Criação corre risco de vida? Não fique paralisado.

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Estava pensando em muitas coisas ao mesmo tempo e, ainda impregnado desses devaneios, comecei a atravessar a rua. Ela me pareceu, se é que existe uma rua assim, daquelas que não pedem atenção alguma para se atravessar.

Mas quando aquele caminhão parou a centímetros de meu nariz, cantando pneu e dando uma buzinada ensurdecedora me toquei quanto ao risco de andar pensando em todo o processo de criação de campanhas assim, logo de manhã, seguindo para a agência. Resultado, quase morri e ainda ouvi umas boas daquele camioneiro ao qual devia minha vida.

Ainda suando frio, fiquei perplexo com minha infantilidade naquela travessia e lembrei de meu pai me recomendando olhar para os dois lados, até em rua de mão única, antes de atravessar e não esquecer também de ver se não tem avião caindo na cabeça.

Relembrando agora com mais calma, foi como muitos dizem. A vida toda passa como um filme, em flashs de milésimos de segundo. Todas as alegrias, todas as tristezas, todas as mágoas, todas as conquistas, todas as indignações, todas os amores e desamores.

Mais uma respirada profunda e lá ia eu, como um gato de sete vidas, continuar a enfrentar leões famintos com jubas enormes. E não conseguia parar de pensar no processo que desencadeou toda aquela experiência única: o processo criativo de elaboração de campanhas. Desde o Briefing, passando pelas reuniões de Brainstorm , o envolvimento de todos com o clima leve e criativo da agência, além do nível de estresse global gerado com o acúmulo e a desorganização dos jobs e etc.

Aquilo, já tinha se transformado em idéia fixa como a do Brás Cubas pelo emplastro que lhe daria fama e fortuna, ou como a extrema concentração que Aristóteles nutria pelos seus estudos, ou ainda como uma medalha dourada nos planos de um competidor olímpico.

O fato gerador não saía da minha mente e refletindo mais, soube o porquê. Era uma associação, pura e simples, que o destino fazia com os pensamentos que iam na minha cachola, felizmente não concretizada com o meu sumário atropelamento. Capice?

Explico, era um alerta para que chegasse na agência e abrisse o jogo com a equipe, desde a copeira até o meu chefe mais mal encarado. E foi o que fiz. Chegando lá, chamei a todos – “Gente, reunião relâmpago, todos aqui por favor, sem exceção. Obrigado! Vejam bem, o negócio é o seguinte: O processo criativo está sendo atropelado, isso mesmo, atropelado”. Dei a notícia nua e crua como as dos jornais sensacionalistas.

Expus meu ponto de vista sobre sinergia para favorecer uma integração perfeita da agência, falei do entrosamento estratégico do time ajudando no clima empresarial, pincelei sobre a linda química para criar e dar espetáculo, da tranqüilidade necessária para começar a colocar a mão na massa com todo o conteúdo disponível e, por fim, também aproveitei para aparar arestas com meu diretor de criação e dar um ultimato para mudanças consistentes no briefing e na coleta de material para cultura do cliente, mesmo os recém prospectados.

Gostaria de ter abordado logo o aspecto do “incentivo premiado” para o upgrade no processo ser mais sólido, mas preferi deixar subentendido e ter uma conversa particular, na qual pleitearia esse avanço.

A reunião fluía e eu percebia que tinha perdido o medo de morrer naquela manhã. Falava umas verdades para meu diretor de criação, outras para meu chefe mais mal encarado e eles sorriam. Pareciam gostar do que ouviam, concordavam em gênero, número e grau. Seus olhos em alguns momentos brilhavam e viam as perspectivas daquela fabulosa reestruturação.

De tão ansiosos ligaram até para o arquiteto, que projetou o espaço para transformar em realidade táctil aquela revolução que tomava conta da agência. Metas foram traçadas, estratégias elaboradas, velhos hábitos exorcizados. Aquela reunião se transformou em uma sessão de terapia em grupo e o clímax foi a catarse emocional do “poderoso chefão”. Nosso homem de ferro chorou de alegria, de tristeza, de remorso, de satisfação com tudo que estava sendo dito. Falou que em toda a sua vasta vida empresarial, de longe, aquela tinha sido a reunião mais produtiva. Me chamou de “O Iluminado” e me escolheu para efetivar as mudanças. Menos, Dom Corleone, menos, pensei.

Sabiamente, lembrei do Heráclito de Éfeso que dizia “Nos mesmos rios entramos e não entramos, somos e não somos”, ou seja, só a mudança é permanente. Socializei essa máxima e encarei a missão de implantar na agência a política “R”. Repensar processos, redesenhar estratégias, reformar maus hábitos, reformatar programações ultrapassadas, remodelar o sonho de agência altamente criativa.

Performance notável, era o que eu tinha em mente. E graças àquela experiência limite, cara a cara com a jamanta, resolvi também implantar o sistema “Mais”. Mais sensibilidade e atenção com os anseios do público–alvo, mais preocupação com a qualidade final das campanhas, mais afinidade com a filosofia do cliente, mais eficiência na geração de resultados, mais rapidez para implantar mudanças.

Dormi como um anjo à noite, nada de pesadelos. Embora soubesse que ia cair na toca dos leões no dia seguinte.

Depois desse relato, você pode me achar um sonhador, um Dom Quixote, mas mudanças estão no meu sangue e prefiro acreditar nessa agência ideal, mesmo que não seja a minha, a ter aquela velha opinião formada sobre tudo. [Webinsider]

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<strong>Paulo Guimarães</strong> (paulloguimaraes@bol.com.br) é redator publicitário.

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