Sexo, mentiras e videotape

Share on facebook
Share on twitter
Share on linkedin
Share on whatsapp
Share on telegram
Share on pocket

E não é que o cultuado diretor Steven Sodenbergh, ganhador em Cannes com o filme Sexo, Mentiras e Videotape, convidou a ex-atriz de cinema pornô Sasha Grey para fazer o filme The Girlfriend Experience, sobre o envolvimento de clientes com garotas de programa especializadas em acompanhamento?

A iniciativa recebeu, pelo que se sabe, críticas com sentimentos diversos, algumas achando o convite desnecessário, mesmo o filme sendo um trabalho independente e experimental.

E eu, que vivo constantemente em outro planeta, não tinha a menor ideia de quem era, afinal de contas, Sasha Grey, até alguns dias atrás, quando assisti a algumas apresentações do seriado de TV “Entourage”. Nele, Sasha Grey namora o ator celebridade Vince Chase, este já parcialmente dominado pelo vício da cocaína.

O namoro é criticado pelos que o cercam, já que Sasha faz parte da indústria de filmes pornográficos, enquanto que ele Vince está no centro do cinema comercial convencional de Hollywood, e poderia ter a sua reputação manchada ou ser mal visto pelos fãs.

E eu só me dei conta de que Sasha Grey era o nome de uma pessoa e não de um personagem, quando ele apareceu como tal nos créditos. A partir daí, bastou uma pesquisa na internet para tomar conhecimento do invejável currículo de Miss Grey, que compreende mais de 200 filmes produzidos para a pornografia, desde que ela tinha 18 anos de idade. E depois, lendo o trabalho do editor Dave Gardetta para a Los Angeles Magazine, publicado em 2006, se acha uma análise bastante elaborada dos aspectos sociais e financeiros deste tipo de indústria, e aí percebo que Sasha Grey aspirou um dia ser a próxima versão feminina do cineasta da Nouvelle Vague Jean Luc Godard.

O texto de Gardetta mostra evidências da contradição que existe no espírito de Sasha, que oscila entre a sua participação convicta nos filmes pornográficos “hard-core” (“barra pesada”) e as suas aspirações intelectuais para a realização algum dia de filmes de vanguarda.

E como me parece que o seriado Entourage se propõe a uma espécie de exposé do mundo hollywoodiano, a presença de Sasha Grey como ela própria não me causa agora nenhum espanto. Mas, o que é de certa forma preocupante é o fato de Sasha defender a indústria na qual ela militou desde adolescente. Como aponta Gardetta, a exposição prévia de Sasha nos filmes se dá com requintes sado masoquistas, sevícias e degradações sexuais, com as quais a atriz diz que se identifica e que ela acha que são coisas perfeitamente naturais da sexualidade humana. Afinal, segundo Sasha, os filmes são feitos para estimular a masturbação de quem está assistindo, o que é verdade.

Este tipo de afirmação me lembra de momentos que eu já testemunhei na minha vida ocasionalmente. Lá em Cardiff, por exemplo, eu tinha hábito de, de vez em quando, ir almoçar no Students’ Union, uma espécie de diretório acadêmico da universidade local, que abriga desde escritórios de apoio até lojas e restaurantes diversos, dedicados à comunidade ao qual ele serve.

Nas escadas da frente do prédio não era incomum a gente passar por grupos de estudantes fazendo apologia do chamado “safe sex” (ou “sexo seguro”, se quiserem), com distribuição de folhetos e preservativos. Na época, a preocupação maior era a disseminação da AIDS no meio estudantil. E explico: toda sexta-feira ao final do expediente, estudantes na sua maioria graduados, se dirigiam ao Students’s Union para tomar um chope, flertar com alguém e sair de lá para dormir na casa de um dos dois. O chope, servido em pints (cerca de pouco mais de meio litro), servia para o chamado “enterro do superego”, quer dizer, as censuras sociais são quebradas e a coragem para propor um encontro íntimo é automaticamente liberada. De lá para cá, a infecção pelo HIV é apenas parte deste processo, já que outros tipos de vírus capazes de provocar doenças sexualmente transmissíveis incuráveis foram descobertos.

Nos meus últimos anos de trabalho, convivi com colegas que militam em Patologia ou em Clínica Médica, e entre aqueles que o fazem na área pediátrica, a constatação de incidência deste tipo de doença em crianças ou adolescentes é um fato consumado. E não se trata apenas da população de baixa renda, o que evidencia a ignorância ou tabu que incidem também em outras classes.

 As falhas do sistema educacional

A raiz do problema, aqui ou em qualquer outro país, é, sem dúvida alguma, a falta de educação de base nas escolas do ensino fundamental.

Se o leitor quiser saber como eu me sinto a este respeito, eu sugiro assistir ao último filme do grupo Monty Phyton, chamado “O Sentido Da Vida” (“The Meaning Of Life”). Nele, John Cleese parodia um professor de escola de ensino médio dando uma aula sobre sexo. O tema é tratado de forma casual e burocrática, como se fosse qualquer outro assunto. A displicência deste tratamento é exatamente o oposto do que educadores deveriam estar fazendo na escola. Ali se mostra também um outro aspecto do mesmo problema, que é o do público-alvo ser constituído apenas de estudantes do sexo masculino, quando o correto seria fazê-lo para plateias de ambos os sexos.

image001

 

A falta de orientação sexual na escola de base é o que, em última análise, permite que as Sasha Grey da vida apareçam no mercado da pornografia, achando que sexo anal pode ser praticado sem receio algum. Segundo o trabalho escrito por Dave Gardetta, Miss Grey acha que é suficiente fazer lavagem intestinal antes da relação e se livrar dos gases (e ela vai ao estúdio equipada para tal) e está tudo resolvido!

Para que um trabalho correto de orientação fosse feito, seria preciso a presença de estudiosos e especialistas, capazes de entender tanto o lado endócrino como o psicológico dos adolescentes em fase de desenvolvimento. Em tese, um trabalho desta natureza bem feito deveria levar os jovens a praticar o sexo de forma segura e sem culpa ou preconceitos, mas de forma responsável.

O ego é também componente importante da atividade sexual, e igualmente frágil, na ausência de uma orientação apropriada. Eu mesmo, que não sou desta área, em três ocasiões distintas ouvi de mulheres com relações falidas, a afirmação de que eram todas “muito boas de cama”. Em uma dessas ocasiões, a moça me diz que não entendia porque o então namorado saiu escondido para transar com outra, já que ela era mais do suficiente para satisfazê-lo. Creiam que é muito difícil, para quem está de fora, tentar desmistificar esta noção de perfeição na cama e/ou esclarecer que o problema de traição é muitíssimo mais abrangente.

Na cabeça dessas mulheres não passa nem de perto noções sobre a integralidade das relações sexuais e afetivas e se elas podem ou não serem separadas umas das outras. Não se fala ou não se contempla fatores como confiança, amizade ou cumplicidade, que são componentes essenciais em uma relação interpessoal sadia e estável.

 As sequelas ficam!

Segundo Gardetta, a indústria pornográfica que se concentra na região do Vale de São Fernando em Los Angeles envolve o enriquecimento milionário em estúdios de fundo de quintal, com a ajuda de milhares de mulheres sem futuro e aspirantes a ganhar algum, e se submetendo a qualquer tipo de humilhação ou violência, na frente das câmeras.

Não há, notem bem, nenhum remorso explícito neste tipo de enriquecimento, principalmente no que se refere à distribuição desenfreada de uma atividade que coloca as mulheres como pessoas submissas da vontade masculina e sem dignidade alguma. O movimento feminista da década de 1960 despertou para esta degradação constrangedora da mulher na relação sexual e a partir da década de 1970 fizeram campanhas pelos direitos civis femininos.

O resultado teria sido o do banimento da pornografia como veiculador deste tipo de noção machista, mas a força do movimento esbarrou na primeira emenda da constituição norte-americana e, acreditem se quiser, na proteção da liberdade de expressão, defendida nos ideais daquele país, incluindo hoje em dia a internet. É, na prática, o uso de uma noção correta para um fim escuso!

Existem fatores que contribuem para o isolamento social do indivíduo e a internet tem componentes que virtualizam e tornam muitas vezes fictícias e surrealistas as relações interpessoais, o que o prejudica como um todo.

Mas é na área clínica que os efeitos do sexo sem controle ou orientação têm o seu maior efeito. Vidas são destruídas, e doenças crônicas resultam da promiscuidade sem medidas protetivas, sem que quase nada se possa fazer a respeito, depois do fato consumado.

As pesquisas para tentar curar ou contornar a virulência dos agentes patológicos causadores de deficiências de defesa ou alguns tipos de câncer têm dado resultados desanimadores. Por isso, manda o bom senso que a profilaxia deste tipo de enfermidade se coloque na ordem do dia e tenha prevalência preventiva, até que as perspectivas de pesquisa e cura sejam resolvidas.

Salvo melhor juízo, creio que, se depender de Sasha Grey ou da indústria da qual ela é apologista, este objetivo não vai ser alcançado nunca. Pessoalmente, faço votos que Sasha Grey se torne mesmo o próximo Godard. Todo ser humano tem direito de evoluir e se livrar da prisão da sua própria ignorância. [Webinsider]

…………………………

Conheça Home Theater Básico, o livro de Paulo Roberto Elias. Disponível para Kindle na Amazon.

…………………………

Leia também:

…………………………

Conheça os cursos patrocinadores do Webinsider

Paulo Roberto Elias é professor e pesquisador em ciências da saúde, Mestre em Ciência (M.Sc.) pelo Departamento de Bioquímica, do Instituto de Química da UFRJ, e Ph.D. em Bioquímica, pela Cardiff University, no Reino Unido.

Share on facebook
Share on twitter
Share on linkedin
Share on whatsapp
Share on telegram
Share on pocket

Mais lidas

5 respostas

  1. Olha, Rubens, Católico ou não, eu fui educador de pessoas na faixa de 18 a vinte e poucos anos, faixa etária na qual se decide se as pessoas se casam ou se atiram na carreira, e eu tenho cá as minhas observações sobre isso.

    Claro que eu não levo a mal os seus comentários, mas não posso compactuar de jeito algum com o aspecto “educativo” de um filme pornográfico, até porque a submissão e a degradação da mulher são constrangedoras. Imagine você eu exibir um filme desses para um filho meu e dizer a ele que é assim que se trata uma mulher na cama!

    Como também não posso, Católico ou não, ficar passivo diante da ameaça de doenças infecto-contagiosas sem cura e dizer que está tudo bem fazer sexo sem proteção. Afinal, eu passei a maior parte da minha vida dando aula ou orientando alunos da área médica. Uma certa feita, eu ouvi de um colega médico furioso o relato sobre a gravidez de uma parente, cujo namorado não teria penetrado o pênis totalmente. E ele, que recebeu a porrada nos ouvidos, havia orientado a moça sobre isso, e não adiantou nada.

    Então, o que se nota é que a educação de base tem que ser assistida de perto, caso contrário os desajustes e problemas sociais se multiplicam. E isto, meu caro, não tem nada a haver com sexo, mas com a forma como as pessoas se educam e se comportam socialmente. E a grande prova disso são os casais que procriam sem ter condições financeiras, largam os filhos na rua, e que depois crescem para assaltar ou matar impunemente, na violência urbana que cresce continuamente nos grandes centros, inchados de pessoas deste tippo.

  2. Toda vez que leio vossos textos (que sao excelentes), reparo que basta que voce comece a falar em sexo para notar imediatamente a fortissima influencia de uma educação católica em sua vida… Porque sai sempre uma artilharia velada contra o sexo casual, o sexo pelo puro prazer de fazer sexo (sem envolvimentos) e, principalmente, uma pesada artilharia conservadorississima contra quem “nao se previne”, ou nao usa camisinha. Ate para comentar um filme de horror (The Exorcist) percebe-se isso nos seus textos…

    Seja como for, quero apenas comentar que é preciso entender que filme de sexo explicito onde os atores usam camisinha é o maior corta-tesão… Corta metade do barato (ou mais). As pessoas que insistem em metralhar na mesma tecla contra esta obviedade, simplesmente sao incapazes de entender essa caracteristica do mercado e do público que curte filmes pornograficos…

    No fim, acaba ficando uma coisa de quem dispara palpites sobre uma coisa da qual não gosta, não curte (quem gosta de filme pornô, entende de imediato o quão ruim é pornô com camisinha).

    Ainda bem que a industria pornografica entende melhor seu publico que os palpiteiros dos feitiches alheios. E, principalmente, ainda bem que a Liberdade de Expressao é levada a serio nos EUA (alias, o unico país do planeta onde ela é observada a serio, desde que nao atente contra a Segurança Nacional, nem contra a vida de servidores do Estado).

    So assim para impedir que minorias (como as feministas) imponham sua vontade contra o desejo da maioria… Era so o que faltava, proibirem a industria pornografica de produzir… 🙂

    (nao leve a mal meu texto, mas é que realmente é preciso gostar de filme pornografico para entende-lo… E isso nao significa que o apreciador de pornô vá tratar suas mulheres exatamente das formas mostradas nos filmes).

  3. Olá, João Carlos,

    Prazer em ver que você ainda acompanha a coluna.

    Sim, eu assisti Boogie Nights no extinto Cinema Palácio anos atrás, e ainda tenho o DVD importado (não sei se saiu por aqui).

    O filme de fato passa pelo problema das drogas de forma pesada e o tom do roteiro é um tanto ou quanto deprimente. É possível ter sido o primeiro e único filme a atacar a indústria pornô de forma uma pouco mais contundente, talvez não tanto quanto ela merece.

  4. Paulo
    Recomendo vc assistir o ótimo filme “Boogie Nights”, o qual dá uma ótima ideia do que foi a chamada “Golden age of porn”

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *