O design, como visto pelo desenvolvedor

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Os anos dedicados ao desenvolvimento de sistemas web não me fizeram esquecer o passado – não tão sombrio mas remoto – em linguagens verbosas como Cobol, Assembler, CICS, Clipper, Pascal, entre outras.

Nessa época o “layout” (por assim dizer) do sistema estava somente em nossas mãos e isso não era uma tarefa fácil. Quer um exemplo? Os sistemas de locadora de vídeos e DVDs, com telinhas azuis, menus numéricos e navegação baseada em Ctrls, Escs e afins. É super trabalhoso de fazer.

A minha primeira calculadora em Cobol feita numa aula do colégio técnico tinha 100 linhas desenhando cada quadrado do número em branco e mais 20 para explicar que quando alguém apertasse o número no teclado ele deveria ficar em highligth na tela. Fora as outras centenas utilizadas para o layout básico da calculadora.

Sempre fui muito caprichosa e detalhista em relação aos layouts de sistemas que desenvolvo, pois sempre tive paixão pela ciência da HCI (Human Computer Interface), hoje muito associada à usabilidade, mas para mim e para muitos a velha e boa ergonomia.

Muitos colegas de profissão, ao contrário, não demonstravam tanta paciência com o desenho das telas e hoje continuam assim. As linguagens visuais e seus ambientes de desenvolvimento vieram com o intuito de diminuir o tempo investido na interface, para que o desenvolvedor possa dedicar cada minuto para a tarefa mais importante – produzir código.

A migração para o ambiente web foi parecida, mas é distinta. Com a profissionalização do desenvolvimento veio a especialização, a qual os desenvolvedores não estavam acostumados. Novos profissionais, entre eles o webdesigner e o arquiteto da informação, entraram no processo de desenvolvimento de sistemas.

Em ambientes tecnocratas, os desenvolvedores não se conformavam em ter que seguir as diretrizes passadas “por alguém de humanas”, “sem a mínima idéia de como as coisas funcionam” e que “apenas desenha botões”. Comportamento esperado, pois houve perda de autonomia, mas a mudança tenderia a ser aceita em curto prazo, pois trazia muitas vantagens.

O tempo prova que estes papéis foram bem aceitos pelo mercado e pelos desenvolvedores, mas estes ainda mantêm uma resistência velada.

Hoje não desenvolvo mais – pelo menos não oficialmente. Há dois anos administro uma empresa que presta serviços na área de consultoria e ergonomia, mas tenho contato constante com desenvolvedores das mais variadas linguagens e níveis de conhecimento. Na prática ainda existe o “vilão” design como justificativa para muitos dos problemas de um projeto.

E a pergunta é, por quê? Resumo em três questões.

Questão cultural: todos temos referências e/ou tutores quando iniciamos em uma atividade profissional. Dependendo do grau de admiração e respeito desenvolvido nesta relação, além da transmissão de conhecimento ocorre também a transmissão dos valores, o que inclui a importância que a pessoa dará a uma interface – e aos profissionais que trabalham nesta área.

Questão acadêmica: ainda hoje grande parte dos cursos de exatas ignora completamente o conceito de design. Ouve–se constantemente durante as aulas frases como: “Não se preocupem com o layout e sim com o funcionamento”, “Não quero ver o layout e sim o código–fonte”, “Não precisava ter se preocupado em fazer uma “telinha” bonitinha”. Ok, o que está em jogo aqui realmente é o aprendizado de uma linguagem, o que em minha opinião não deveria ocorrer na faculdade. Mas essas e outras frases transmitem os valores que a pessoa carregará consigo para a carreira profissional.

Com que freqüência são encontradas matérias como interação homem–computador em um curso de ciências da computação? Raramente. Há exceções, mas grande parte dos alunos ainda aprende na faculdade que o usuário é um “inimigo” e que o importante é um código de simplicidade interna, ou seja, mais fácil de ser implementado.

Questão corporativa: a concorrência no ambiente empresarial e o distanciamento dos desenvolvedores do usuário final fazem com que o webdesigner seja visto como um concorrente, um sabotador ou alguém a quem se pode atribuir a culpa por atrasos e maus funcionamentos (bugs). O tempo, bem precioso e escasso nos projetos, é disputado com unhas e dentes por cada membro de uma equipe e gera desavenças como as listadas anteriormente. E também existem gerentes de projetos que se beneficiam dessa situação para trabalhar seus prazos e gerenciar suas entregas. Ou seja, em prol de um “bem maior” há o reforço de uma postura de discórdia que determina a relação do desenvolvedor com o design/designer.

Atualmente há muitas iniciativas que visam melhorar o relacionamento do desenvolvedor com o design. Algumas universidades incluem este tema em suas grades curriculares, surgem empresas focadas em serviços de ergonomia de software que trabalham esta relação no ambiente corporativo e há muitos profissionais empenhados em mudar este estigma.

Estes profissionais de tecnologia possuem um grande papel nesta transformação. São (ou serão) a referência para iniciantes, coordenadores de projetos e professores universitários.

A importância deste relacionamento e a necessidade de sua melhora são mensuráveis, assim como os ganhos que proporciona. E, além disso, esse processo de melhoria gera uma ambiente mais agradável de trabalho, maior produtividade e, inclusive, melhor qualidade de vida. [Webinsider]

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Referências:
Heckel, P. The elements of friendly software design. Alameda, CA: Sybex, 1991
Nassif, K. Usabilidade: Fator crítico de sucesso no projeto de sistemas. São Paulo, SP: Universidade Presbiteriana Mackenzie, 2002

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Karyn Nassif é empreendedora, consultora e especialista em experiência do usuário.

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