A prisão do paranaense Alvir Reichert Júnior, acusado de vender MP3 pela internet, pode ter dado início a uma longa batalha técnica e jurídica entre usuários brasileiros e gravadoras. O caso também é revelador por reafirmar um certo quadro de letargia da imprensa de tecnologia no Brasil.
Após uma investigação da Associação Protetora dos Direitos Intelectuais Fonográficos (APDIF), Reichert foi preso em sua própria residência no dia 25 de agosto, segunda–feira pela manhã, acusado de vender músicas pirateadas através do site MP3 Forever. Na prática, a Associação é como um braço da Recording Industry Association of America (RIAA) no Brasil.
Aconteceu o seguinte: Reichert foi a primeira pessoa a ser presa a partir da mudança da lei nº 10.695, sancionada em 02 de julho deste ano pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A mudança altera os artigos 184 e 186 do Código Penal e acrescenta parágrafos no artigo 525 do Código de Processo Penal.
A nova lei, que entrou em vigor trinta dias após a assinatura do presidente, é resultado de um projeto de lei datado de dezembro de 1996, de autoria do próprio Poder Executivo, para coibir os delitos contra direito autoral e propriedade intelectual. Prevê reclusão (prisão) de até quatro anos por crimes de pirataria.
Prevê ainda que a cópia de obra intelectual ou fonograma, “em um só exemplar, para uso privado do copista, sem intuito de lucro direto ou indireto”, não configura crime. Ou seja, até aí nada de novo. Você pode fazer MP3 de seus próprios CDs, mas não pode sair pegando MP3 de CDs que você não comprou, visto que isto configuraria um “lucro indireto e, conseqüentemte, um crime”, nas palavras do diretor jurídico da APDIF, Jorge Eduardo Grahl.
Há provas documentais de que Reichert violou não apenas a lei, como também parece nunca ter feito questão de se esconder ou de se manter anônimo, como veremos mais adiante.
No entanto, mais de uma semana se passou e ainda há muitas perguntas sem respostas.
O que levou a APDIF a prender um peixe pequeno, diante de tantos fatos irrefutáveis de pirataria em larga escala, às vezes industrialmente, debaixo do nariz de todos nós? Por que a APDIF se recusa a revelar informações adicionais sobre a investigação, quando muitas das provas e documentos são públicos? Estaria a APDIF seguindo o exemplo da RIAA nos Estados Unidos, de tentar conter a pirataria amedrontando usuários domésticos e pressionando provedores de acesso?
E, finalmente: você, usuário comum, pode ir preso por baixar música em programas P2P?
Você pode ser o próximo se a APDIF quiser
Responda: você costuma fazer download de MP3 pela internet? Em caso positivo, você pode ser o próximo da lista. De acordo com os juristas e especialistas ouvidos por esta reportagem, o caso de Reichert abre precedentes para que a APDIF vá atrás de qualquer pessoa que viole os direitos autorais das gravadoras, independente de quantidade.
Afinal, o respaldo judicial já existe. O empurrão inicial que faltava, foi dado com Reichert.
O diretor jurídico da APDIF, Jorge Eduardo Grahl, explica que a lei permite punição para “aquele que copia ou distribui música com o intuito indireto de lucro. No caso, há o entendimento de que quem copia ou compartilha arquivos com a intenção de economizar por não pagar pelos direitos autorais e impostos, automaticamente está tendo lucro indireto e, portanto, enquadra–se na violação de direitos autorais”, dispara.
Em outras palavras, pode estar na mira da APDIF quem não compra o CD na loja e baixa a MP3. Se a Associação vai ou não perder tempo com isso enquanto a pirataria industrial corre solta, aí é outra história.
Grahl ressalta ainda um fator que muito interessa à maioria dos internautas: quem utiliza programas P2P, como Kazaa, eMule, Grokster, entre outros, não somente copia músicas mas também disponibiliza todo seu acervo aos demais usuários, o que pode complicar ainda mais a situação na hora de colocar os pontos nos is.
Apesar das investidas recentes da APDIF, fato é que monitorar internautas para saber o que eles estão fazendo é um tema de recorrente polêmica e discussão.
Para o advogado paranaense especializado em Direito da Informática, Omar Kaminski, as autoridades deviam se preocupar em ir atrás dos grandes fraudadores. “Está havendo mobilização de força policial e imposição de penas severas, privativas de liberdade, para a proteção de interesses corporativos, deixando tantos outros para terceiro plano. A pirataria fonográfica industrial, em larga escala, é que traz prejuízos ao país com a sonegação de impostos. É contra tais criminosos que a lei deve ser aplicada com rigor”, critica Kaminski, que passou a integrar a banca de defesa de Reichert, juntamente com Alexandre Pesserl e Eduardo Miléo.
Em tempo: Alvir Reichert Júnior foi solto no dia 29 de agosto, após pagamento de fiança no valor de 20 salários mínimos. O valor foi reduzido, sendo antes estipulado em 200 salários. Ele vai responder em liberdade por ter violado os parágrafos 1, 2 e 3 do artigo 184 do novo Código Penal. O alvará de soltura foi concedido pelo juiz Marcelo Ferreira, da Central de Inquéritos de Curitiba, o mesmo que estipulou a fiança inicial em 200 salários e depois a reduziu.
Em conversas, usuários temem represálias e prisões
Entre internautas e técnicos ouvidos pela reportagem, há um certo consenso de que Reichert pode ter sido um reles bode expiatório. Para alguns usuários acostumados em trocar gigabytes de MP3 pela internet, ele cometeu o mesmo erro que todos cometem: achar que a lei de direitos autorais é letra morta, ou seja, só funciona na teoria. Aquela velha história de “isso nunca vai acontecer comigo”.
Não obstante, o esquema do site MP3 Forever era pesado. Mais adiante veremos como era o funcionamento dessa espécie de clube para assinantes e as provas documentais que a APDIF não quis revelar à imprensa.
Para o técnico–desenvolvedor Gustavo Vasconcelos, 28 anos, a prisão de Reichert foi merecida porque ele vendia descaradamente músicas que não lhe pertenciam. No entanto, “não é justo que façam caça às bruxas com usuários e que nos tratem como criminosos. Somos consumidores. Que prendam os criminosos, que ganham dinheiro criando rede de venda parar lucrar com isso; que apreendam CDs piratas que vêm da China. Por que não desmontam as barracas de camelôs que vendem CDs piratas?”, questiona Vasconcelos, que chegou a fazer parte de um grupo de usuários que mantinha contatos eventuais com Reichert para trocar informações sobre MP3.
O diretor–geral da APDIF, Valdemar Ribeiro, não descarta a possibilidade de começar a intimar, judicialmente, usuários domésticos que façam downloads de MP3, a exemplo do que tem ocorrido com freqüência nos Estados Unidos. “A legislação brasileira é clara em tipificar essa atuação como crime. Está previsto no Código Penal, podendo inclusive ser condenado à pena de reclusão, que varia de dois a quatro anos, além de multa,” avisa.
Segundo Ribeiro, a APDIF conta com uma equipe especializada de monitoramento e investigação via internet, com ferramentas de busca de conteúdo ilegal e métodos de identificação de usuários. Nos últimos três anos, garante, a associação já fechou mais de 20 mil sites piratas.
Um grupo de usuários recifenses costumava manter um certo contato informal com Reichert, antes da prisão. A reportagem conversou com quatro integrantes, dos quais nenhum aceitou ser identificado, com medo de represálias por parte da APDIF. Afinal, a polícia apreendeu dois computadores de Reichert que podem conter informações pessoais sobre os participantes do grupo.
Uma das mais assustadas, a administradora C.B.C, 23 anos, ainda tem dificuldades em aceitar a prisão de Reichert por causa de MP3. Os dois chegaram a trocar mensagens, apesar de C.B.C garantir nunca haver comprado nada do site dele. “Baixar MP3 não é motivo para deixar de comprar CDs. São os preços altos que inibem a compra. Se as gravadoras fossem menos preocupadas com os grandes lucros e mais com o consumidor, a situação seria diferente,” acredita C.B.C, com a segurança de quem exibe uma coleção de 500 CDs originais em casa, catalogados.
Pela opinião de Vasconcelos, a APDIF não pode “simplesmente chegar e dizer que eu sou um criminoso porque compartilho minhas músicas com meus amigos, faço compilações para dar de presente a alguém, peço uma amostra de um artista que quero conhecer ou gravo CDs que não existem no Brasil. No final das contas, isso é somente a fita K7 dos dias de hoje. Não é justo, estão deixando os peixes grandes livres e querem amedrontar os pequenos”, desabafa.
Na próxima parte desta reportagem, veremos como funcionava o esquema de Reichert e algumas informações que ainda estão em aberto. [Webinsider]
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Paulo Rebêlo
Paulo Rebêlo é diretor da Paradox Zero e editor na Editora Paradoxum. Consultor em tecnologia, estratégias digitais, gestão e políticas públicas.
3 respostas
que bosta
Isso vai mudar…
Bem…sou musico e acho que pela minha profissao minha opiniao pode ser bem valida.
Nao acho certo um interprete gravar uma musica de um outro compositor sem pagar os direitos sobre o uso da mesma. Porem, o que se esta em questao em relacao aos mp3 nao diz respeito aos compositores, mas sim aas gravadoras que monopolizam o mercado fonografico.
Um musico nao tem a intencao de ganhar com o comercio de sua musica, desde de que o proprio seja o interprete da musica comercializada e o nome dele esteja sendo levado. Pois, a intencao do musico nao consiste em comercializar a musica, mas sim de vender shows. Portanto, quanto mais comercializam sua musica, maior a divulgacao de seu nome e maior se torna a facilidade em vender shows.
O problema acontece quando as gravadoras deixam de ganhar. Pois o lucro delas vem exatamente do comercio dos direitos autorais, porem, de uma forma legalizada. Elas fazem contratos com musicos onde elas ganham sobre o comercio de suas musicas e os musicos ganham com shows. Ou seja, o crime acontece do mesmo jeito, pois estao comercializando musicas de um artista assim como o Alvir Jr. Porem, o artista autoriza as gravadoras a receberem sobre venda de discos ja que o interesse dele esta na venda de shows tornando o crime legalizado.
Com o surgimento da internete, deveria ser feito uma enquete com a nova geracao de musicos, que tenho certeza que pensa como eu, para modificar a lei, facilitando a divulgacao dos artistas. E legalizando o vendedor pirata, gerando ate mesmo, novos empregos. Mas isto seria utopia, pois as gravadoras jamais deixarao.