O poder oculto das comunidades virtuais

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Com Tatiana Al-Chueyr Pereira Martins*

As previsões da era da informação sobre as potencialidades das comunidades virtuais ainda não foram atingidas em sua plenitude. O consultor Hermano Cintra afirma que “os conceitos relacionados a comunidades virtuais ainda estão em seus estágios iniciais” [1]. Existe, no entanto, um aspecto que extrapolou as expectativas: a força da internet.

Capaz de colecionar façanhas, dentre elas a de perturbar um gigante adormecido: a televisão. Se este meio de comunicação tradicional começa a ser ameaçado, deve ser um sinal que alterações em pequenos nichos de poder podem se concretizar com a expansão da grande rede.

No artigo “A Rede que Une”, Andrew Shapiro faz uma reflexão sobre as mudanças ocorridas na sociedade com a chegada da internet. Shapiro aponta que “um dos problemas de se viver em um tempo de grandes mudanças é que muitas vezes temos dificuldades de entender exatamente o que está mudando”.

A mesma dificuldade de “entendimento” pode ser observada em outros aspectos da internet. Tim Berners-Lee, um dos responsáveis pela criação da internet, apontou três expectativas pessoais com relação às mudanças provocadas pela da rede mundial de computadores:

(i) Ter à disposição enormes quantidades de informação e conseguir, ao mesmo tempo, produzi-las;
(ii) Trabalhar em equipe de maneira mais eficiente, especialmente superando as barreiras geográficas;
(iii) Analisar o que ocorre no interior da sociedade com a chegada da web.

Tendo-se atingido as duas primeiras expectativas, surge o desafio de compreender os reais efeitos da internet sobre a sociedade. Muitos fatores dificultam tal análise: (i) Existe um nível de exclusão digital elevado em boa parte do planeta; (ii) As comunidades de inteligência coletiva ainda são muito incipientes; (iii) A dimensão da real interferência política da internet é objeto raro de pesquisa; e (iv) A maior parte da população que utiliza tecnologias da informação e de comunicação vêem estes bens como meros itens de consumo.

Pode-se verificar, de acordo com as pesquisas apontadas por Shapiro em seu artigo, que pouco se evolui em intervenções presenciais nas comunidades onde a inclusão digital avançou. Surge, então, uma grande dúvida: a democrática internet tem promovido o indivíduo ou o coletivo?

O Brasil tem chamado a atenção pela imensa quantidade de participantes em comunidades virtuais mundiais. Um dos fenômenos é o Orkut, no qual aproximadamente 70% dos mais de 6 milhões dos inscritos são brasileiros. A intensa participação virtual brasileira também tem se repetido no SourceForge e nas comunidades de software livre.

Em paralelo, a participação ativa brasileira na internet, ferramentas como blogs, wikis e fóruns de discussão têm consolidado o conceito de comunidade virtual, evidenciando alterações na estrutura social brasileira, a ponto de dois importantes analistas políticos, Luis Nassif e Paulo Henrique Amorim, considerarem que a internet teve fator decisivo na última eleição presidencial, no ano de 2006.

Mas, em termos sociais, até que ponto os brasileiros têm utilizado a tecnologia para a melhoria da sociedade e não apenas para usufruto pessoal? A internet tem propiciado aos seus usuários a grande intimidade existente entre habitantes de cidades pequenas, ou tem promovido o anonimato (ou pseudônimo) da vida metropolitana?

Stephen Biggs expressa de modo efetivo este paradoxo [2]: a internet, geralmente vista como uma vila global, tem se mostrado uma verdadeira selva urbana. Oferecendo a promessa de uma existência virtual sem contatos com a vida desconectada – compre de casa, trabalhe de casa, faça terapia de casa – a internet tem “suburbanizado” a existência humana. A grande flexibilidade e liberdade oferecidas pelas relações virtuais têm ocasionado a dispersão das relações pessoais e, o que é pior, da responsabilidade coletiva de cada indivíduo.

Shapiro reflete em seu texto que um dos grandes desafios do mundo virtual é justamente conseguir transformar o poder de aglutinação de comunidades virtuais, de velocidade de troca de informações e de grupos organizados em interferências verdadeiras na sociedade. A evolução, a revolução e a transformação dependem de mudanças estruturais no cotidiano, na práxis social.

Focalizando o contexto brasileiro, constata-se que as comunidades virtuais têm potencializado o contato e a organização de indivíduos em novas estruturas. Comunidades que começaram virtuais – a Comunidade Python Brasil e o Sistema de Inventário CACIC – passam a ter encontros presenciais em eventos como o PyCon Brasil e o Fórum Internacional de Software Livre (FISL). Com o crescimento destas comunidades, surge uma nova dimensão de poder, a qual muitas vezes passa despercebida pelos próprios envolvidos.

Infelizmente, o poder das comunidades virtuais tem sido ignorado pela maioria da população, conforme pode ser observado em situações do nosso cotidiano. De um lado, milhões de brasileiros votam pela rede em programas de TV, como o “Big Brother”. Do outro, campanhas de defesa da Amazônia somam votos que não chegam à casa do milhão.

Embora não seja uma análise qualitativa, os números são discrepantes e temos a mesma quantidade em potencial de votantes – os usuários conectados. Ou seja, se acessa a internet para salvar um rosto bonito do “paredão”, mas não se pode dar mais um clique para participar de uma campanha em prol do maior bioma terrestre do planeta.

Ainda que sem reconhecimento, os movimentos das comunidades virtuais têm se tornado uma prática corriqueira e, aos poucos, as novas estruturas virtuais interagem com o mundo tradicional. O Brasil tem bases sólidas assentadas na direção da interação e integração social. Importante pensarmos em como as comunidades virtuais podem trazer resultados concretos de organização social e da reconfiguração da estrutura de poder vigente.

Apenas tomando-se consciência deste movimento das comunidades virtuais será possível orientá-los para as ações efetivamente coletivas, tornar mais transparente o véu que encobre as relações de poder estabelecidas e reunir o que há de melhor nas comunidades virtuais e tradicionais, em benefício de uma quantidade maior de pessoas. [Webinsider]

* Tatiana Al-Chueyr Pereira Martins é Engenheira de Projetos/Programadora no Centro de Pesquisas Renato Archer

NOTAS:

[1] CINTRA, Hermano José Marques, Gestão do Conhecimento e E-learning na prática, Comunidades Virtuais: Alguns Conceitos e Casos Práticos, Capítulo 25, pág. 207, Elsevier Editora Ltda., Rio de Janeiro, 2003.

[2] BIGGS, Stephen. “Global Village or Urban Jungle: Culture, Self-Construal, and the Internet”. Proceedings of the Media Ecology Association, Volume 1, 2000.

Texto publicado na Revista A Rede, com o título Ação virtual, poder real, em outubro de 2007, nº 30, Momento Editoral Ltda., sob a licença Creative Commons.

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Corinto Meffe (corinto.meffe@planejamento.gov.br) é assessor da presidência do Serpro.

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4 respostas

  1. Corinto,

    falta também nas comunidades virtuais um gestor. Alguém que tivesse a missão de mensurar e divulgar as conquistas dessas comunidades: quantidade de problemas resolvidos através dos chats, novas implementações sugeridas (no caso do CACIC) etc

    Não temos ainda um olhar profissional sobre essas comunidades e sim de quebra-galho. A maioria das pessoas que participam tem uma atividade primária a qual precisam dedicar mais tempo.

    Mas acho que a tendência é esse quadro mudar no futuro.

    [ ]´s

  2. Surge, então, uma grande dúvida: a democrática internet tem promovido o indivíduo ou o coletivo?

    Por que essa obsessão das pessoas com o outro com o maldito próximo? Se todos fossem individualistas extremos não haveria problemas sociais. Basta um raciocínio simples pessoas: do que é feito o coletivo? dos outros? dos próximos? ou de indivíduos?

  3. o poder das comunidades virtuais tem sido ignorado pela maioria da população, conforme pode ser observado em situações do nosso cotidiano. De um lado, milhões de brasileiros votam pela rede em programas de TV, como o ?Big Brother?. Do outro, campanhas de defesa da Amazônia somam votos que não chegam à casa do milhão.

    Assim como o big brother daria muitooo mais audiência do que uma reportagem sobre a amazônia.

    Ou então, como em qualquer jornal, o caderno mais lido, seja o de esportes.

    Acredito que as pessoas vão sempre fechar os olhos para as coisas que não sejam tão interessantes quanto quem vai pro paredão ou o novo reforço do coringão. O mundo pode evoluir, mas as pessoas não querem mudar.

    Acredito que o poder oculto das comunidades virtuais, infelizmente vai continuar oculto.

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