Curso de língua é assim, você acaba tendo que ler livros que não leria espontaneamente ou que talvez nem descobrisse sozinho, e foi assim que li uma historia estranhíssima, passada numa estação de rádio. O título era algo como Das gesammelte Schweigen des Doktors… nem me lembro mais.
Um dos personagens da história produzia um programa de entrevistas, e guardava escondido numa caixinha inúmeros tecos de fita magnética, daquelas de rolo, todas elas organizadas, etiquetadinhas, coisa de alemão mesmo.
Cada tequinho continha… um silêncio de alguém, e nas etiquetas lia–se “fulano de tal pensando antes de responder sobre a dolorosa questão X”, ou “pausa de sicrano antes de entender a piada Y e finalmente rir” . Silêncios com CIC e RG.
Você, leitor assíduo do Webinsider, colecionou sem querer um trecho autêntico de silêncio meu, e uma boa etiquetinha seria: “René pensando por meses em algo que valesse a pena ser dito”.
Vale alguma coisa um bom naco de silêncio? É por quilo, por hora, por metro quadrado?
Silêncio pode não ter preço, mas tem custo, e eis aí o que me finalmente tirou do mutismo: quanto custa o que nunca é dito? Quem paga essa conta?
Ops… isso não é justo. Demorei meses para chegar a essa pergunta, e não é nada legal jogá–la assim na mesa sem uma introdução sequer. Comecemos então, pelo que é “legal”.
Ser brasileiro é bem legal. O clima é legal, a comida é legal, a música é super legal. Trabalhar com internet também é muito legal, é ou não é?
Pode responder que não, fique à vontade. Eu sei que não é legal falar das coisas ruins, não pega bem. É chato ser chato. Nada é mais chato do que você perguntar “e aí, tudo legal?” e o cara dizer que não, e ainda por cima explicar.
Pois bem: eu sou meio chato. Assumo. Volta e meia piso na bola. Pago o preço por ser meio mala, recebo em troca silêncio, no máximo um eco ou outro.
Colocar problemas debaixo do tapete, contudo, pode até deixar a festa mais bonita, mas uma hora a gente tropeça no calombo.
De que problemas estou falando? Vou falar de novo da dificuldade quase incontornável de se trabalhar “legalmente”, ou seja, pagando os impostos, licenciando softwares, pagando salários decentes? Ou vou de novo reclamar de quem conta milagres mas não conta os santos, muito menos os demônios? Deixa pra lá, isso já falei.
O que “pega” pra mim agora é nosso jeito “legal” de trabalhar: informalmente, sem método, no improviso, sem documentação decente, sem definições claras de escopo, de contrato, nada. Super legal, não? Pra mim não.
Chame–me de chato, mas chato mesmo é ter que adivinhar o que é para ser feito, ou ter que adivinhar como algo foi feito, ou ter que resolver no grito, na porrada, algo que poderia ter sido definido tranqüilamente no começo do trabalho.
Isso é tão chato, mas tão chato que ninguém nunca comenta, e tanto faz se vai acontecer tudo de novo, porque no final a gente se vira, o outro cara se vira, o fornecedor se vira, e no final o site vai pro ar (ou o banner, ou o hot–site, ou seja o que for). Tirando os mortos e feridos, salvam–se todos.
É um jeito de se trabalhar. O trabalho sai, não sai? Então. Mas estamos sempre reinventando a roda, andando em círculos, girando em falso, e não é pra menos que para qualquer veterano da área a impressão é que, apesar dos anos todos, avançamos muito pouco.
Sabe onde avançamos? Nos lugares onde se criaram processos bacanas, documentos e metodologias de primeira, onde profissionais compartilharam seus erros e acertos, onde se deu um passo adiante na direção da transparência, da qualidade, da ética.
Resolver coisas no improviso não deixa história, não cria cultura, não deixa legado. Jeitinho não faz nação, nem que tenhamos mais 500 anos pra tentar.
Well, meu negócio é outro. Legal para mim é deixar legado. [Webinsider]
René de Paula Jr
René de Paula Jr (rene@usina.com) foi de tudo um pouco em digital mas foi e é sobretudo um publicador compulsivo de ideias, aprendizados e provocações. Mais na Usina e no Roda e avisa.