Noam Chomsky

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Cum grano salis é uma expressão latina que significa “com um grão de sal”. Ainda usada em tradução inglesa, ela significa simplesmente o nosso popular “com um pé atrás”.



É assim que se deveria encarar qualquer biografia. Por mais bem escrita e pesquisada que seja, e por mais isenta que tente sinceramente ser, uma biografia é como um filme: é sempre o olhar do realizador que está ali, e o espectador (ou leitor) é obrigado a seguir junto com esse olhar, sem poder se deter em nenhuma parte que não tenha sido previamente preparada pelo autor.



O que dizer, então, da biografia do intelectual Noam Chomsky, que já declarou que ele próprio jamais escreveria uma autobiografia? Coube ao professor Robert F. Barsky, portanto, a tarefa de reunir em poucas páginas os pontos máximos da vida e da obra de um dos pensadores mais importantes de nossa época. O resultado pode ser conferido em Noam Chomsky – A Vida de um Dissidente (Conrad Editora).



A tarefa não foi fácil: o próprio biógrafo assume que “escrever uma biografia de Noam Chomsky dá um novo significado à palavra assustadora.” Exagero? Não: Chomsky, que tem 77 anos e ainda publica ativamente e participa de palestras e manifestações no mundo todo (esteve no Fórum Social Mundial de 2002 em Porto Alegre, por exemplo), já publicou mais de setenta livros e mais de mil artigos em áreas como filosofia, política e ciências cognitivas.



Prestou uma contribuição inigualável à Lingüística, com livros como Aspects of the Theory of Syntax e Linguagem e Mente. Os livros políticos, como Manufactoring Consent, O Lucro ou as Pessoas? e 11 de Setembro (este último recomendado por mim em 2002 aqui no Webinsider – veja link à direita) são escritos com clareza, respeitando a inteligência do leitor, sem fazer uso excessivo (aliás, praticamente nenhum) de palavras do jargão acadêmico. Impostura intelectual não é com Noam Chomsky.



Este, aliás, é o ponto em torno do qual gira a biografia: mais do que ressaltar o trabalho de Chomsky em torno de uma gramática gerativa (uma gramática que investiga a origem das palavras e das estruturas sintáticas) e de seu trabalho complementar, mas não menos importante, em ciências cognitivas (para compreender justamente como o cérebro trabalha nas estratégias de criação e aquisição da linguagem), Barsky se concentra no ativismo político de Chomsky e de sua luta pelo direito fundamental de liberdade de expressão de todos os indivíduos.



Mas, ao tratar de Chomsky na questão política, a biografia aponta uma contradição que requer um certo cuidado. Pois o mesmo rigor que ele sempre aplicou a seus estudos (e que os tornou essenciais) é utilizado em defesas de questões bastante complicadas – como o caso da defesa de Robert Faurisson.



Faurisson, professor de literatura francesa da Universidade de Lyon, escreveu no final da década de 1970 vários artigos negando a existência de câmaras de gás na Alemanha e pondo em dúvida a existência do Holocausto nazista. Por conta disso, Faurisson foi demitido da universidade, e um amigo organizou uma petição defendendo a liberdade de Faurisson de expressar opiniões sem perseguição. Chomsky assinou a petição.



Segundo Barsky, Chomsky sabe que o Holocausto aconteceu, mas assinou a petição porque Faurisson havia sido acusado de anti–semitismo e nazismo, “acusações sérias que exigiam provas”, e deveria ter assegurado o seu direito a dizer o que pensa sem ser perseguido. Segundo seu biógrafo, citando Chomsky: “Afinal, ele não havia ‘sentido a necessidade de ler Versos Satânicos antes de assinar inúmeras petições feitas em favor de Rushdie.’”



A argumentação de Chomsky é difícil de rebater – porque, afinal, esta é uma de suas áreas–mestras. Lógica é uma matéria na qual ele é imbatível. Além disso, Barsky também não ajuda muito, assumindo uma postura de defesa a Chomsky, criticando duramente nomes como Alan Dershowitz e Werner Cohn por terem se posicionado contra essa atitude de Chomsky. (Para que não sejamos injustos aqui, cabe observar que as críticas de Barsky procedem na medida em que ele encontra falhas grosseiras de raciocínio nesses opositores de Chomsky.)



Mas talvez o problema esteja justamente na lógica. O ser humano nem sempre é lógico, e certamente não o tempo todo. Chomsky tem (o próprio biógrafo reconhece) uma grande dificuldade de reconhecer como legítima qualquer opinião que seja diferente da sua. A alegação dele quase sempre se baseia no fato de que seus detratores não leram direito o que ele escreveu ou que são pertencentes ao meio acadêmico mais conservador, interessado tão somente em se dar bem politicamente.



E, assim, como classificar, por exemplo, seu ataque ao pós–modernismo, uma vez que, à exceção de Baudrillard e Derrida (e talvez Foucault, com quem participou de um debate na TV suíça em 1971), ele nada leu de seus autores, e simplesmente desconsidera seus trabalhos? Não há nada na biografia que possa nos fazer afirmar que Chomsky seja preconceituoso, mas é significativo o fato de que toda a sua formação (novamente, segundo o biógrafo) tenha sido inteiramente baseada em autores norte–americanos, com a exceção do filósofo inglês Bertrand Russell.



Evidentemente, esta é uma resenha pequena e limitada (como é da natureza das resenhas). Certamente Chomsky a ignoraria, ou atribuiria a este autor uma grande ignorância por não ter lido direito a biografia. É bem possível que ele estivesse certo – em parte.



Por sua contribuição inestimável para o estudo da linguagem, Chomsky deve ser lido e estudado como referência fundamental. Por sua participação política, Chomsky também deve ser lido e analisado, e esta biografia de Robert Barsky também. Mas – fica aqui a sugestão – com um grão de sal. Porque ninguém é perfeito. [Webinsider]


Fábio Fernandes é jornalista, tradutor e escritor. Na PUC-SP, é responsável pelo grupo de pesquisa Observatório do Futuro, que estuda narrativas de ficção científica e a forma como elas interpretam e são interpretadas pelo campo do real.

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2 respostas

  1. Uma biografia deve contemplat também suas atuações mais importantes em áreas como o ensino da Língua Materna também, uma vez que as mazelas sociais também têm suas raízes na Educação

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