Sobre Millôr e a (falta de) ética na publicidade

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Paulo Francis já escreveu que quem não é jornalista e fica escrevendo para a imprensa não bate bem da cabeça. Mas pela primeira vez vou cometer essa insanidade e acho que por um motivo justo.

Na edição de 21 de agosto, o Estado de S.Paulo trouxe no caderno Aliás uma
excelente entrevista com Millôr Fernandes. Lá estavam seu raciocínio rápido, seu imenso talento e sua justa indignação com tudo o que está acontecendo nos esgotos de Brasília.

Mas, eis que perguntado sobre o envolvimento do publicitário Marcos Valério nos esquemas de corrupção que assolam o Planalto, o indignado Millôr fuzilou: “Não é por acaso. O jornalismo é uma profissão cujo objetivo filosófico é trazer à tona coisas que as pessoas não sabem. Tem um compromisso com a verdade. Agora, qual o objetivo filosófico da publicidade? A mentira. É mentir sobre o sabonete, a maionese, a margarina, o político”.

E mais para a frente, conclui: “Não tenho respeito pela publicidade”. Doeu. Ainda mais vindo de um homem da integridade do Millôr. Mas considero tais colocações ofensivas e explico porque.

Primeiro, como em toda profissão, há profissionais e profissionais. O fato de que colegas, por mais holofotes que os cerquem, tenham faltado com a ética não é motivo para generalizações.

Sou diretor de criação de uma das maiores, mais sérias, respeitadas e as mais premiadas agências do país, a AlmapBBDO. Que, entre inúmeras qualidades, se dá o direito de não trabalhar com nenhuma conta de governo, nem de fazer campanha para nenhum candidato.

Claro que a publicidade tem defeitos – citaria um dos mais graves o excesso de outdoors e backlights que infestam as ruas das grandes cidades.

Mas entendo que, ao posicionar o jornalismo como paladino da verdade e a publicidade como promotora da mentira, Millôr está sendo maniqueísta. Primeiro, quem possibilita ao jornalismo ser independente, imparcial, apurador, de não depender de verbas públicas nem de favores de quem quer que seja para praticar sua independência é justamente a publicidade.

Ou sejamos mais diretos: a principal fonte pagadora do salário do jornalista é a publicidade, que sustenta o jornal, a revista, a televisão, o rádio.

Sem a publicidade, não haveria imprensa livre, como bem apregoa Roberto Civita, dono da revista que paga Millôr por publicar seus brilhantes artigos. Portanto, tenha sim, Millôr, respeito pela publicidade.

Sobre qual o objetivo filosófico da publicidade, é muito simples: a publicidade existe para anunciar, promover e vender os produtos que anuncia. Filosoficamente, funciona na mesma esfera do feirante que anuncia tomates maduros e do balconista da padaria que anuncia as qualidades da sua empadinha.

E isso pode ser perfeitamente feito sem mentir, dignamente, como atesta o trabalho de nossa agência. Não somos artistas. Somos, de fato e com muito orgulho, vendedores de sabonetes e margarinas e, na minha opinião, não deveríamos ser de políticos.

Ah, sim, também somos vendedores de livros. A Almap tem o orgulho de ter em sua carteira de clientes a Companhia das Letras e de já ter anunciado autores como Paul Auster, José Saramago, Italo Calvino, Rubem Fonseca, Ruy Castro e, assim, ajudá–los a promover seus livros.

Não sejamos tão simplistas. Como não me orgulho da atitude de certos colegas, Millôr certamente deve questionar seus pares que trabalham em órgãos de imprensa controlados por políticos poderosos, que manipulam a informação de acordo com suas conveniências, contribuindo assim para a perpetuação de seus patrões no poder.

Pergunte a um político do que ele prefere ser proprietário: de uma agência de publicidade ou de um jornal?

Ousaria dizer que o jornalismo foi muito mais responsável, por exemplo, em criar a imagem de Lula do que a publicidade. Como já havia feito com Collor e FHC. Nesse raciocínio, ainda, imagino o desprezo que Millôr deve sentir pelos milhares de colegas jornalistas que trabalham em assessorias de imprensa, que recebem um justo salário para, com seu talento, promover pessoas e empresas.

Mas voltemos à entrevista. “Os caras ficam aí se gabando de que sabem fazer slogans e passam anos para criar coisas como Coca–Cola é isso aí. De quantos slogans precisam? Faço dez agora”.

Péra aí. Mas então eu começo a entender: parece que Millôr é contra a publicidade ruim, banal, que infelizmente é maioria. Ou talvez seja contra os publicitários “ficarem se gabando”. Convenhamos: de fato, muito espaço é inutilmente gasto para a autopromoção de publicitários. Ocupamos páginas de Caras demais e Exame de menos.

Mas então volto à minha agência: apesar de ser de longe a mais premiada do país, é provável que Millôr nem soubesse da nossa existência. Nem nunca deve ter ouvido meu nome. Nem dos sócios da agência. Ótimo, estamos no caminho certo.

Enfim, gostaria de acreditar que tal generalização tenha sido mais fruto de uma indignação atropelada do que de um raciocínio coerente. Não sou defensor de minha classe nem tenho procuração para isso. Só resolvi escrever porque, ao terminar de ler a entrevista, olhei para meus filhos Pedro e Maria brincando na sala, e pensei no que um dia eles pudessem pensar de mim. [Webinsider]

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<strong>Cássio Zanatta</strong> (zanatta@almapbbdo.com.br) é diretor de criação da <strong><a href="http://www.almapbbdo.com.br" rel="externo">AlmapBBDO</a></strong>.

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13 respostas

  1. O que vi de mais interessante em tudo isso foi a infeliz verdade de que o jornalismo influência e manipula mais que publicidade, e mais por escolha do que por capacidade. Também não tenho intenção nenhuma de defender o marketing da publicidade, mesmo crendo que todos devam vender o seu peixe, por que não? Mas vi muito mais comunicação social, ideias inovadoras e mensagens conscientizadoras em publicidade do que em qualquer outra coisa. Eu jamais faria publicidade à cerca de um produto que realmente considero como ruim, isso seria estupidez e perda de credibilidade, eis aí a maior falha de marketeiro. Se alguém é publicitário, esse, deveria prezar mais o nome do que o bolso, afinal propaganda é a alma do negócio. Quanto à Milôr, eu jamais teria a audácia de criticar, prefiro concordar no que diz respeito a ser uma indignação atropelada ao invés de raciocínio lógico.

  2. O mal do ser humano é olhar apenas para o próprio umbigo. Tenho certeza que quando Millor criticou a falta de ética na publicidade foi porque ele, assim como eu e outras milhares de pessoas estao cansadas de verem anúncios mirabolantes de produtos e serviços que mostram coisas absurdas e surrealistas. Para os idiotas e burros, uma fuga da realidade, um promessa. eles vão comrpar a promessa. Para os que conseguem vem um pouco além, um insulto, um atrevimento á nossa inteligência.

  3. Queria deixar só um comentário singelo perto de tanta coisa inteligente, criticando ou apoiando o “Cara”. Isso ae galera. junta todo mundo pra tentar mudar a cabeça de todo mundo.

    Bom dia todos !

  4. Em parte, concordo com o Millôr: é necessário um pouco mais de ética. Mas não só na publicidade, em todas as áreas. E quanto aos médicos que fazem uma má suturação? e quanto ao engenheiro que não faz um bom projeto e, literalmente, a casa cai?
    A minha opnião é que ele está sendo preconceituoso. Publicidade não é apenas fazer slagans e enganar o consumidor. Até porque o consumidor é esperto, só se engana quem se deixa enganar. E não tem como mentir. A coisa não funciona assim. É claro que existem os profissionais que só pensam em ganhar dinheiro, nem que para conseguir isso tenham que anunciar que um sabonete com péssimo odor tem aroma de rosas. E tem os que só pensam em ganhar prêmios. Como em toda profissão, a publicidade também tem os anti-éticos. Mas isso não é razão para generalizações. Eu tenho meu código de ética, assim como todo mundo. E não pretendo fazer de mim uma pessima profissional. Não pretendo mentir para ninguém apenas para ganhar dinheiro. Se for pra ser conhecida, quero que seja porque fiz um bom trabalho. E ainda assim, não vou ficar me gabando, como o Millôr disse que os publicitários fazem. Mas deixo o meu recado: não ofenda quem ajuda a manter sua profissão. Mais respeito com as pessoas, independente do que fazem para sobreviver, se quiser também ter o respeito delas.
    Sou uma futura publicitária, e com MUITO orgulho. Amo o que faço, e não vou deixar que comentários como esses mudem isso.

  5. penso que isso nao passa de uma infantilidade profissional,ja ouvi dzer ,que o primeiro passo pra o barruce e pensar que vc e mais perto,acho que esse cara esta nesse caminho,acorda e deixa d quer aparecer mais pela tv,que e o que muitos jornalistas so sabem fazer..mesm a gaharem mal..

  6. O escritor Millôr Fernandes, está usando seu direito constitucional de liberdade de expressão, como escritor e cidadão. Mas, por quatro anos que tenho vivido na faculdade e conhecendo mais a fundo a profissão, eu não vou ficar calado. A publicidade só é mentira quando o espectador quiser ouvir mentira. Se algum brasileiro sonha com uma geladeira de Skol, qual problema a nisso? é um sonho, é algo particular da pessoa e deve ser respeitado. E nós publicitários fazemos isso se evidenciar, pois o que é a verdade? A evidência de um fato. Caro, Millôr Fernandes, leio seus artigos, os considero interessante, mas respeite a minha profissão. Eu não sou comprado por milhões de reais, eu tenho ética. Eu só quero o que é meu de direito. Se eu tenho que receber 50 mil reais de comissão, eu vou receber e não vai ser você que vai sujar a reputação de uma área que enobrece a de Jornalismo e desenvolve o nosso país através da tecnologia também. Coisa que Jornalista mau sabe, editor de texto para eles é a salvação do Universo.

  7. Eu estava no google pesquisando algo para meu trabalho da disciplina de ETICA E FILOSOFIA EM PUBLICIDADE E PROPAGANDA, e, esse texto me caiu como uma luva!
    Obrigada Zanatta! O debate na aula vai ser interessante, ja que estamos focados no momento no estudo do codigo de etica da publicidade, como também em questões filosoficas.

  8. Não pretendo insinuar que Millôr seja tão vaidoso quanto parece, nem tão precipitado quanto demonstrou. Contudo, deixo clara minha vigilância epistêmica sobre seus artigos e suas declarações. Confesso, sem nenhum receio, que conforme bem esclarecido por seu colega Stephen Kanitz, em sua coluna – Ponto de vista – de 03/10/2007, sou um dos desconfiados de Millôr Fernandes quanto às influências que ele traz e suas tendências. Ou seria Millôr o primeiro escritor a não dispor deste veneno natural? Brilhante mesmo é o que declara Kanitz:achar que tudo o que ouvimos é verdadeiro é viver ingenuamente, com sérias consequências para nossa vida profissional. Portanto, achar que a Publicidade tem como objetivo filosófico a mentira e que ela não é digna de respeito, é o mesmo que acreditar que nós não somos nós mesmos apenas porque um divulgado escritor o disse; é o mesmo que questionar os princípios da lógica, afinal é matemático que a publicidade tem sido uma contribuinte da evolução da sociedade humana.Contribui inclusive para auxiliar o Srº Millôr a melhor comprar e vender; aliás, é mesmo involuntário verificar como o Fernandes tenta, voluntária ou involuntariamente, vender-se e o quanto recorre, continuamente, à ferramentas publicitárias tão intrínsecas em seus artigos.Resta perguntar-lhe apenas se ele costuma consultar o CÓDIGO BRASILEIRO DE AUTO-REGULAMENTAÇÃO PUBLICITÁRIA, antes de o fazer.

  9. A forma na qual Millôr se referiu à Publicidade foi errônea e generalizada, e quanto ao Jornalismo foi um tanto ignorante, afinal creio que o Jornalismo atual passa somente o que as pessoas querem ver, e não o que está acontecendo.
    Sou estudante de Publicidade, mas escolhi esta área justamente porque eu não sou bonzinho, pois se fosse santo eu seria canonizado pelo Papa, o que ocorre é que a Publicidade encontra uma forma maniqueísta de manipulação da sociedade, nós publicitários seduzimos e induzimos as pessoas a consumirem o que elas não precisam, e gastarem o que não têm.
    Mas existe o livre-arbítrio, pois a sociedade consome o que quiser, mas o que as pessoas querem, somos nós que oferecemos, diversos produtos para pessoas diferentes, mas se observar tudo o que as pessoas querem por mais originais que sejam, somos nós que fizemos com o que desejassem desta forma. Creio que o argumento usado por você não limpa a sujeira que é a Publicidade, pois mesmo propagandas honestas seduz de forma maquiavélica.

  10. Boa Noite,

    Bem, eu não li e nem vi a entrevista de Millôr mas, os trechos entre aspas lidos acima já foram suficiente para que eu manifeste a minha indignação tal qual é a sua meu caro Zanatta.
    Me formei ano passado e já tenho me deparado com pessoas que compartilham do pensamento do Millôr..o que essas pessoas não sabem…é a essência da PUBLICIDADE…toda a criatividade que se passa por trás das câmeras…ah se ele soubessem…

  11. Eu concordo com seu artigo. Millor e um genio e deu uma entrevista cujo pensamento principal e ofensivo e preconceituoso. Nao da mais para em tempos de globalizacao, generalizarmos nada, nada mesmo.
    Todos os dias vemos noticias sobre medicos, advogados, engenheiros que sao canalhas, que envergonham a classe. Infelizmente, num mundo de imagens, de noticias falsas, de celebridades, a publicidade e o marketing hoje estao em muito mais destaque e evidencia do que ate mesmo o que eles se propoe a vender, anunciar ou informar e muito mais do que no passado. Eu sinceramente acredito que por isso, nos, publicitarios aparecemos mais do que antes e consequentemente no meio dos bons exemplos, aparecem os ruins tambem, mas sao poucos e com denuncias, investigacoes e prisoes, vai-se tentando melhorar o pais, melhorar a classe… eu espero.. mesmo de longe.
    abracos!

  12. Queria acentuar que estes publicitários corruptos são os mesmos que pagam fortunas a jornalistas para conseguir uma boa imagem de um produto, quem são os mais corruptos por essa visão.
    Opondo-se a isso, o publicitário é o único profissional que intervem perante o fabricante (ou prestador de serviço)em favor do consumidor, para que esse possa gozar de um produto de boa qualidade e de preço justo, aquilo que é assinado por uma agência faz parte da imagem dela tanto quanto o produto faz da imagem da empresa.
    Comentário infeliz esse do Millôr Fernandes.

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