O início do Jazz, que não morreu, apesar dos prenúncios

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O início do jazz, em 1917

No dia em que escrevo esta coluna, 26 de fevereiro de 2017, fazem exatamente 100 anos do lançamento do que se supõe ter sido o primeiro disco gravado com um estilo de música conhecido na época como “jass”. A gravação foi feita pela Columbia, com a participação de uma banda de músicos brancos chamada “Original Dixieland Jass Band”, que se auto proclamavam “os criadores do Jazz”. Foi o início do Jazz.

Ironia é pouco para reconhecer em uma banda de brancos a criação de um estilo de música que começou no meio das comunidades negras de antigos escravos das proximidades de New Orleans.

De acordo com historiadores a Columbia convidou a banda para uma gravação, logo após ela ter se apresentado em janeiro daquele ano, mas o lançamento do disco, com as músicas Darktown Strutter’s Ball de um lado e Indiana do outro, não foi lançado senão em setembro de 1917.

Neste interregno, a Victor Talking Machine (depois RCA) se assegurou dos direitos de gravar e lançar um disco com a banda, o que aconteceu em 26 de fevereiro daquele ano, ficando assim registrado como a primeira gravação de Jazz feita em disco.

Se existe algum mérito nesta possível falsidade histórica (os detalhes do evento são na maioria obscuros) o fato é que uma vez a música gravada com o nome da banda incluindo a palavra “jass” pode-se admitir que o desconhecido estilo pudesse ter uma divulgação bem maior nacionalmente, ao invés de ficar restrita àquela área do país.

Por outro lado, nota-se que o que é apresentado nestas gravações dificilmente poderiam ser interpretado como o Jazz como nós o conhecemos.

É digno de nota que testemunhas deste período relatam que a música tocada em New Orleans não era referida por nenhum músico da época como “Jazz”. E talvez por isso, muitos dos seus pioneiros acabaram por se auto intitularem “inventores” do gênero, como foi o caso notório de Jelly Roll Morton, grande compositor e pianista da época.

O início do Jazz

Historiadores concordam que o Jazz nunca teve um pai criador. A base da música, embora reconhecidamente vinda das antigas comunidades de escravos, pode ter tido a sua fonte criadora inspirada na música europeia.

Sabe-se que as canções de trabalho dos escravos e depois as músicas religiosas, vítimas do sincretismo religioso ou algo parecido, foram a via escapatória do sofrimento e da aflição provocada nessas comunidades. Da mesma forma, como as reuniões de danças e ritos africanos formam a base rítmica e melódica do que depois passou a se chamar Jazz. Instrumentos africanos, como o banjo e as miríades de instrumentos de percussão artesanais favoreceram a expressão musical em praça pública, nos momentos de lazer.

Supõe-se que em uma época bem precoce o compositor Louis Moureau Gottschalk, nascido em New Orleans, teria ficado impressionado com as reuniões da Praça do Congo, e a partir daí escrito um trabalho sobre “a dança dos negros”.

Este trabalho e a obra de Gottschalk por seu turno, tiveram uma imensa influência sobre o pianista Scott Joplin, que foi um dos criadores do Ragtime, “rag” no sentido de música esfarrapada ou irregular, música sincopada que precede o Jazz.

Embora o Ragtime não seja Jazz ele ainda é tocado como tal nas bandas de Dixieland. A obra de Joplin foi um passo importante. Foi, posteriormente, com a consolidação da criatividade e trocas de experiência dos primeiros músicos daquele estilo de música que o Jazz começou a se formar. Creditam-se a Buddy Bolden os primeiros fraseados jazzísticos, mas a documentação a este respeito é escassa.

Talvez o que de fato fez o Jazz sair de New Orleans para o resto do país foi o fechamento de Storyville, bairro da cidade que abrigava os prostíbulos e casas noturnas onde o Jazz era tocado. Inicialmente músicos trafegaram pelos barcos a vapor da época, depois migraram para Chicago e New York.

A iniciativa fonográfica iria se mostrar eficiente na divulgação da música no país e depois no resto do mundo. Até o início da Segunda Guerra Mundial tocava-se discos de Jazz inclusive na Alemanha nazista. Na França, o Jazz aconteceu como uma arte natural, e pode-se supor que tenha sido pelo fato singular da música ter nascido em um território previamente francês, como foi a Louisiana.

O resumo deste início pode ser mostrado neste fluxograma de tempo:

Evolução

O Jazz como música sofreu mudanças, algumas radicais, ao longo do tempo. Essencialmente, entretanto, ele continuou amparado no Blues, que começou como expressão do sofrimento e das agruras sofridas pelos negros norte-americanos.

Louis Armstrong foi o seu primeiro e principal inovador, ao modificar a forma como o Blues era tocado. Louis inicializou a figura do solista, depois inovou com a introdução do chamado “scat singing”, que é uma vocalização da música com sílabas desconexas, na realidade uma forma de estender ao vocal o fraseado de um dado instrumento.

Louis Armstrong foi o pai, digamos assim, de todos os trompetistas de Jazz posteriores a ele, inclusive os que passaram a tocar o Jazz moderno. Louis começou tocando corneta, ainda muito jovem, e transpôs a maneira de tocar para o trompete, criando frases do Blues com notas super agudas, com semi entonação de enorme sentimento, as chamadas Blue Notes.

Mas, o Jazz sofreu mudanças, uma delas o Bop, Bebop ou Rebop, durante a década de 1940, quando então o gênero de banda Swing começou a entrar em decadência. O Bebop foi mal recebido pelos músicos do Jazz tradicional, e levou anos para ser reconhecido como uma nova forma de expressar a mesma música.

Em uma fase posterior o Jazz sofisticou-se, tornou-se Moderno, e inclinado à fusão com outros gêneros de música. A expansão do Jazz deu a ele novas fronteiras. A música jazzística passou de um simples gênero musical para UMA FORMA DE EXPRESSÃO MUSICAL, podendo sim ser adaptada ou sincronizada com qualquer outro tipo de música.

Durante grande parte da década de 1960, conjuntos vocais como o Swingle Singers, tocavam e gravavam Bach como Jazz. O mesmo fez Jacques Loussier, em sua série Play Bach. Na mesma época, o conjunto Les Doubles Six de Paris, precursor do Swingle Singers, fez sessões históricas de Bebop com Dizzy Gillespie.

A bossa nova foi incorporada oficialmente ao Jazz lá pelo início da década de 1960, porém a música latina já o havia feito anos antes, e não por coincidência muitos dos grandes músicos contemporâneos vieram de Cuba e de outros países, formando o chamado Jazz Latino.

O Jazz é hoje uma forma de expressão musical consagrada. Podem matá-lo quantas vezes quiserem, que ela irá sobreviver ou transmutar para uma nova forma. Afinal, a música, como tantas outras, é o resultado do extravasamento da alma humana.

Em La La Land o personagem fala que o músico de Jazz compõe quando toca. A referência é feita principalmente ao pianista Thelonious Monk e ao seu fraseado dissonante e excêntrico, mas de rara beleza e sensibilidade. Sim, é possível compor tocando, ao sabor do improviso que se tornou historicamente a principal raiz da música jazzística.

Se alguém me perguntar como entender o Jazz, eu responderia: “Preste atenção no Blues, sinta o que ele te transmite musicalmente, e se depois disso você capturar a mensagem de quem toca, então você já entendeu o que é o Jazz”. [Webinsider]

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Leia também:

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Paulo Roberto Elias é professor e pesquisador em ciências da saúde, Mestre em Ciência (M.Sc.) pelo Departamento de Bioquímica, do Instituto de Química da UFRJ, e Ph.D. em Bioquímica, pela Cardiff University, no Reino Unido.

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