A falta de first life nas agências

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Muita gente que trabalha em propaganda tem feito uma autocrítica: a propaganda brasileira não é mais a mesma. Falta a emoção, faltam aquelas campanhas memoráveis que nos faziam rir, chorar e ficar cantarolando o jingle. Em internet, isso é ainda pior: você se lembra de uma campanha online brasileira que entrou para a história? Daquelas que sua família comenta com você no almoço de domingo?

Existem muitos motivos para isso: a pressão por resultados, a impossibilidade de errar, a quantidade enorme de idéias que é usada todos os dias. Mas um dos grandes motivos que tenho visto é a falta de first life nas agências.

Uma idéia é semelhante a uma receita. Você pode fazer desde um prato básico que funciona até experimentar algo novo que surpreende. Mas para conhecer os “ingredientes” que estarão no seu anúncio ou campanha, você precisa ter referências na vida real. Algo que os publicitários têm cada vez menos tempo para buscar.

Passando cada vez mais tempo nas agências, não sobra tempo para conviver com outras pessoas e, consequentemente, ter emoções e sentimentos. Imagine quantas boas idéias aparecem, por exemplo, do convívio com um filho? Em uma ida a um restaurante, observando as pessoas ao seu redor? Até mesmo a tristeza pode ser inspiradora – quantas músicas incríveis não vieram desse sentimento?

Com a falta de tempo, as pessoas também não conseguem buscar referências em seus momentos de lazer: um filme, uma peça, uma exposição, até mesmo uma revista de fofocas. O máximo que conseguem fazer é trocar playlists no trabalho para ouvir as músicas que os outros estão ouvindo.

Outro ponto que faz muita falta é a atualização. Olhe para as pessoas que trabalham perto de você. Pergunte qual o último curso que fizeram. Se têm a intenção de fazer uma pós-graduação. Médicos e advogados estão sempre se atualizando para ficar por dentro das novidades. E os publicitários?

Existe mais um fator, muito polêmico, que envolve duas gerações de publicitários. Os publicitários de uma geração reclamam que não existe mais o conceito, o rascunho. Dizem que tudo é feito na tela do computador, na base do acerto e erro, e que por isso perde-se tempo na execução ao invés de perder na concepção. Os publicitários da nova geração defendem-se dizendo que é o modo deles pensarem.

Além da falta de campanhas marcantes, um grande sintoma de todos esses fatores são as coincidências: com fontes de referência em comum, ou com a falta dessas fontes, os trabalhos acabam mesmo muito parecidos.

Quem não lê, não escreve. Quem não folheia livros de arte não consegue fazer um bom layout. O Google, por exemplo, permite que seus funcionários usem até 20% do seu tempo de trabalho em projetos pessoais. Claro que as agências não podem se dar a esse luxo, mas não é uma idéia interessante colocar um pouco mais de first life em nossa vida? [Webinsider]

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Cezar Calligaris (cezar@gmail.com) é consultor de projetos digitais no Reino Unido.

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23 respostas

  1. Bacana. Concordo com o André Resende. Essa geração que consome mais rápido do que consegue produzir. Isso não dá espaço para a inovação. O fato é que, independente do emprego, perdemos a capacidade de apreciar ou valorizar o que é feito e ao mesmo tempo supervalorizar o que fazemos com pressa (com ilusão de eficiência) porque perdemos a capacidade de gerar um processo de criação que tome tempo além do que é imposto por cronogramas ou prazos e consequentemente ocorre a perda gradual da noção de que as coisa e idéias têm um “tempo de gestação” para nascerem e com isso a mediocrização dos resultados. Isso acaba refletido na (des)valorização do trabalho, que pode ser feito por qualquer um com acesso às mesmas ferramentas no ponto de vista dos chefes que exigem eficiência maquinal. Por fim, acabamos fazendo o que a humanidade tem feito desde que começou a se aglomerar e consumir recursos naturais como se fossem infinitos: sempre o possível, nunca o melhor.

  2. O Google é sempre referência de como um empresa foi tão longe trabalhando no seu dia-a-dia de maneira tão diferente.

    Acho que todo mundo gosta deste exemplo mas infelizmente poucos tem a coragem de fazer algo parecido na sua empresa. No final acaba prevalecendo uma postura mais conservadora mesmo. O fato é, o ser humano não é feito só de trabalho. Acredito que isso vale também para os seres humanos das agências também.

  3. Quanto mais vc entende do trabalho e mais ágil fica, mais trabalho te passam e dá no mesmo! O normal é ser sobrecarregado, quando alguém saímos da agência às 18h30 temos a sensação de alívio por ”estar saindo cedo”, quando na verdade está saindo no horário normal. Incrível, não?

  4. Tenho a impressão que o problema descrito é apenas um processo natural de industrialização da produção do conhecimento, visando produtividade.

    Apesar de sua análise partir do mundo publicitário tenho certeza que esse é um problema que atinge a maioria das profissões. Olhe para os jornais, todos iguais, com pouco espaço para a inovação.

    Sou estudante de Ciência da Computação e já vejo o quanto minha profissão mudou de seus tempos áureos (o Google é uma exceção). Hoje tudo tem metodologia, etapas a serem cumpridas, deadlines. Tudo no script. Assim fica difícil fugir da mediocridade…

  5. Artigo interessante, mas simplificador. Muitas coisas estão envolvidas nesse processo que acabou gerando esse estresse. Ultimamente, e era de se esperar, as pessoas dentro das agências têm reclamado cada vez mais da falta de vida pessoal e da exploração pura, simples e explícita. Contudo, sou pessimista. A realidade do mercado de trabalho (esse é um dos pontos em que você não tocou) torna a situação, a meu ver, irremediável.
    Antigamente dizia-se que a propaganda era um reflexo da vida. Talvez continue sendo e aí, explica-se porque ela está cada vez mais triste e chata.

  6. Cezar, parabéns pelo artigo…

    Um dia desses eu li uma reportagem na About que falava sobre prazo de validade dos criadores… o triste é constatar que nós realmente temos esse prazo de validade, e ele é muito curto, seja pelo desgaste criativo, físico ou simplesmente saco cheio, muito cheio…

    Mas o mais triste ainda é ver donos de agência cheios de blábláblá, reclamando do governo, da injustiça social, da falta de educacão do povo, da crise aérea….. Só que dentro do seu governo ele é injusto, sem o mínimo de respeito ao outro… que está alí abdicando da própria vida pela empresa dele, virando madrugadas e ainda tendo que ouvir o patrão chegar de manhã, todo cheiroso, com aquela cara de jantei fora ontem e acabei de chegar da academia, reclamar descaradamente que a criação não ficou tão boa, que ele queria algo mais incrível e espetacular na maior cara de pau!!!

    Eu torço muito para que as coisas mudem, e que as coisas só vão mudar nesse país, quando cada um fizer a sua parte de verdade, não só da boca pra fora!!!! A verdadeira revolução começa dentro de casa…

  7. Parabéns, adorei o texto e achei de uma iniciativa incrível!

    Várias pessoas e publicitários até sabem disso [do risco de ficar muito tempo envolvido com projetos e esquecer a vida real], mas não mudam por talves pensar no próximo projeto vou me dedicar mais às inspirações cotidianas e da natureza, mas quando esse próximo projeto chega, continua naquele escritório até altas horas e deixa novamente para o próximo projeto/trabalho, e assim vai vivendo!

    De grande valia esse artigo, assim abre os olhos dessas pessoas desligadas, não apenas publicitários, mas pessoas comuns que vivem na correria do dia-a-dia. Desligadas no sentido de viver mais e deixar que essa vivência atraia mais idéias, inspirações e melhores/novos sentimentos que enriquecerão sua vida financeira e pessoal.

    Abraço e fiquem com Deus

  8. César,

    Porque você acha que as agências não podem se dar ao luxo (que para mim a palavra seria investir) em conceder algum tempo para o funcionário ?

    Eu acho que pode sim, exatamente por todos os motivos que você mencionou acima, de poder ter um melhor aproveitamento das idéias geradas pelos momentos que podem ser mais criativos.

    E como ironia, as agências tendo que trabalhar com o Second Life e os funcionários ficando sem o First Life.

  9. Perfeita as colocações de todos e Cezar, parabéns!!! A idéia da first life provavelmente surgiu de alguns momentos de lazer, certo!?!

    Bem, como publicitário já virei noite, já perdi finais de semana, viagens com a família, baladas, etc. Mesmo assim consegui me casar e tenho uma filha maravilhosa!!!

    E só assim pude ver que a vida é muito mais feliz e prazeirosa quando temos uma realidade fora do computado! Orkuts e Second Lifes existem aos montes e muita gente pensa que iso resolve os momentos de solidão, etc.

    Em aula perguntei aos alunos quantos ficavam com a página do Orkut aberta enquanto trabalhavam, a resposta não foi o que eu gostaia! Isso torna as pessoas carentes de Contato físico. Mesmo estando na universidade eles sentem umacarência absurda por estarem antenados e muitas vezes se esquecem que existem 30 pessoas à sua volta que também podem ajudar em questões como uma tomada que não funciona, um café que ficou gelado por não ter sido consumido porque a quantidade de e-mail era gigante (e isso é cada vez mais frequente) ou simplesmente uma revista de fofocas, que não pode ler pois estava na hora de uma festa no SL.

    A gente precisa lembrar que é gente! E isso fará um mundo melhor! Não sou contra a tecnologia, mas tudo em excesso causa males.

    Cezar, o texto é perfeito e como o Jorge Castro, peço autorização para utilizá-lo em aula assim como os comentários das pessoas, que não identificarei, é claro!

    Abraços e continuem sempre a pensar realmente enquanto vivem virtualmente!

  10. Olá Cézar e turma !

    Li,como quase sempre,quando gosto de um artigo,as opiniões de todos e no meio da leitura me lembrei do filme :O diabo veste Prada,pois há um ponto que não foi observado nessa questão de profissionais sobrecarregados de prazos.Isso geralmente não acontece só com os Juniors ?

    Depois que você entende a contextualidade do seu trabalho,as coisas vão ficando mais faceis,assim como para Andrea (para quem viu o filme) que quando parou de dar mole,deixou de tomar puxão de orelha.Lembro nitídamente do meu começo de carreira quando ,as vezes,meu dia começava as 7:30 e ia até 1:30 da madrugada,parando algum tempinho,com a cabeça chapada sobre a mesa do computador,quando não aguentava mais de sono. Tá,vai…

    As coisas são díficeis no começo e não que eu esteja defendendo os Patrões,fica mais com um novo argumento na discussão.

    Debatendo recentemente com um profissional da área de projetos,fui recomendado a comprar uma produtora já no mercado,- ando fazendo Planejamento de Negócios da minha produtora – pois assim ficaria com clientes já conquistados (Um pouco inocente,eu sei),mas é que na cabeça de (quase) todos os profissionais o campo de serviço.

    Trabalhar com projetos é desumano,porém quando você entende a sua função (leia-se: começa a planejar todos os processos de um projeto) não há necessidade de virar a noite, afinal você tem um prazo para entregar e não, como ainda é realidade no mercado de produtoras do país, o cliente ligar hoje e querer pra amanhã.

  11. Já me chamaram de funcionário público pois volta e meia saio as 18h. Certamente ninguém recorda quando você chega mais cedo ou sai mais tarde.

  12. Cezar, meus parabéns pelas colocações pontuais e assertivas.

    Como sempre somos carentes de provocações como a sua que nos fazem identificar em nós mesmos esse sentimento de insatisfação, indignação acompanhados da pergunta: até onde irei agüentar? Qual o meu limite?

    Outra questão que me assombra é o cliente/consumidor que afinal está cada vez mais exigente, agradá-lo também se torna mais difícil, com o volume de informações atuais o acesso e a forma de como estes são atacados, assediados por diversos tipos de mídia, e-mails, que de modo negativo o deixam cansado e com ódio da insistência (muitas vezes mais irritante que religiosos que tocam a campainha de nossas casas bem cedo aos domingos).

    Logo nós temos que criar, inovar, virarmos de ponta cabeça para tentar algo realmente novo, que vem de encontro aos impasses e estruturas propostas hoje.

    Em paralelo o que me espanta me espanta é a atração e interesse dos consumidores por vídeos amadores, ações de guerrilha ou outras que disfarçadas de ações não profissionais, não planejadas que faz muito mais sucesso do que aquelas que passamos meses e meses preparando. Alguns grotescos e sádicos que salpicam as rodas de amigos incessantemente.

    Talvez com mais tempo para nós, conseguiríamos refletir, relaxar, ter idéias mais simples, criativas, naturais que nos aproximassem cada vez mais das emoções e da alma do ser humano.

  13. Cesar,

    Parabéns, muito bem sacado.
    Mas parece que você está falando do departamento de informática nas empresas.
    Vou utilizar esse seu artigo como instrumento em minhas aulas.

    Abraços,
    Jorge Castro

  14. Gente,

    Vamos ser sinceros: hoje em dia, sair do trabalho às 6h00 da tarde virou o 8º pecado capital. E eu, todos os dias, me pergunto: prá que isso???

    Creio, de verdade, que nozes – parafraseando o famoso vídeo no Orkut – precisamos de um pouco mais de ócio. É daí que vêm as grandes idéias, e não do ficar sentado na frente do computador 12 horas por dia.

    Porém, como disse o Alex Hubner, fico feliz em ver sinais de vida real no mundo. Quem sabe daqui a alguns anos a coisa muda? Trabalhei na Vodafone de Barcelona e todos tinham vidas normais – e reais – e eram muito competentes e tal.

    Parabéns pelo artigo!

  15. É isso ai Cesar, infelizmente é o reflexo de uma sociedade cada vez mais escravizada pelo medo da concorrencia, da falta de conhecimento, habilidades, metas…

    E a boa e velha vida (es)corre.

  16. Oportuno, preciso e inspirador.

    A falta de first life aliena, atrofia e imbeciliza uma geração inteira de profissionais. E o mais engraçado é que isso tende a se impregnar no dia-a-dia de todo mundo.

    Dá medo: a cultura do overwork, do minha agência, minha vida parece ter vindo pra ficar. E como em toda cultura dominante, quem não compartilha torna-se um ser estranho, o outro, sujeito a censuras e olhares de desaprovação.

    Afinal de contas, a gente vive pra quem? pros outros ou pra nós mesmos?

    * Pra quando tiverem tempo de ler: Domenico de Masi (Ócio Criativo; Economia do Ócio) 😉

  17. Ótima matéria! Realmente os trabalhos tem perdido aquele tom marcante por falta desse first life.

    A idéia do Google de 20% do tempo livre para projetos pessoais, foi que gerou um dos sites mais acessados no Brasil, a rede social Orkut.

    Todas empresas deveriam pensar mais nesse lado.

  18. Achei muito boa essa matéria! Pesar de eu não fazer parte desse caso, logo quando um publicitário se forma ou quando alguém escolhe fazer Publicidade na faculdade, sempre tem alguém que diz: é, mas você sabe né?! Publicitário não tem hora para entrar nem hora para sair. As vezes atravessa a noite na agência por conta de prazos apertados! Parece que já se tornou costume.

    Apesar de alguns terem esse costume por amor à profissão, a maioria dos que participam dessa rotina não fazem isso por amor, mas sim porque o chefão que ESBANJA First Life, que tem tempo de sobra para captar referências ou fazer o que quiser, cobra dos funcionários essa dedicação total à agência, aos clientes, etc.

    Acho apenas que isso não é apenas culpa dos chefões. Se os publicitários aceitam essa situação, que pena. Eu, sem querer me gabar ou nada parecido, não aceito. Faço meu horário e vou embora. Amo minha profissão e muito, mas amo também ter meu tempo livre, esfriar a cabeça, sair com meus amigos, e como vocês mesmos disseram, captar referências da First Life que COM CERTEZA vão me ajudar mais pra frente! =)

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