Salve-se quem puder!

Share on facebook
Share on twitter
Share on linkedin
Share on whatsapp
Share on telegram
Share on pocket

Como colecionador antigo de discos, eu posso hoje afirmar com bastante segurança o seguinte: é preciso estar no lugar certo e na hora certa, se você quiser ser oferecido algum item importante da sua coleção.

E foi exatamente assim quando, anos atrás, eu estava olhando as prateleiras da falecida Gramophone, ali do centro da cidade, e me deparei com o relançamento do disco, hoje antológico, gravado por Edison Machado para a gravadora CBS em 1964, com o título “É Samba Novo”.

image001

 

A palavra “Samba” no título do disco poderia facilmente enganar os desavisados. Quem acompanhou a trajetória do baterista e do seu grupo, em particular a do saxofonista/flautista J. T. Meirelles, teria eventualmente se dado conta da influência marcante de estilo sofrida pelos artistas, fazendo uma fusão competente com a música jazzística moderna, vinda das hordas de Art Blakey e dos Jazz Messengers, ou ainda de Horace Silver, que, por sua vez, influenciou fortemente estes últimos. Esta influência é facilmente notada em gravações de Meirelles, como o igualmente antológico “O Som”, para a Philips, em 1964.

O que se mostrou preocupante, à época do projeto de relançamento do disco original de Edison Machado, foi o selo na embalagem, avisando ao público tratar-se de uma edição limitada:

image003

 

Se o disco é tão importante assim (e, de fato, é mesmo), porque então fazer uma tiragem limitada?

 Insistência histórica no baixo nível técnico

Se tem uma coisa que o colecionador antigo de discos sabe bem é que durante a década de 1960, quando obras deste tipo, com música instrumental moderna, eram corajosamente lançadas à sorte no mercado fonográfico, raramente (sem trocadilho) o eram com a qualidade compatível com a fonte do estúdio. Basta ver hoje a contracapa do Lp lançado na época:

image005

O texto da contracapa mostra “CBS Monaural – 37337” logo em cima à direita. Em baixo, o atestado de garantia, que hoje só pode nos fazer rir às bandeiras despregadas, dizendo: “Se V.S. possui um aparelho de som estereofônico, também este disco apresentará um som de alta fidelidade perfeita”.

Mas, o relançamento em CD nos mostra coisa completamente diferente, já que vários dos principais estúdios da época já tinham se convertido para gravar com som estereofônico. Mesmo que com o uso de equipamentos questionáveis, como limitadores e compressores, todas as reedições de discos de bossa nova deste período acabaram sendo relançados em estéreo. Existem exceções, como por exemplo, na gravação da RCA “O LP – Os Cobras”, que consiste mais ou menos nos mesmos músicos. E, neste caso, é possível que as fitas originais tenham sido perdidas.

A insistência da indústria fonográfica nesta época de lançar Lps mono, ao invés de mixar as fitas gravadas para dois canais, é constrangedora. E se não bastasse isso, era frequente a prensagem de discos ser feita com sobras de vinil (conhecido na indústria como “scrap”), o que torna a superfície barulhenta logo na primeira tocada.

E se hoje se tem acesso ao que existe de mais moderno em recursos para a restauração documental deste período, continua sendo difícil de compreender porque os restauradores ainda recorrem a compressores ou limitadores.

Fitas magnéticas da época, rodando a 15 polegadas por segundo, podiam facilmente atingir 60 dB de relação sinal ruído. A base de sustento das fitas melhorou consideravelmente da década de 1950 para a de 1960, aumentando a durabilidade e principalmente diminuindo o atrito com as cabeças.

Eu pessoalmente seria partidário de se manter o sibilar das fitas (conhecido como “hiss”) se isto implicasse em qualquer tipo de adulteração do original. Mas, jamais e em tempo algum, aplicar um limitador, que consegue cortar os picos de transientes de amplitude mais elevada, ou, pior ainda, aplicar um compressor, que achata a dinâmica irremediavelmente.

Se considerarmos que vários estúdios da década de 1950 e 1960 conseguiam gravar discos com uma distorção bastante audível, não irá ser com limitadores ou compressores que este material irá melhorar.

 A choradeira dos herdeiros

Uma matéria recente do jornal O Globo relata que um selo inglês está reeditando discos brasileiros raros, com a alegação de que a idade dessas gravações (cerca de 50 anos) acabou com o argumento de que as mesmas são protegidas por direitos autorais.

A matéria é confusa, porque se alega, em contrapartida, que no Brasil são necessários não 50, mas 70 anos, até que esses direitos caduquem. E como a maioria dos artistas não está viva, são os herdeiros quem reclamam da iniciativa da gravadora inglesa.

Ironicamente, a própria matéria do jornal cita que, entre os reclamantes, alguns já encomendaram os seus exemplares, pois afinal trata-se de discos raros!

Os reclamantes se esquecem de que os direitos fonográficos pertencem aos acervos das gravadoras e não dos artistas, a não ser que tivesse havido um contrato estabelecido entre as partes, na época em que as gravações foram feitas. Foi o caso, por exemplo, de Ray Charles, que saiu da Atlantic Records para a ABC-Paramount, com o direito de se manter proprietário as fitas matrizes.

Note o leitor que, no fim das contas, se trata de um problema muito mais de ordem financeira do que a necessidade de se preservar fonogramas. Na prática, isto significa que reedições supostamente “ilegais” acabam se revertendo em benefício para o colecionador. Parece até o “Napster” da indústria fonográfica.

Eu mesmo já toquei neste assunto, anos atrás, sobre a Preservação de Fonogramas, de discos de bossa nova. De lá para cá, nada de fato mudou, exceto que nem no Japão se vai mais achar discos importantes do período.

A disponibilidade de material fonográfico em formato de arquivos continua sendo um verdadeiro tabu para selos daqui e de fora. O que significa dizer que quando uma determinada prensagem de um disco acaba ele automaticamente se torna uma raridade, que somente estará disponível por conta de estoques antigos, ou ainda a preço de ouro, vendido em leilões de algum site.

Eu bem que gostaria de ver este cenário mudar. Acho improducente as brigas de herança, enquanto que a ausência constante de reedições acaba por punir os ouvintes recentes, que são privados de educação formal e/ou informações sobre a herança não financeira, mas cultural e histórica. [Webinsider]

…………………………

Conheça Home Theater Básico, o livro de Paulo Roberto Elias. Disponível para Kindle na Amazon.

…………………………

Leia também:

…………………………

Conheça os cursos patrocinadores do Webinsider

Paulo Roberto Elias é professor e pesquisador em ciências da saúde, Mestre em Ciência (M.Sc.) pelo Departamento de Bioquímica, do Instituto de Química da UFRJ, e Ph.D. em Bioquímica, pela Cardiff University, no Reino Unido.

Share on facebook
Share on twitter
Share on linkedin
Share on whatsapp
Share on telegram
Share on pocket

Mais lidas

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *