O mundo deve estar mesmo de pernas para o ar. A AOL vai mesmo entregar seu conteúdo de graça. A mesma empresa que chegou a ser considerada o ícone máximo da estratégia de pagar pra ver, o símbolo dos portais de conteúdo pago, decidiu abrir seu conteúdo e tentar buscar retorno na publicidade online.
Não significa que a AOL está abrindo mão de seus 22,5 milhões de assinantes ou que irá oferecer acesso grátis. Seu conteúdo, tradicionalmente fechado a não assinantes, é que será aberto e isso não é pouco.
Até o final do mês de julho a empresa promete lançar um novo portal com todo o conteúdo e uma infinidade de serviços gratuitos (veja versão beta). O novo portal oferecerá um sistema de busca e download de vídeos, uma página de acesso personalizada, buscadores, tudo integrado com um novo serviço de e–mail na faixa com 2GB e a possibilidade de usar uma servidor IMAP no seu software de e–mail, algo bem além do que o POP3 do Gmail. E não deve parar por aí.
A verdade é que com tudo o que gastou nas guerras de acesso para banda larga e sendo propriedade de um gigantesco grupo de mídia, não é de se estranhar que faça sua opção pelo conteúdo. Mas quando se leva em conta a história da AOL, a idéia de se pensar em uma estratégia gratuita é como mudar da água para o vinho. É como um mangueirense que vai desfilar pela Portela. Um torcedor do Flamengo com a camisa do Vasco. O inferno certamente deve estar mais frio.
O que será que viram os executivos da AOL para imaginar que podem se sustentar simplesmente com receitas do mercado publicitário? Difícil imaginar o que pensa a Time Warner para desistir de vender seus conteúdos na rede.
A AOL começou com acesso e conteúdo pago, e sempre lutou contra o atordoante conceito de oferecer informação separada do acesso, ainda mais se for de graça. A empresa ficou conhecida por seus sistemas fora do padrão, por sua forma de cobrança por tempo de acesso (só em 1996 introduziu uma tarifa plena pressionada pela concorrência de novos e fortes provedores) e por sua lendária dedicação aos usuários menos afeitos à internet. A America Online conseguiu converter a expressão “chegou e–mail para você” em um dos símbolos mais populares da rede.
Fora dos EUA os mercados resistiram à AOL. Sua maior glória obteve como provedor de acesso à internet com conteúdo exclusivo para seus usuários, mas o crescimento do acesso em banda larga nos EUA e sua incapacidade de decolar com uma oferta competitiva pegou a AOL de guarda baixa.
Nos EUA a AOL teve um papel vital ao introduzir milhões de usuários ao conceito de redes de informação com seus sistemas simplificados de navegação, correio e comunicador. Foi o primeiro serviço a introduzir uma interface gráfica eficaz ao usuário. A AOL educou e preparou várias gerações norte–americanas para o acesso de informações online. Mas quando a banda larga se massificou ela perdeu o bonde da história.
A estratégia básica da AOL era o empacotamento de conteúdo: o velho conceito das supervias de comunicação onde o acesso e o conteúdo se vendem juntos. Só quem acessa através da rede fechada pode ver os conteúdos que ninguém que esteja fora consegue imaginar que existe. Um negócio redondo, perfeito, até que inventaram alternativas, e a alternativa se chama internet.
Com a internet o acesso é vendido por empresas chamadas provedores e os conteúdos estão aí, à solta, disponíveis para todo mundo democraticamente. Não há nenhuma vantagem em limitar o acesso para poucos, e como a concorrência é gigantesca, produzir conteúdos destacados o suficiente para cobrar é uma estratégia complexa.
Olhando agora, é fácil dizer que a AOL não soube competir com os provedores de acesso, e apesar de ser na internet o braço armado do império Time Warner, decidiu que não tem sentido tentar cobrar por conteúdo. Ao separar conteúdo do acesso muda completamente o negócio, e precisa pensar em alternativas diferentes. O tradicional pedágio já não serve mais.
Nem mesmo os 22,5 milhões de usuários pagos dão segurança de receita. Eles continuarão pagando todo mês pelo acesso à internet. A AOL continuará atrás de assinantes para seus serviços de banda estreita e banda larga. Mas com o conteúdo aberto o que ela vai oferecer de diferente a este povo todo acostumado a ter um algo mais além do acesso?
Agora o objetivo da AOL será maximizar o tráfego além de seus assinantes e vender anúncios. É o único modelo que parece razoável, ainda mais levando em conta sua ligação com os recursos e a experiência da Time Warner. Se esta virada da AOL nos EUA vai dar certo ou não é difícil imaginar, mas sua mudança de atitude é um marco na rede. Um sinal forte e consistente do grau recuperação da publicidade on line nos EUA. Da nova onda de investimentos que começou em 2003 e invadiu a Europa este ano (Os investimentos retornam.Acorda, Brasil, veja ao lado).
Por aqui, em terra brasilis, não há efeito algum imediato. Mas certamente tem que fazer pensar os mentores de estratégias online. No mínimo uma chacoalhada nos grandes portais que ainda acreditam na sobrevivência de estratégias de venda casada de conteúdo em um universo de blogueiros e redes livres de informação.
Quando a próxima atendente de telemarketing ligar pra sua casa querendo vender aquele serviço de acesso que vem com conteúdo das mais importantes revistas do país, uma infinidade de jornais, vídeos exclusivos… conte pra ela parte desta história. Eu sei, eu sei, ela não vai entender nada, mas quem sabe ela não passa pro superior dela, que conta pro gerente, que conta pro diretor, que conta pra alguém mais em cima.
[Webinsider]
Uma resposta
Parece que o negócio de Conteúdo Pago tem vários inimigos…