Em artigo anterior falamos sobre o caminho inevitável em direção a um processo de design cada vez mais centrado no usuário. Isso já é uma realidade no marketing, pois se tornam cada vez mais comuns campanhas com apelo ao individualismo e à diferenciação. Por “individualismo” não cabe aqui nenhuma carga negativa ou pejorativa a tais campanhas. Pelo contrário, creio que refletem bem o atual momento da sociedade ocidental de consumo.
Exemplo bastante claro é de uma determinada indústria de laticínios que, ao lançar uma nova linha com variados tipos de leite, desenvolveu uma série de anúncios onde figurava a frase que dizia mais ou menos que havia um leite para cada tipo de pessoa.
Os anúncios foram bastante divulgados em revistas semanais e cada peça apresentava sempre pessoas de diferentes tipos físicos, idades, homens e mulheres, caracterizados ora como executivos, ora como esportistas. O exemplo reflete a preocupação das empresas se diferenciarem através da oferta de produtos que supram diretamente necessidades de diferentes grupos de consumidores, mostrando que as diferenças têm que ser respeitadas e, além disso, pode–se tirar proveito comercial, uma vez que existem possibilidades tecnológicas para a chamada produção individual em massa.
Entretanto, para desenvolver uma estratégia de design centrado no usuário é necessário conhecer suas possíveis abordagens. O pesquisador inglês Kenneth D. Eason, da Loughborough University, apresentou as seguintes abordagens: design para usuários, e design com usuários. Segundo Eason, tais abordagens consistem em paradigmas ideologicamente opostos, entretanto se faz necessário conhecê–las para aplicar a que for mais conveniente a cada caso específico.
A abordagem de design para usuário é a abordagem dominante em estudos e projetos que envolvam ergonomia. Ela pressupõe que o projetista detém conhecimento suficiente para agir em nome do usuário, por meio da aplicação de conceitos e princípios gerais desenvolvidos e validados por meio de pesquisas. Esse tipo de abordagem é aplicada a projetos que se caracterizem por sua generalidade, que possuam um público usuário muito amplo, como grandes portais de informação. Nesse caso é o projetista quem decide o que é melhor para o usuário.
A abordagem de design com usuário nasceu exatamente como crítica à prática descrita anteriormente, e se enquadra dentro de uma visão de design participativo, que visa o usuário como colaborador no processo de projeto. Esta abordagem leva em consideração questões inerentes ao ser humano, como ambições, crenças, emoções e outras. O papel do projetista, dentro desta ótica, é o de agente de mudança, ao invés de alguém que possui conhecimento total. Sua aplicação se dá mais eficazmente em projetos localizados e bem identificados, como em intranets ou sistemas especialistas, pois os usuários conhecem sua realidade e podem decidir por si só.
A incompatibilidade entre esses dois paradigmas se dá pelo fato de o primeiro representar ciência, precisão e engenharia e ou segundo representar ciência social e política local.
Percebe–se, entretanto, que a aplicação pura de qualquer uma das duas abordagens levaria a projetos deficientes. Sabe–se, inclusive, que é praticamente impossível haver uma ou outra abordagem de forma pura, pois, em alguma instância, usuários representativos foram considerados na geração das recomendações de projeto e, por outro lado, o conhecimento do projetista também influencia decisões finais, mesmo que tenham sido elaboradas pelos próprios usuários.
Disso resulta que uma abordagem mais eficiente será aquela que considerar o conhecimento de regras, normas e recomendações para projeto que o projetista possui, mas também a que buscar informações reais e contextualizadas extraídas diretamente dos usuários.
Essa visão, de design para usuário com usuário, tem condições de conduzir a projetos mais eficazes que atinjam as reais necessidades do usuário e da tarefa. Os usuários devem ser capazes de debater e priorizar suas necessidades, mas o projetista deve ser capaz de dar suporte ao processo por meio da análise da tarefa e outros estudos que revelem o contexto do trabalho. [Webinsider]
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Referências
EASON, K. D. User–centred design: for users or by users? Ergonomics, Taylor and Francis. V. 38, n.8, 1995, pp. 1667–1673.
LIGHT, Ann, The politics of working with users in the design process: british working practices and user participation. Disponível online.
Robson Santos
<strong>Robson Santos</strong> (robson.s@terra.com.br) é designer, doutorando em design, pesquisador em usabilidade de interfaces.