Estou trabalhando desde agosto em uma associação cultural voltada para cinema (Educine) e tenho ministrado cursos de direção de arte em cinema desde maio. Meu trabalho envolve conviver diariamente com jovens de até 24 anos de idade.
É interessante o contato com as “novas gerações tecnológicas” que sabem usar todo tipo de equipamento desde o nascimento – meu sobrinho de três anos já sabe comandar o controle remoto do DVD player – e que em plena adolescência, já têm conta no Orkut, e–mail, blog, website e toda a parafernália eletrônica imaginável.
Pela segunda vez na vida, estou tendo a oportunidade de observar de perto o “choque de gerações” em torno da tecnologia.
Eu me recordo como minha mãe apanhava do controle remoto quando compramos o primeiro videocassete, ou como considerava ininteligível a seqüência de botões necessária para esquentar água quando compramos um microondas.
Minha mãe, entretanto, adaptou–se rapidamente ao uso de tecnologia e hoje não apenas sabe usar todos os eletrodomésticos existentes como também todos os recursos de seu computador. Faz planilhas Excel, lê e envia e–mails, imprime numa loja expressa as fotos dos netos que chegam pela internet. Minha mãe adaptou–se à era da tecnologia e, socióloga formada com mais de 20 anos de experiência profissional, faz todos os seus estudos de impacto social e urbanização para as consultorias onde trabalha devidamente aparelhada com tecnologia.
Qual é o novo choque de gerações? É muito parecido com o anterior, mas piorou muito. Os jovens sabem operar todo tipo de maquinário, com máximo conhecimento do “como fazer” mas não estão mais desenvolvendo a capacidade que sempre foi utilizada como argumento para distinguir os seres humanos das demais espécies animais: raciocínio lógico e criativo.
Os mais velhos ainda sofrem um pouco para acompanhar a tecnologia, mas permanecem imbatíveis em capacidade analítica, raciocínio sofisticado. Enfim, pensam e pensam bem. Os jovens não estão mais sendo ensinados a pensar.
Vamos a alguns exemplos.
Fui dar uma palestra de direção de arte. O computador onde escrevo nesse exato momento é um jurássico Pentium III 800 que tenho há alguns anos. Para mim, cumpre as funções que necessito: envia e recebe e–mails, permite que eu digite textos, permite que eu execute alguns softwares gráficos. Para a minha palestra, entretanto, precisei de apresentações digitais estilo “powerpoint arrojado”. Não sei fazê–las. Saí consultando alunos, colegas de trabalho e amigos. Alguns me sugeriram usar o bom e velho Powerpoint – mas o resultado não é tão sofisticado visualmente quanto eu gostaria. No final, a solução veio de um aluno, que montou a apresentação usando um Macintosh, uma das tecnologias mais “mudééérnas”, sofisticadas e aplaudidas existente, que tem até grife.
Entretanto, apesar da boa vontade mostrada no trabalho por todos os participantes faltou um ingrediente importantíssimo no resultado: pesquisa e criatividade. Em bom português, faltou usar o “telencéfalo desenvolvido” – imortalizado por Jorge Furtado em seu “Ilhas das Flores” – apesar de que o “polegar opositor” foi amplamente utilizado no processo com a máxima competência.
Uma das coisas que eu queria para a minha apresentação audiovisual na palestra era um slideshow que mostrasse uma comparação entre as ilustrações originais feitas para os livros de Tolkien, as artes conceituais feitas para o filme de Peter Jackson e fotos das cenas do filme. A idéia era mostrar como a equipe de arte do filme, liderada pelos ilustradores John Howe e Alan Lee, conseguiu transformar desenhos que ilustram os livros há décadas em imagens reais.
Passei uma série de links na internet onde poderiam ser capturadas essas imagens para uma das pessoas que iria a apresentação. Uma semana depois a resposta que recebi foi de que estava muito complicado encontrar as imagens que eu precisava. Acabei dando a palestra sem esse material, substituído de forma sofrível por um trecho do documentário do making–off do filme, que não mostrava o que eu queria.
Mas eu sou uma pessoa muito teimosa. Eu quero mostrar esse tipo de material em futuras palestras, porque é o recurso didático ideal e deixa claro como funciona o trabalho de pesquisa e realização da direção de arte em cinema. Então, sentei–me ao meu computador jurássico e comecei a pesquisar nos mesmos links que eu havia enviado para o meu aluno.
Depois de quase quatro horas de navegação, consegui baixar todas as imagens que preciso. O próprio site oficial do filme me forneceu a idéia perfeita de como compor as imagens, colocando–as juntas por grupos em telas criadas em software gráfico.
Assim que terminei a tarefa, sentei–me e pensei. Meu aluno estava com a máxima boa vontade. Tem toda a tecnologia necessária para a tarefa, tinha os links… o que faltou? As imagens que eu queria estavam nos links que forneci, mas precisava pesquisar um pouco dentro dos sites. A informação não estava “digerida”, não estava pronta para consumo, precisava de elaboração. Faltou ao meu aluno o conhecimento formador: como realizar uma pesquisa em uma fonte de informações, como reunir o material, listá–lo, catalogá–lo e como criar com o material encontrado para produzir as telas de uma apresentação. O que meu aluno sabe fazer bem é usar a máquina, usar os softwares. Quando a tarefa escapa para o campo do raciocínio lógico e criativo, a tarefa se torna “difícil” porque é necessário digerir e elaborar!
Só para confirmar minha descoberta, dei um telefonema para outra aluna minha, que tem trabalhado muito comigo e está em fase de entrega de TCC na faculdade. Conversamos pelo telefone. Ela está atolada de trabalho, porque tem que formatar textos, compor diagramações, imprimir ilustrações e gráficos…. Ficamos uma hora no telefone e eu fiz várias perguntas sobre seus colegas de faculdade.
A conclusão? Estamos educando gerações de autômatos, extremamente especialistas em operar tecnologia mas que não foram ensinados a pensar nem a criar. Só sabem aplicar fórmulas já conhecidas, só sabem memorizar dados e executar tarefas. Quando a tarefa exige um mínimo de improvisação ou um raciocínio um pouco mais sofisticado eles travam, com direito a “bluescreen”.
A culpa é toda nossa. Nós nos rendemos ao fascínio da tecnologia. Nós aderimos ao mecanismo industrial da fabricação em série, sem preceber o tamanho o prejuízo. Os anúncios de emprego hoje pedem pessoa que saiba operar esse e aquele software, essa e aquela máquina. Que aquele ou esse diploma são desejáveis.
Atendendo à demanda, transformamos a educação em um processo industrial que ao final fornece o tão desejado diploma, que cuida bem do “polegar opositor”, ensina a “operar coisas”… mas que não mais desenvolve a capacidade mais importante que fez com que realmente nos diferenciássemos dos demais primatas: o “telencéfalo desenvolvido”, a capacidade de raciocínio e criatividade. E viva Metrópolis!
Vamos ter que correr atrás do prejuízo, senhores. [Webinsider]
Daniela Castilho
<strong>Daniela Castilho</strong> (teatime@havesometea.net) é artista plástica, designer, ministra aulas de direção de arte em cinema e mantém um <strong><a href="http://www.havesometea.net/" rel="externo">blog</a></strong>.