O barulho e o silêncio das comunidades que trabalham

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Samba, suor e internet: de um lado o surdo dos otimistas, que a consideram a redenção da democracia na avenida.

Do outro, o tamborim dos pessimistas que acreditam que por mais voltas que a rede dê, tudo vai acabar na concentração (com trocadilho) e, quem sabe, em monopólio.

Pólos opostos se fantasiam de números, conceitos, autores e marchas para atrair foliões para o respectivo desfile.

Mas diante do novo, do desconhecido, como saber realmente o que é ponta de iceberg ou apenas pedaço de gelo?

Parece–me que, assim, antes de afirmar, é preciso questionar. De mal–dizer, conhecer.

Foi o que fez Simone Pereira de Sá, professora do Programa de Pós–graduação em Comunicação do Departamento de Estudos Culturais e Mídia da Universidade Federal Fluminense.

Acompanhou durante um ano, entre 2000 e 2001, a lista de discussão sobre carnaval, criada em 1998, batizada por ela de RC, “com o objetivo de reunir pessoas que se interessem pelo carnaval carioca e por suas escolas de samba”.

Relatou o que assistiu no livro: O samba em rede: comunidades virtuais, dinâmicas identitárias e carnaval carioca, lançado pela Editora E–papers.

A autora na publicação desfila pelas teorias das novas tecnologias da comunicação, comunidades virtuais, listas carnavalescas e práticas comunicacionais na web.

Sobre a lista pesquisada não há no livro dados sobre a quantidade de mensagens trocadas, número de participantes, regiões, faixa etária, o que me deixou meio perdido.

É dito, entretanto, que os membros são autores de obras sobre escolas de samba, carnavalescos e membros de diretoria de escolas, jornalistas especializados, compositores, radialistas, puxadores de samba, donos de alas, que vendem fantasia.

– Ao lado deles, encontramos participantes de procedências diversas, de outras cidades e regiões do Brasil e do exterior, alguns deixando claro que são velhos conhecidos do mundo do samba, que já participaram de desfiles e que estão temporariamente ausentes da cidade; outros, realmente novatos geralmente não residentes no Rio de Janeiro, desculpando–se por não entenderem tanto de samba, mas querendo aprender.

Apresenta também resultados práticos dos anos de convivência dos participantes: encontros presenciais regulares, a vinda de várias pessoas ao Rio para o carnaval, inclusive se hospedando na casa de outros membros da lista.

Destaca ainda a criação de um prêmio informal, promovido pela comunidade virtual, com voto dos freqüentadores do Setor 3 do Sambódromo, que culminou com a congregação com os carnavalescos premiados na quadra da Escola de Samba Paraíso do Tuiuti, nos anos de 1999 e 2000.

E uma intensa troca de mensagens sobre o carnaval incluindo informações regulares sobre o tema, como narra um dos participantes, em entrevista para o livro:

“A Internet congrega uma porção de pessoas como nós, que amam o carnaval, que conhecem todos os sambas, que discutem questões importantíssimas e que são em sua grande maioria jovens (…) Eu fico maravilhada de ver garotos (…) acompanhando atentamente o que se passa aqui, lendo jornais, comprando discos antigos, sempre bem informadíssimos. E já imaginaram quanta gente existe nas mesmas condições, mas ainda não está ligada à rede?”.

No que podemos considerar como uma comunidade virtual bem gerenciada, a autora tenta explicar os resultados interativos:

– Nenhuma ferramenta tecnológica é capaz, per se, de automatizar este fenômeno. Ao contrário, a manutenção de uma comunidade se baseia nas noções de cooperação, reciprocidade e administração satisfatória da tensão e do conflito interno.

E justifica que este ambiente propício para a interação é dado, “à medida que eles (os membros da lista) percebem que há um ganho neste convívio, traduzindo no que (Howard) Rheingold chama de colletive goods, ou bens coletivos, do grupo”.

Estas considerações fazem com que a pesquisadora, tome partido:

“A pesquisa junto à comunidade virtua RC revelou uma outra possibilidade de compreensão do problema, decerto menos cética com o ideal comunitário. Pois, ainda que o conflito, o dissenso e mesmo a efemeridade e volatilidade das participações apresentem–se como ameaças, o que testemunhei durante o período da observação foi o bem–sucedido esforço de um grupo para se manter conectado e assim, por meio da Internet, solidificar os laços de convívio e compartilhar uma visão de mundo sobre o Carnaval carioca””.

E finaliza:

“Neste caso, portanto, não tenho dúvida de que a Internet é potencializadora desta rede de afinidades, contribuindo decisivamente para a construção deste coletivo e justificando assim o interesse acadêmico em torno da temática do ressurgimento do ideal comunitário através das redes digitais”.

Eu complementaria, concordando com a autora, que nem tudo na rede é comunitário, amplia a democracia ou traz o novo.

Mas quando comunidades virtuais são bem gerenciadas, permitem, sem dúvida, ações multiplicadoras, dentro e fora da web, como citadas ao longo do livro.

Uma característica importante das comunidades virtuais é o seu invisível trabalho, já que geralmente não se reúnem, não fazem passeata ou ato público.

Lembram bastante o escarafunchar das formigas e cupins no silencioso mundo das paredes.

Foi neste silêncio escrito das trocas de e–mails diários, que diversas inovações nestes dez anos forçaram mudanças em setores monopolistas:

Na sociedade: poderes centralizados x acesso ilimitado à informação e produção de informação em rede (possível com a própria internet, construção maior das comunidades inteligentes);

Na indústria do software: Microsoft x Linux;

Na de telecomunicações: teles x Skype;

Na de entretenimento: produtores de música e filmes x MP3+E–mule.

Quanto mais atores se apoderarem desse potencial, que estará cada vez mais aperfeiçoado e difundido, mais mudanças teremos.

Se tivéssemos um pesquisador assistindo, como fez a autora, o “barulho” de todas as comunidades virtuais que produziram esses fenômenos irreversíveis em escala global, poderíamos ter a dimensão exata do papel das comunidades virtuais bem gerenciadas nas mudanças que hoje ocorrem no planeta.

(A história destes fenômenos ainda não foi devidamente contada).

Assim, esse poder de articulação globalizado, pela primeira vez disponível ao ser humano, não ocorre pelo simples contato com a tecnologia, mas, construído.

Ou seja, o poder interativo da web é uma alternativa, uma oportunidade à disposição dos interessados. O que vamos fazer com ela, depende de cada um e de cada grupo.

Na verdade, nem os otimistas e pessimistas têm razão: nem mar, nem terra – apenas praia para quem quer se banhar!

A rede não é para quem gosta ou não de samba, mas para quem quer sambar, como cantarolava Noel:

A vila tem um feitiço sem farofa
Sem vela e sem vintém
Que nos faz bem. [Webinsider]

Carlos Nepomuceno: Entender para agir, capacitar para inovar! Pesquisa, conteúdo, capacitação, futuro, inovação, estratégia.

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