Vídeos em Laserdisc que nunca viram a luz do dia em outras mídias

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Em um passado recente este espaço abrigou um texto sobre a presença e a importância dos videodiscos, na evolução da mídia de vídeo e das primeiras instalações do que se convencionou chamar de “Home Theater”, ou o cinema em casa.

É relativamente fácil, para quem viveu esta época, aquilatar esta importância e dar hoje crédito à participação do videodisco na evolução da qualidade de imagem e som no ambiente doméstico. Pouca gente tomou conhecimento, mesmo nesta época, que videodiscos foram usados profissionalmente por emissoras de televisão na América e possivelmente Europa e Japão.

E aqui no Rio de Janeiro, videodiscos com programas de concertos de música erudita foram sistematicamente usados pelo programa noturno de música clássica da Rádio JB-FM Estéreo, programa este que, aliás, tinha uma significativa audiência. A emissora falava em “som com raio laser” na propaganda, mas a maioria dos ouvintes ficava a ver navios, porque o videodisco nunca foi fabricado neste país e nunca alcançou o mercado de massa, mesmo em outros países.

Como todo pioneirismo tem um preço, o videodisco obrigou usuários a trocar de aparelho reprodutor várias vezes: a primeira, quando passou a usar o formato de redução de ruído CX; a segunda, quando começou a reproduzir áudio digital PCM; e a terceira, quando introduziu o Dolby Digital como trilha sonora inédita em mídia doméstica.

O videodisco também impulsionou a tecnologia de transcrição de filme para vídeo, em fins de 1980 e início de 1990. Telecines digitais começaram a ser usados e o principal deles era capaz de transcrever negativos em 65 mm: o Ultrascan 70.

Infelizmente, a natureza analógica da imagem de vídeo nunca teve a mesma sorte do que a do áudio, que passou a digital pouco depois de 1983. A imagem dos videodiscos melhorou significativamente, particularmente nos do formato CAV, mas continuaram a sofrer de excesso de ruídos e resolução baixa: cerca de 420 linhas em NTSC e 440 linhas em PAL, e olhe lá.

 Discrepância entre áudio e vídeo

Quando os primeiros videodiscos com trilha sonora PCM estéreo começaram a ser vendidos, o contraste de qualidade entre vídeo e áudio se tornou inevitável. E mesmo depois da existência do DVD, onde alguns discos foram reeditados, a qualidade da imagem não melhorou, o que evidencia o baixo nível do sinal da fonte. Isto tudo porque as antigas matrizes não foram adaptadas à realidade técnica do DVD.

Um exemplo disso foi a edição em DVD da gravação do concerto do grupo de jazz Manhattan Transfer, gravado no Japão em 1986, com o título “Vocalese Live”. O disco foi originalmente lançado pela Pioneer, principal interessada em ressuscitar o formato na América. O DVD, cuja capa é mostrada abaixo, foi remasterizado pela Imagem, sob licença, e a trilha sonora modificada para Dolby Digital 5.1, padrão do DVD. Mas, o videodisco soava melhor. Aliás, não só este como a grande maioria dos títulos com trilha PCM.

vocalese -MT-DVD-capa

 

Na edição em DVD os percalços do vídeo continuam a ser exibidos em toda a sua plenitude. Na figura abaixo, capturada do DVD, é possível notar um arraste de luz onde deveria estar enquadrado um spot colocado na parte superior do palco:

image003

 

O efeito de arraste ocorre durante o deslocamento lateral (“panning”) da câmera. O vídeo como um todo é constantemente vítima de falta de resolução, dando a sensação de imagem borrada, que de fato é. Além disso, a iluminação é empesteada por arrastes similares àquele mostrado na captura acima.

Tecnicamente, este artefato de arraste é chamado de “Lag” (defasagem ou latência) e é provocado pelo atraso de resposta à variação de luz incidente no sensor da câmera. O problema é percebido nos momentos de captura onde, por força das variações de luz ambiente, a imagem adquire um contraste elevado.

O artefato “Lag” era comum nas câmeras equipadas com sensores de tubo, como o Orthicon, Plumbicon, Saticon ou Trinitron. Ele é conhecido nos meios técnicos brasileiros com o apelido de “cauda de cometa”. Mesmo com a digitalização do vídeo, na qual os sensores usados são do tipo CCD ou CMOS, o efeito Lag pode estar presente, mas pouco perceptível.

 As transcrições que ninguém viu e o resgate da memória

Durante toda a década de 1980, quantos videodiscos de concertos de música em estilos variados, óperas completas, etc., apareceram no mercado. Selos originalmente só de música como, por exemplo, a Deutsche Grammophon, se entregou por completo ao vídeo. O lendário maestro Herbert Von Karajan teria dito a eles que “o futuro da música é o vídeo”.

Só que a maioria destas gravações nunca viu até hoje a luz do dia em qualquer mídia de vídeo. E se viesse do jeito como a edição citada acima, ainda poderíamos estar lamentando a falta de uso de softwares modernos de limpeza e recuperação do sinal de origem.

Note o leitor que aqui não se trata de saudosismo puro e simples. Música inspirada é muitas vezes o momento em que ela está sendo tocada, independente do formato no qual ela é gravada. Portanto, é o registro em si que merece ser resgatado.

E é claro que, se no processo do resgate, nós pudermos viajar de volta no tempo, tanto melhor!

Eu sou um que deixou para trás momentos da década de 1980 difíceis de serem resgatados de outra forma. Eu me reunia com amigos, toda sexta-feira à noite, sempre na casa de um deles, para ouvir música ou assistir vídeo com música. Junto conosco, se reuniram outras pessoas conhecidas, ocasionalmente, e com os mesmos objetivos. Invariavelmente, jantávamos de madrugada em algum restaurante da orla, onde a conversa continuava pela noite adentro. De lá para cá, muitos desses amigos se foram. E às vezes a sensação de isolamento cibernético que nos cerca hoje em dia é acompanhada da lição que isso nos deixa, e que está sumarizada na frase do poeta: “é impossível ser feliz sozinho”!

 Agradecimentos:

Eu estou penhoradamente agradecido aos engenheiros Celso Araujo e Euzébio Tresse, ex-funcionários da TV Globo, Rio de Janeiro, que me ajudaram no diagnóstico do artefato de vídeo comentado neste artigo. O Celso é um especialista com larga experiência em sensores de câmera, tendo trabalhado com quase todos estes tipos mencionados no texto. [Webinsider]

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Paulo Roberto Elias é professor e pesquisador em ciências da saúde, Mestre em Ciência (M.Sc.) pelo Departamento de Bioquímica, do Instituto de Química da UFRJ, e Ph.D. em Bioquímica, pela Cardiff University, no Reino Unido.

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3 respostas

  1. Paulo,
    obrigado pelas referências. A tecnologia tem que fazer o “Mercado” gostar dela; não basta ser boa. Não pare de escrever.

  2. Olá, Allan,

    Em primeiro lugar, agradeço a sua leitura e elogios.

    Realmente, quando certos tipos de formato desaparecem fica cada vez mais difícil conseguir aproveitar a mídia acumulada, e eu conheço pelo menos um caso onde os videodiscos estão na prateleira e ocasionalmente em uso, por conta do conteúdo musical.

  3. Prezado Paulo,

    Acompanho a sua “coluna” e não tem como ficar feliz com tamanho conhecimento e detalhamento dos assuntos abordados.
    Sou um fã do laserdisc e ainda tenho várias mídias, porém sem um aparelho para chamar de meu.
    Espero contornar isso rapidamente, para apreciar realmente bons momentos, mesmo que a tecnologia tenha avançado tanto, deixando-nos saudosos.
    Chegando em casa, dedicarei uma maratona Trilogia Original de Star Wars e quem sabe escutar um show do Bon Jovi(veio com o finado aparelho)
    Pena não ter muitos shows brasileiros que não seja trazido de fora para nosso deleite.
    Parabéns e mais detalhes do cinema e suas fantásticas histórias e características.

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