e total controle dramático do seu personagem.

 O estigma que fica!

Quem viu Aeroporto nos cinemas, e depois viu “Airplane!”, irá ter dificuldade de se livrar da memória do segundo, quando assiste de novo o primeiro.

Aeroporto:

Airplane!:

Aeroporto:

Airplane!:

Aeroporto:

Airplane!:

A paródia faz o seu papel, mesmo que de forma manca, e assim automaticamente desmistifica o desastre e tira, neste caso, toda a graça do filme anterior.

Bem feito para Hollywood, que aprendeu a exagerar no binômio causa e efeito, e no suspense previsível. O formalismo de linguagem imposto pelo studio system parou de ter impacto em finais da década de 1960 para a frente. Eu não sou contra o formalismo, porém em situações como a deste roteiro, chega, em alguns momentos, a agir contra a estrutura do filme. Nas primeiras exibições, até passa, mas não resiste ao tempo para quem o assiste novamente depois.

Por outro lado, eu acho abominável a mudança radical de linguagem, que se desenvolveu com a chamada “montagem MTV”, em alusão aos videoclipes da mesma, e que consiste em uma sucessão de planos de curtíssima duração (minutagem de 3 a 5 seg), usando tomadas com a câmera balançando tão freneticamente, que a gente nem enxerga direito o que está na tela.

Filmes de suspense, com este tipo de montagem, se tornaram moda e são, na minha opinião, igualmente ridículos. Não sei se ainda vou estar vivo, para ver os cineastas modernos conseguirem achar um meio termo decente nisto tudo! [Webinsider]

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Paulo Roberto Elias é professor e pesquisador em ciências da saúde, Mestre em Ciência (M.Sc.) pelo Departamento de Bioquímica, do Instituto de Química da UFRJ, e Ph.D. em Bioquímica, pela Cardiff University, no Reino Unido.

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4 respostas

  1. Muito bem, Paulo,
    Vi Aeroporto no extinto Cine Comodoro, em S.Paulo. A experiência foi impressionante. Creio que mais pela tecnologia da sala do que pelo próprio filme.
    A pergunta que o comentarista Honório fez também é a minha: o Lawrence é importado?
    Aqui no Brasil existem versões em DVD “normal” e um tal de “superbit”. O que seria isso?
    Quanto a “Conquista do Oeste” em blu-ray importado é espetacular mesmo! Eu nunca tinha visto uma imagem tão arrazadora.
    Abraço.

    1. Celso,

      O SuperBit é a versão em MPEG-2 com uma taxa de compressão mínima, sendo a melhor imagem possível para um DVD. Não se compara ao Blu-Ray. A edição de Lawrence da Arabia foi escaneada com 8K de resolução, tirada de uma cópia impecável. Na minha opinião, um dos melhores Blu-Rays que eu já vi.

  2. Oi, Honório,

    A minha edição é a lançada aqui, e é a mais simples do que a outra lançada lá fora. Tem, entretanto, um disco de extras, um deles o mesmo da primeira edição em DVD, que foi omitido da versão SuperBit. Eu tive as três, e o Blu-Ray passa batido em qualidade de som e imagem.

  3. Olá Dr. Paulo. Aproveito a leitura deste artigo para perguntar se a BLU-RAY de Lawrence da Arabia ao qual o sr. se refere como a melhor imagem já vista é o que está à venda no Brasil. Explico: já possuo em DVD. Mas, como sou “vidrado” nesse filme, pensei em adquirir o BLU-RAY. Só que, após algumas decepções, tornei-me um tanto desconfiado dos discos vendidos por aqui. Com satisfação informo que adquiri já a algum tempo na AMAZON.COM a versão dupla de “A Conquista so Oeste” em BLU-RAY que o sr. comentara e foi satisfação total.

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