O Facebook do século 16

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Na semana passada compartilhei alguns comentários com uma jornalista interessada em apurar uma notícia sobre a existência de um sistema parecido com o do Facebook utilizado no século 16. Como a maior parte desses comentários acaba não sendo aproveitado, aqui está a versão integral. (A versão que saiu impressa está em PDF e não encontrei o link para a página na Web.)

Foi a partir dessa “conversa” que escrevi o post anterior sobre o que a antropologia tem a dizer sobre a internet. Agora segue a conversa:

– Você concorda com a comparação feita pela Royal Holloway University? Há semelhanças entre o Facebook e os grupos de relacionamento estabelecidos há muitos anos?

– A gente relaciona internet com novidade, modernidade, futuro; mas a internet na verdade é apenas mais uma demonstração da vontade que a gente tem de estar com outras pessoas e de conversar. A gente associa a internet com modernidade e futuro porque até recentemente o computador e a conexão para se usar a internet eram coisas caras e difíceis de se ter; nem todo mundo entendia o valor, então, a gente associou a internet aos nerds, aos geeks, essas pessoas que vivem no futuro.

Mas mais recentemente o computador e a internet vem se integrando à mobília das casas; é mais um elemento para comunicação. O motivo da curiosidade da notícia está em ela mostrar como a internet, na verdade, não tem a ver com futuro, ela mostra só como a gente adora conversar. Então, respondendo diretamente à sua pergunta, sim, há semelhanças entre esse sistema de comunicação dos acadêmicos antigos e o Facebook, da mesma maneira como há semelhança entre chats e conversas de bar, entre SMS (mensagens de texto por celular) e telegramas.

A ideia de “rede social” não foi inventada por programadores junto com a internet; rede social, para as ciências sociais, é a rede de relacionamentos que qualquer pessoa tem. Esse termo existe nas ciências sociais há mais de um século. A internet apenas tornou isso mais explícito porque a gente pode “ver” o nosso perfil e “ver” as ligações com os nossos amigos.

– O Facebook é tratado muitas vezes como uma grande revolução que mudou a forma com que as pessoas se relacionam umas com as outras. Mas o método é mesmo tão diferente, ou ele apenas se aproveita da internet para “formalizar” os costumes que já tínhamos há séculos, quando se tratava se conversar ou observar pessoas?

– É isso: acho que muita gente vai concordar que o Facebook se parece muito com a vida em tribos indígenas. Antes do Face e antes de todo mundo ter entrado na internet, era muito mais fácil ter a vida da gente compartimentada: os amigos da faculdade, os amigos do trabalho, os amigos do clube, a família, etc. A gente sabia gerir esses relacionamentos e tinha controle sobre como a gente se apresentava enquanto estivesse em contato com cada um desses grupos.

Agora, de repente, todos esses grupos estão “perigosamente” juntos uns dos outros; o que você fala no Face (ou o que falam de você), o que você publica ou publicam sobre você fica exposto para outras pessoas verem.

Se colocam uma foto comprometedora sua, a sua mãe pode ficar sabendo, ou os seus colegas do trabalho e eventualmente o seu chefe. O Face traz essa experiência de cidade do interior em que as pessoas veem umas às outras, ficam sabendo da vida umas das outras; é daí que vem a sensação de perda de privacidade. Então, sim, um jeito interessante de se rever o Facebook e as redes sociais em geral é pensando em quanto elas estão nos levando de volta a um tipo de sociabilidade anterior à que a gente se acostumou a viver até recentemente; ele pode estar tornando a gente mais “tribal”, mas não “tribal” no sentido de gueto ou grupo separado e sim no sentido de ter todas as pessoas que fazem parte da minha vida existindo no mesmo ambiente.

– Você consegue ver uma relação entre os métodos que eles usavam e as ferramentas existentes hoje na internet? Algo como acadêmicos = membros de uma comunidade ou atividades = jogos online ou yearbooks = timeline? Os métodos mudaram ao longo dos anos, ou eles apenas ganharam nomes novos ao longo dos anos? Há coisas que se fazia na época e que não se faz hoje, e vice-versa?

– A relação entre a internet e esse mundo acadêmico, da ciência da informação, não está apenas aí. Veja o Google: a ideia que diferenciou a busca do Google é a mesma usada na biblioteconomia para dar reputaçao a publicaçoes acadêmicas. A pagina que aparece em destaque na pesquisa do Google é aquela que tem mais links apontando para ela; se mais pessoas “citam” (linkam) para uma página, ela ganha pontos e sobe na lista do Google.

O mesmo acontece com artigos acadêmicos: o intelectual e sua produção são avaliados pelo número de publicações em revistas científicas e pelo impacto dessas publicações, ou seja, no numero de citações feitas em publicações futuras para os artigos dessa pessoa. Não existe um inventor para a internet – houve inventores para determinados elementos da internet – porque ela “aconteceu”; era um projeto do Departamento de Defesa dos EUA para computadores trocarem dados entre si até o momento em que um engenheiro, extraoficialmente, instalou um programinha de e-mail. Em menos de dois anos, 3/4 do fluxo de dados era constituído por mensagens enviadas. Ninguém inventou a internet, como ninguém inventou uma língua ou uma cultura: isso é consequência do nosso desejo de comunicação e das maneiras que a gente encontra para fazer isso.

– Você consegue imaginar esses acadêmicos usando o Facebook hoje, um ambiente tomado por vídeos do YouTube, depoimentos emocionais e memes? O Facebook é uma ferramenta que poderia ter os mesmos “poderes” das academias, para a disseminação do conhecimento e colaboração científica?

– Não preciso imaginar. Sou pesquisador e participo de vários grupos relacionados a pesquisa via Facebook. A questão é olhar para o Facebook não como se ele fosse igual para todo mundo, mas como se ele fosse uma espécie de casa e bairro. Você mora em um bairro (rede de amigos) e decora a sua casa (perfil, timeline) com as coisas que você quer. A estrutura é criada a partir da motivação. Conheço vários acadêmicos importantes que se comunicam intensamente via Facebook.

Da mesma maneira como a internet já não é um playground de nerds e geeks, as redes sociais já não são o pátio da escola de adolescentes. Todo mundo está la dentro, de pobres a milionários, de funcionários públicos a empresários, de crianças a pessoas de todas as idades. E cada um constrói a sua internet a partir dos valores e do entendimento que tem sobre o mundo e sobre a ferramenta. Além disso, existem redes sociais para utilização para fins específicos. Uma das mais famosas para fins científicos é a Academia.edu.

– Assim como as academias foram substituídas até chegarmos ao Facebook, você prevê outro tipo de rede social conquistando o público em breve? Como ela seria?

– Acho que a academia não substituiu o Facebook. A academia é um tipo de ambiente social, com uma determinada finalidade, onde as pessoas trabalham em seus projetos, mas também se divertem, brincam, fazem piada. O mesmo pode ser dito sobre o ambiente das redações dos jornais. Já trabalhei como jornalista e sei que as redações, além de serem um espaço de trabalho, também são ambientes divertidos e ricos em trocas de ideias e humor. Meu ponto é que não dá para comparar Facebook com Academia porque são elementos de categorias diferentes. Dá para comparar o Face com espaços sociais como um bairro ou um condomínio; são espaços neutros até que as pessoas que moram neles criam os significados do espaço a partir da convivência que elas têm entre si.

– Na sua opinião, as pessoas têm essa necessidade de criar meios que facilitem a interação social? Por quê?

– Porque se não a vida seria muito silenciosa e solitária 🙂 [Webinsider]

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Juliano Spyer (www.julianospyer.com.br) é mestre pelo programa de antropologia digital da University College London e atua como consultor, pesquisador e palestrante. É autor de Conectado (Zahar, 2007), primeiro livro brasileiro sobre mídia social.

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