O tempo em que campanhas milionárias projetavam ídolos criativos na propaganda parece ter ficado pra trás. Finda a farra–do–boi dos anos 90, parece que o mercado se vê agora de forma mais modesta, mais parecida com outros mercados cujo produto seja a prestação de serviços.
No Brasil do ano 2000 o que se vê é o enxugamento quase que total das verbas gigantes, patrocinadoras de uma luxúria criativa cara que imperou há alguns anos. E que por sua vez também patrocinou a luxúria cara de muitos criativos. O mundo mudou, o Brasil mudou.
Hoje, grandes medalhões da propaganda se vêem frente a uma sensação esquecida, escrita em um pedaço de guardanapo socado no bolso de algum terno Armani, Coleção Inverno 92. Humildade é nome dela. Redescoberta talvez só agora, em pleno 2003, quando percebeu–se que não haveria grana para comprar um terno do ano. Seria preciso tirar o velhinho do guarda–roupa, espantar o cheiro da naftalina e colocá–lo em uso novamente.
A grana sumiu. Junto com ela, presumo que um pouco da arrogância. Um resumo rápido da lógica atual do mercado publicitário dá conta que, a cada seis meses, duas empresas fundem–se e tornam–se uma, encurtando ainda mais o budget. Nos mesmos seis meses uma dupla, ou um trio, sai de uma agência e lança a sua marca própria no mercado. Há cada vez menos bolo para cada vez mais bocas.
A falta de grana reflete também na postura atual de muitos dos poucos clientes que ainda investem algum valor em propaganda. Interferem cada vez mais nas cada vez menos ações, numa luta desesperada para recuperar o tempo perdido. Idéias gratuitas, piadas e frases de pára–choque coladas em seus logotipos já não fazem mais a cabeça das empresas que sobreviveram à vaporização econômica interna e externa. Um grande sinalizador disso, pelo menos para quem trabalha em propaganda, foi o número de peças brasileiras inscritas em Cannes este ano, que apresentaram uma queda de 40%, devidamente acompanhada da queda no teor criativo.
Algumas exceções memoráveis à parte – e devidamente pré–selecionadas pelo júri do Cannes Predictions – a maioria das peças mostrou que enfim a criatividade de muitos encontrou o espelho da falta de verba. E mirando–se nele, percebeu–se nuazinha em pêlo. Talvez isso seja um bom sinal, o da lucidez, quase sempre ofuscada pelo brilho de superproduções caríssimas e pela mídia abundante, em níveis pavlovianos, capaz de transformar qualquer idéia na mais lembrada.
Chegou enfim a hora da verdade para a propaganda brasileira. A hora de provar para si mesma, para o público que dela fez entretenimento e para os clientes que dela esperam resultados, que é possível sim ser criativa no decorrer de uma das maiores crises de nossa história. A hora de tentar driblar a “varejização” exagerada dos comerciais, na busca de conceitos criativos novos e ousados, que construam e fortaleçam as marcas às quais estão colados. Conceitos que sobrevivam a produções mais modestas, que vendam e ajudem o país a pisar mais demoradamente no acelerador da economia.
Uma era de criatividade lúcida parece tomar forma na nossa propaganda, onde a objetividade dará a tônica. E impulsionada mais pela luta de sobrevivência dela própria do que ao lustro na vaidade. Este misto de criatividade e lucidez já faz parte da rotina de pelos menos uns 160 milhões de brasileiros. Uma habilidade que só quem já nasce com a água batendo na bunda domina com maestria. [Webinsider]
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