Share on facebook
Share on twitter
Share on linkedin
Share on whatsapp
Share on telegram
Share on pocket

Outro dia eu fiquei sabendo de uma coisa (O IDG Now publicou também). A notícia trata da suspensão de uma compra muito suspeita de milhares de licenças de Microsoft Office que a Câmara dos Deputados ia fazer.

Achei ótimo suspenderem a compra. O que me assustou, no entanto, não foi a compra em si – é óbvio que, com o dinheiro que tem, somado à recentemente evidenciada falta de controle do financiamento de campanhas e passando por uma histórica falta de responsabilidade com gastos públicos, a Microsoft tem todos os recursos necessários para convencer políticos a comprarem o que não precisam, usando dinheiro público para isso. O que me assustou foram os motivos alegados para justificá–la. Eu esperava que o pessoal responsável pela área de TI da Câmara fosse menos míope.

Formatos de dados

Incompatibilidades do OpenOffice com o Microsoft Office são mesmo de se esperar – são dois produtos distintos com quase a mesma funcionalidade. Um deles é aberto e o outro mantém secretos seu funcionamento e seus formatos de gravação de arquivos. Quando não são secretos, são licenciados de tal forma que só podem ser usados em produtos proprietários, impedindo sua implementação no OpenOffice.

A Microsoft tem razão em fazer isso. O maior motivo para alguém gastar em um MS Office (que não é barato, a menos que você queira cometer um crime) é ter compatibilidade com o que outras pessoas, tanto os criminosos (64%, segundo o IDC e a BSA) quanto os usuários legais, usam. Se o Office deixar de ser um “clube” – se qualquer um puder trocar arquivos perfeitamente com os usuários de MS Office, para que alguém vai querer pagar por um MS Office? Isso apavora a Microsoft porque o controle dela sobre o Office e de todas as coisas que vão “penduradas” nele, de Exchange a Sharepoint e CRM, dependem da dominância dele. Se a Microsoft perder o Office como alavanca, muitas empresas não terão motivos para continuar usando Windows. Se isso acontecer, é uma derrota importantíssima e sinalizaria um provável fim do seu lucrativo monopólio de mais de uma década. A Microsoft está disposta a evitar esse desastre a qualquer custo e 50% de desconto é pouco perto do que eles podem fazer.

Afinal, qual é o problema que a Câmara tem em mandar os documentos em outro formato que não o do Word? Tem alguém que não consegue usar o OpenOffice? Por que? É de graça e roda muito bem em Windows (que, aliás, quase todo mundo usa). Sua área de TI não homologou ainda? Se ninguém pedir, não vai mesmo.

Se nada mais der resultado, os documentos podem ser mandados como arquivos PDF (que o OpenOffice exporta muito bem – coisa que o Word não faz). Como um benefício extra: PDFizar um documento elimina todos os dados e metadados que vão junto em arquivos do Word (versões anteriores, fórmulas, outras edições, colaborações, entre outras coisas) que são uma fonte de informação abundante para quem sabe onde procurar. Se você manda arquivos .doc para seus clientes e fornecedores, é muito possível que eles estejam recebendo mais informações do que você queria mandar. E isso, em um governo, é um problema muito sério.

E que história é essa de perder formatos em documentos recebidos de terceiros? Quer dizer que a mesma Câmara que pode cassar mandatos e fazer CPIs tem que passar pelo inconveniente de comprar, instalar e dar suporte a uma ferramenta específica apenas porque precisa receber arquivos de alguém que se sentiria mortalmente ofendido se lhe pedissem para mudar seus maus hábitos? De quem a Câmara precisa tanto assim receber arquivos que não podem ser em outro formato que não os do MS Office? Não dá pra esmurrar a mesa e dizer que “só recebemos arquivos em formatos compatíveis com os programas que nós usamos”? Quem manda na Câmara, afinal? A Câmara ou essas “entidades fora do ambiente da Câmara”?

E se eu tiver que usar um documento da Câmara, para trabalho ou referência? Vou precisar comprar uma licença do Office? Cometo um crime e compro no camelô? E se daqui a 20 anos eu quiser abrir um documento da Câmara, quem me garante que o Office 2026 vai abri–lo? Posso processar a Microsoft se não abrir? Onde eu arrumo um Office 2003 para lê–lo? Em que antiquário eu compro um micro Pentium 4 com um Windows XP para rodar esse Office?

A questão moral

Uma coisa até mais importante (sobretudo quando se trata de um órgão do governo): favorecer o uso de MS Office não acabaria por incentivar a pirataria?

E pirataria de software é crime.

Segundo o mesmo relatório que eu citei há pouco, uma redução de apenas 10% no índice de pirataria (de 64% para 54%) injetaria US$ 4,8 bilhões na economia nacional, geraria 21 mil empregos altamente qualificados na área de TI e aumentaria o faturamento da indústria local em US$ 3,7 bilhões. Mesmo que eu não acredite muito no relatório – é hábito da BSA exagerar os números das perdas com pirataria – é inegável que gastar dinheiro aqui é melhor do que mandá–lo para fora do país. De que lado será que está, então, quem acha melhor que você compre um MS Office no camelô do que você experimente um OpenOffice? Uma pista: Não é do seu.

Dependências

Em outro documento, a Câmara justifica e dá detalhes dos problemas que, supostamente, obrigam a compra do MS Office. Eu até acredito que eles tenham feito a burrada de fazer sistemas que dependam tão visceralmente de outros produtos (afinal, todos fazemos burradas de quando em quando), mas não seria exatamente esse o sinal de que não se pode depender de especificidades do MS Office ou de qualquer outro produto proprietário? Não é exatamente por terem perdido a liberdade de escolha que o Departamento de Taquigrafia, a Consultoria Legislativa, a Assessoria Técnica da Diretoria–Geral, o Departamento de Finanças, a Consultoria de Orçamento, a Secretaria–Geral da Mesa e o Departamento de Finanças precisam de MS Office? E que espécie de dependência técnica é essa que impede uma migração?

E deve ser uma montanha imensa de problemas para que se prefira não resolvê–los.

“Comprar agora pra que, se vai mudar ano que vem?”

Outra coisa engraçada é a brilhante idéia de se comprar um produto que está no fim de sua vida útil. O Office 2003 está com os meses contados. Mesmo que o lançamento atrase do mesmo jeito que o do Windows Vista atrasou, o Office 12 está logo aí. Tem gente usando e testando. Tem screenshots dele na web. E muda bastante em relação ao atual. Clicadores de dois neurônios condicionados à disposição atual da barra de menus devem sofrer muito.

Além dos menus, mudam os formatos dos arquivos. Ninguém pense que não se perde nada de formatação entre versões diferentes – eu vivo com problemas entre Offices 97 (muita gente ainda usa), 2000, XP e 2003 (com aquelas barras pavorosamente feias dele). É óbvio que o pessoal de TI da Câmara vai enfrentar de novo os mesmos problemas de sempre com as inevitáveis mudanças. O que a Câmara vai fazer? Pedir que as mesmas partes que não poderiam ser incomodadas para adotar o OpenOffice evitem um upgrade para a próxima versão?

E quem garante que os sistemas que dependem do Office atual não vão quebrar com a próxima versão? E, se quebrarem, o que é mais inteligente? Atualizá–los para que dependam da próxima versão ou modificá–los para que não dependam do Office?

R$ 6 milhões?!

As licenças a serem compradas, as mais ou menos oito mil, custariam à Câmara perto de R$ 6 milhões.

R$ 6 milhões cobrem, a preços atuais, umas 100 mil horas de bons programadores. 100 mil homens x hora dão 625 homens x mês ou ainda 52 homens x ano – ou seja: empregar uma equipe de 52 pessoas por um ano ou 10 por uns cinco anos. Dizer que o OpenOffice está 100 mil homens x hora atrás do MS Office é, no mínimo, risível.

Melhor que isso – esses R$ 6 milhões poderiam pagar por desenvolvedores e gerentes de projeto que entendem melhor os problemas da Câmara e que podem conversar diretamente com o pessoal de TI da própria Câmara para saber onde o sapato aperta – se é na organização dos menus, no texto vertical, no deployment automático dos templates, em alguma integração com ferramentas de workflow, nos gráficos do Excel. Quando foi a última vez que a Microsoft disponibilizou alguém que pudesse de fato interferir no feature–set do produto para deixar um grande usuário feliz? Quanto você pagaria para influenciar o desenvolvimento de um produto importante pra você? Você acha mesmo que oito mil licenças fazem de alguém um grande usuário?

Não sei quanto a você, mas eu prefiro mil vezes gerar empregos em Brasília a gerá–los em Redmond ou na Índia. Acho que nenhum deputado brasileiro vai discordar disso (embora o pessoal de Redmond e Bangalore certamente vá).

A iminência da pizza

O pior de tudo é a impressão de que os mesmos pizzaiolos de sempre vão acabar conseguindo a compra de qualquer modo. E que, ano que vem, alguém encontre mais desculpas esfarrapadas para gastar mais R$ 6 milhões porque “agora sim os problemas serão resolvidos”, “agora sim, vai ficar bom”.

Se acabar mesmo em pizza, quero a minha meia pepperoni, meia alcachofra. Mandem junto uma Coca–Cola de 2 litros. [Webinsider]


Avatar de Ricardo Bánffy

Ricardo Bánffy (ricardo@dieblinkenlights.com) é engenheiro, desenvolvedor, palestrante e consultor.

Share on facebook
Share on twitter
Share on linkedin
Share on whatsapp
Share on telegram
Share on pocket

6 respostas

  1. primeiramente, quero le dizer que te admiro muito pela pessoa generosa que vc é, o motivo de te escreve moro em uma cidade pequena e muito carente, a violencia,as drogas o vadalismo qua aumenta cada dia entre os jaovem, a falta de emprego é o pricipal causador, estou concluindo o ensino fudamemntal, e meu sonho é ser jornalista, mais a unica cmera que eu tinha quebro e com ela esta indo embora meu sonho de se torna um jornalista,nao quero estragar minha vida nas drogas como muito faz aqui,por isso venho pedir por favor que manda-se uma maquina fotografica para que eu possa continua com me esforçado.
    emai:ezequielbass@gmail.com
    endereço
    rua:joao batista varela nº14
    cidade:maraial
    estado:pernambuco
    cp:55405-000

    conto com sua ajuda, que Deus te abençoe

  2. Horroroso!!!Foi o que lemos e assistimos dias atrás nos veículos de comunicação.O deputado federal ClodovilHernandez atacou verbal e covardemente a deputada Cida do PT eque,diretamente ofendeu todas as mulheres do Brasil.Domingo ele disse em entrevista que as mulheres trabalham deitadas e descansam de pé.Coisa triste de se dizer,pois generaliza e banaliza todas as mulheres.Esse senhor costuma usar borbões os quais todos ja estamos cansados de ouvir.Ele é ridículo.Ridícula tambem a mega votação que obteve nas urnas.O povo deveria aprender a votar,é um deboche colocar uma pessoa assim para representa-los.Os políticos tem que ter seriedade e sensatez.Nosso país precisa de Homens de Peso e MEDIDA…o que esse senhor fez e tem feito de bom para o País…Para um salário tão alto,é preciso mais seriedade.Com um pouco de ajuda podemos ter um país melhor.

  3. Parabéns pelo artigo! Temos que ficar atentos a absurdos como esse. Por experiência própria, o problema que vejo na implantação do software livre no governo e em diversas empresas, é que aí não haverá bola pra ninguém.

  4. E vc duvida que esses caras sejam analfabetos digitais? Cara, esses políticos são fodas… 6 mega-reais em Office? fala sério… Enquanto isso, o governo diz q não tem dinheiro pra consertar as estradas, e não investe em muitas áreas necessitadas. Tô cansado. Vou clandestinamente pra fora do Brasil… Melhor que ficar aqui agüentando quieto essas porradas diárias na cabeça…

  5. Só no Brasil mesmo. Acho que 6 milhões de reais pra eles é pouco e além do mais vai aumentar o capital da Microsoft.

    OpenOffice foi a unica ferramenta que me agradou na questão de Office, já usei o do Corel (esqueci o nome) e usava o Office XP (pirateado :D) e resolvi sair desse mundo 🙂

  6. concordo em gênero, número e grau.

    se o governo quiser, pode impor uma gradual mudança para o software livre e para a legalidade.

    os 6 mi seriam melhor investidos se fossem aplicados num esforço pra melhorar a documentação e a divulgação do OpenOffice no Brasil…

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *