Alguns produtos de entretenimento doméstico (e quase todos os produtos do entretenimento digital) são meios de comunicação de massa assíncronos. A indústria produz em massa, distribui em massa, mas o consumidor ou receptor consome quando quer.
Os meios de massa tradicionais, não. Você assiste, ou assistia, o programa de TV quando a emissora quer. A mídia está cada vez mais assíncrona: TIVO, TV digital, vídeos na web, MP3 players, iPod vídeo, videogames… todos têm contribuído para essa nova realidade.
Estamos vendo a aproximação de conceitos até então antagônicos, que hoje têm se mostrado complementares: o surgimento do ?broadcast on demand?. Emissoras de TV mundo afora já usam o termo para disponibilizar seus conteúdos na internet. Isso acontece concomitante à popularização de tecnologias domésticas. Mais computadores nas casas, internet, gravadores de CDs, DVDs e sabe-se lá mais o quê trazem também a pirataria doméstica e a profissional.
Pesquisa publicada na Folha de São Paulo (12/10/06), realizada pela Fecomércio, afirma que 42% dos paulistas compram produtos piratas, por causa do preço. Também na Folha, em 14/09, foi publicada pesquisa da ABP onde verifica-se que foram queimados 13% a mais de CDs do que vendidos. O assunto suscita discussões acaloradas, especialmente entre os executivos da indústria do entretenimento. Advogados, processos onerosos e desgastantes para, no fim, a tendência ser verificada. Arquivos são trocados, inevitável. Proíbem um jeito, surgem outros tantos.
Além de processos, a indústria dos conteúdos audiovisuais, games e cinema briga pra ver se o novo formato de suporte será BlueRay ou HD-DVD. No fim das contas, essa discussão é sobre capacidade de armazenamento. Qualidade e outros senões são conseqüência de mais informação no mesmo disco. O debate deveria ser centrado na diversificação de canais e de fontes de receita. Não na capacidade de armazenamento do suporte.
Conheço gente que baixa jogos. Um amigo baixou o Winning 11 por computador. Levou uns três dias, mas baixou. Um aluno semana passada me mostrou, em seu computador, o primeiro episódio da terceira temporada de Lost. Pegou no BitTorrent, seis meses antes do lançamento previsto da série na TV fechada brasileira. Outro tem uma coleção de filmes de dar inveja em muito cinéfilo por aí. Todos no HD do computador, trocados ou baixados pela rede. Demora, mas ele teve paciência.
A penetração da internet e sua velocidade de transmissão ainda são limitantes, mas essa mesma plataforma, a internet, vem como uma avalanche nessa bagunça instaurada e se oferece para os mais diversos meios como uma plataforma de serviços fenomenais. Já está provocando mudanças há pouco consideradas absurdas na maneira como consumimos nosso tempo. TV no celular, telefone via VoIP na agenda eletrônica, filmes inteiros no player portátil enviados via BlueTooth para amigos. E a indústria do entretenimento preocupada com a capacidade do suporte…
O segmento industrial que primeiro sofreu o impacto dessa nova realidade foi o da música, pelo menor tamanho de seus arquivos. Queda nas vendas do CDs, processos e agora parece que o caminho se desenha: compra de arquivos pela internet ou download gratuito patrocinado por anunciantes. Hoje a discussão está nos grandes estúdios de TV e cinema e nos games.
É sabido e notório que o mercado brasileiro de jogos não é visto com bons olhos pelos grandes players internacionais por conta da pirataria. Os produtos oficiais não conseguem brigar com os piratas, a guerra de preços é injusta. Será? Será que um jogo como o Halo, que faturou US$ 125 milhões em um único dia nos EUA precisa mesmo custar quase R$ 200,00 no Brasil? Será que não existem formas mais baratas de distribuir esse jogo? Será mesmo que não existe outro jeito de obter retorno sobre o investimento?
Quando a internet estiver na maioria dos lares nacionais, quando a velocidade da troca de arquivos fizer com que um filme inteiro seja acessível em menos de três minutos (TV digital?), quando essa mesma acessibilidade atingir os mais diversos aparelhos (celulares, players portáteis…), quem vai precisar de disco? Dá até pra ir além e perguntar: pra quê o HD?
Quando a internet sem fio e de alta velocidade for padrão e você conseguir acessá-la do seu aparelho portátil (celular, Zune, iPod, notebook…) de qualquer lugar, você vai precisar ter o arquivo gravado? Quando o broadcast for realmente on demand, voltaremos ao ponto: centrar o debate na diversificação de canais e de fontes de receita, não na capacidade de armazenamento do suporte.
O investimento publicitário pode ser um dos principais viabilizadores disso. Propaganda nos jogos já é realidade. Se os jogos tivessem maior penetração, a receita publicitária seria maior. Voltando ao exemplo do Halo, foram 2,4 milhões de cópias vendidas nas primeiras 24 horas. Se cada cada cópia foi jogada ou assistida por duas pessoas, temos aí 4,8 milhões de pessoas impactadas, numa conta chutada para baixo e sem a devida qualificação de perfil.
Para ficar num raciocínio simplista, não dá para, com isso e para isso, reduzir o preço dos jogos nos pontos de venda? Brigar com a pirataria oferecendo o mesmo produto por quase o mesmo custo? Será que não dá para ?deixar rolar? a troca de arquivos na internet? Será que não é melhor pensar em mensurar a audiência ao invés de controlar os direitos (DRM)?
Longe de ter a uma solução, deixo aqui uma semente. [Webinsider]
André Ursulino
<strong>André Ursulino</strong> (aursulino@espm.br) é professor universitário, atua com desenvolvimento de produtos para uma emissora de TV e é colunista do <strong><a href="http://www.gamecultura.com.br" rel="externo">Gamecultura</a></strong>.
14 respostas
Nós temos por uma questão de hábito que colocar a culpa de nossa própria incompetência em outras pessoas, situações, etc (o que a imaginação permitir). Mas o grande problema da pirataria não é a pirataria em si, mas a oportunidade dada pelos fabricantes para que isso ocorra. Explico. Nunca tive software orininal em meu pc cinza. E não vou ter (por causa do preço, etc) Mas há 6 meses achei um game na internet que não precisei comprar o Download. Fiz o download e passei a jogar. Já torrei mais de 200 dólares nele nestes 6 meses e acho que continuarei fazendo isso.
O modelo de negócios do próprio fabricante está obsoleto e quando algumas pessoas conseguem burlar suas proteções, ao invés de olharem para novos modelos, culpam os usuários. Não tenho a menor pena destes modelitos (coisa de boiola mesmo)… Evoluam ou morram no poço de alcatrão!!!
http://www.entropiauniverse.com para quem ficou curioso.
Valeu
Eu vejo um novo cenário se formando.
Tudo começa na produção: quanto maior a obra (filme, game, música, etc…)maior o custo e, por conseqüencia, maior o risco de não se obter o retorno do investimento. Então cresce a importancia da propaganda: vender meu peixe não apenas pro meu bairro mas pra minha cidade, meu país, se possível para todo o planeta. Essa publicidade também tem seu preço que por sua vez eleva ainda mais o custo da idéia inicial. Aumenta o risco. Câmbios, impostos, lucros de distribuidores, lucros de lojas. Ainda mais risco. O produto final que chega ao consumidor passou por tudo isso. Ele já não paga só pela idéia mas por tudo o que ela passou para chegar até ele.
Isso começa a afetar o consumidor que queria, por exemplo, ouvir a música (chata) do Black Eyed Peas em casa mas acaba percebendo que tem que pagar até pela calça que realça a bunda (gostosona) da Fergie (gostosona) na foto (photoshopada e que pode ser encontrada gratuitamente no google) da capa.
Eis então que surge Robin Hood: ele pega a obra, despe-a de tudo isso e entrega-a ao consumidor final rapidamente, muitíssimo mais barato e dentro da sua casa. Uau, mágica!!!
Não, não é feitiçaria – é tecnologia. Internet.
Existe um modo de trazer o produto até consumidores por todo o globo a custos acessíveis. Então por que não fazê-lo? É tão impensável criar regras para distribuição on-line e/ou regulamentar pequenos distribuidores ao invés de enviar a já superatarefada polícia federal atrás deles? Tentar transformar um criminoso em um cidadão produtivo e que gera impostos? É mesmo necessário que existam tantas barreiras entre emissor e receptor de uma idéia, sendo que a maior distância (tempo/espaço) já foi há muito vencida?
Produtores deveriam se aproximar mais do consumidor final, agindo de forma independente e tendo uma proximidade maior com pequenos distribuidores locais, mas estes preferem, por exemplo, se esconder de seus públicos-alvo atrás de gravadoras e ficar pagando jabá para tocar nas rádios e para aparecer no Faustão.
A partir do momento em que o consumidor perceber que ele está pagando por muito mais do que queria, vai haver uma guerra. Uma guerra silenciosa e sem sangue nem violência, em que o maior exército que já houve vai exigir ser ouvido.
A um tempo atrás estava lendo um artigo sobre pirataria e o autor (não me lembro mais o nome) fazia o seguinte levantamento:
?A indústria nos deu o gravador de CD a preços absurdos, mas para vender conseguiu baixar e tornar acessível à massa compradora. A mesma coisa fez com o gravador de DVD e mais tarde com a banda larga. Pergunta: o que eles pensavam que iríamos fazer com estas coisa??
A verdade é uma só: matar nosso desejo de ter algo que não podemos comprar por diversos fatores, sendo que três se destacam: o peso do imposto sobre a mercadoria, a ganância de quem vende (games, cd e dvd) e por fim a falta de respeito que as emissoras de TV têm para com o público no Brasil (mutilação e horários ingratos de filmes ou episódios para caber na grade de programação cada vês mais sem conteúdo).
Assim, como voe mesmo disse, a indústria deveria gastar menos com seus processos contra usuários e ver encontrar uma forma de distribuir os produtos sem passar pelo armazenamento e ainda assim gerar lucro.
Marcelo, veja bem, não acho que a pirataria na indústria dos jogos seja um problemas para investimentso publicitários. Muito pelo contrário!
A questão aí é o fim do armazenamento doméstico. É o fim do CD, do Memory Card, do iPod, do suporte. É essa discussão boba entre qual o melhor suporte, HD-DVD ou BlueRay. O melhor é não precisar de suporte! O ideal é poder acessar o que você quiser, de onde você estiver, a hora que quiser.
No caso da realidade brasileira, especificamente a indústria de jogos/consoles, a redução do preço seria um bom começo para combater a pirataria e estabelecer um mercado formal, uma grande base instalada para que seja viável começar a se falar de jogos on-line fora do PC.
Quanto ao seu artigo, concordo em gênero, número e grau. Ele até já me serviu de exemplo em sala de aula para demonstrar possiblidades de segmentação e detecção de nichos.
Caros,
A pirataria em jogos já deixou de ser um problema para investimentos publicitários.
O foco está cada vez mais nos jogos online e já existem empresas que possuem tecnologia para servir publicidade nesses jogos dinamicamente e com segmentação por país, através do IP do jogador. Com essa tecnologia, é idiferente se o jogador comprou software pirata ou não. A Microsoft inclusive comprou uma delas, chamada Massive Inc.
Já escrevi sobre isso em um artigo ano passado:
http://webinsider.uol.com.br/index.php/2005/09/09/games-e-a-publicidade-online/
Abs
MS
Tambem concordo que o preço não seja o principal culpado… escrevi recentemente no meu blog (http://designative.blogspot.com) um artigo sobre games na China — onde a pirataria reina e usuarios nao querem pagar pelos jogos–, e sobre como as empresas de desenvolvimento estao tentando encontrar outras formas de capitalizar com seus jogos.
Não acredito que que o Brasil não seja um mercado interessante para a indústria de jogos por causa da pirataria. Eles podem até afirmar isso, mas acho que é papo furado. Como já foi dito, os nossos impostos tornam impossível a entrada da indústria de videogames em nosso país. Somos um país de pobres, sem dinheiro – não um país pobre. Não há aqui mercado para videogames ao custo legal. Os impostos junto com o número de consumidores reduzidos não gera demanda suficiente para sermos um território interessante. Esse argumento não cola por outro motivo: a China é o berço da pirataria de Videogames, é lá que faz-se os chips que permitem aos consoles rodarem os jogos piratas. Lá prensam-se jogos piratas, nem queimados são. E lá mesmo a indústria de Videogames oferece seus produtos. Claro, daquela massa toda há que se tirar público para qualquer coisa. O que aconteceu com o Gamecube no Brasil? Não deu nem pro começo, desistiram. Não há massa para pagar os altos preços de impostos e sustentar uma política de preços mais razoável.
Interessante artigo, e acrescento que nos casos dos jogos existe um diferencial grande qaundo a empresa que o fabrica sabe explorar seu potencial ONLINE, eu mesmo já comprei jogos originais para poder jogar na internet com os amigos, isso vale a penapor isso tem jogos que são de graça, mas você paga para jogar online, ou seja você paga pela experiência que ele lhe proporciona.
André,
Um bom exemplo para esse modelo seria os jornais distribuídos gratuitamente em outros países.
A empresa não ganha diretamente com o produto jornal mas sim com a publicidade veiculada nele, que por sua vez é justificada pelo alto volume de circulação. Todos saem ganhando.
Não acho que seja só o preço único culpado, Luigui. Acho que o combate passa por uma reformulação do modelo de negócio da indústria, da cadeia de valor.
Diversificar canais e fontes de receita é minha sugestão estratégica. Mas, pra que isso se torne viável, pressupõe-se bandas cada vez mais largas cada vez mais presentes.
Por enqaunto, acho que o preço seria um bom começo.
André,
Culpar apenas o preço do produto seria um erro, uma vez que não só o fabricante é responsável pelos elementos que formam seu custo (leia-se : impostos).
Além disso existe a mania de querer levar vantagem em tudo o que se faz. Será que realmente sai mais barato ficar dias e dias com o computador ligado, conectado, baixando um software? Se fizermos as contas, pode ser que o valor no final das contas seja quase o mesmo, no entanto parece mais barato.
A pirataria (de forma generalizada) não é um problema, mas sim um sintoma de muitas outras coisas que estão erradas em nosso país (baixo poder de compra da população, estímulo à informalidade, falta de incentivos, etc…).
Enquanto existir esses impostos absurdos, o preço sempre será elevado… o problema é o imposto junto com o preço do dollar!
Dae vem a pergunta, o ladrão de fato é quem pratica a pirataria (como camelôs e etc.) ou é aquele causa a pirataria com os impostos abusivos?
Acredito que, pelo menos para a música, o preço não é a única coisa que importa. Vejam o caso do cenário musical independente: As pessoas baixam as músicas gratuitamente, ouvem e, quando gostam, compram os CDs. Esse é o ciclo e ninguém criou ele.
O fato de ninguém ter criado é o que deixa tudo mais incrível. Esse ciclo acontece de verdade e começou a acontecer [quase] naturalmente. É lógico que a internet deu um pontapé enorme.
Eu sei que se eu não ajudar as bandas que gosto, não verei novos CDs e, muito provavelmente, novos shows. A primeira etapa do ciclo, deixe-me ouvir para ver se é bom mesmo, é muito importante.
As bandas que acabam, geralmente acabam por dois motivos: 1) porque são ruins e não conquistaram nenhum público; 2) porque assinaram com uma gravadora mainstream, que excluiu a primeira etapa do ciclo.
Essas gravadoras mainstream, aliás, estão ganhando muito dinheiro com as bandas que eram independentes. Lucro temporário…
No Brasil rola muita pirataria justamente pelo preço absurdo dos games. Eu tenho um PS2, e realmente, enquanto um jogo é comercializado nos states por US$ 20,00 , aqui no brasil está acima dos R$ 100,00.
Junta isso à cada feirinha que você acha o jogo por R$ 10,00…
Com certeza o preço é a principal causa da pirataria aqui no Brasil… E mesmo se reduzirem muito o preço, vai levar um certo tempo para o pessoal mudar seu hábto de baixar os jogos pela net.