Um das promessas mais curiosas que essa profusão de pós-graduações e MBAs em administração e marketing existente por aí nos traz em sua propaganda é a inclusão do tópico “tomada de decisão” nos currículos dos cursos, entre tantos outros itens importantes de serem aprendidos.
Além de prometer, claro, preparar igualmente “profissionais altamente competitivos, globalizados, antenados com a modernidade” etc. etc. e mais uns mil et coeteras sempre tão repetitivos, sempre tão previsíveis (aos meus filhos, universitários, digo-lhes para, ao terminar a faculdade, primeiro irem conhecer o Brasil, o mundo, um pouco mais da vida; só depois devem pensar em pós-graduações e coisas assim).
Pois bem, ensina-se, aqui e acolá, esse negócio chamado tomada de decisão. E o que é exatamente tomada de decisão do ponto de vista do administrador contemporâneo? É decidir logo de uma vez, atabalhoadamente, sem reflexão, e fim de papo? É empurrar elegantemente com a barriga? Ou é fazer cara de rei-dacocada-preta diante de todo mundo (e postergar a decisão até que seu chefe sinalize o que espera para, aí sim, tomar a tal decisão)? É esse último o padrão atual?
Meu irmão é um engenheiro muito experiente e me diz que no seu ramo é assim. Tenho um amigo de infância, médico cardiologista, que ocupa importante cargo técnico-científico em multinacional farmacêutica, que também me garante que em seu setor as coisas são iguais. Incontáveis outros profissionais das mais variadas áreas dizem o mesmo. Eu sou publicitário há décadas, e ainda entro em pânico quando me lembro de que na propaganda nada é diferente. Meu irmão talvez tema que alguma das fábricas que ele projetou não funcione a contento; meu amigo médico talvez se amedronte diante da possibilidade de um novo medicamento provocar alguma urticária imprevista. No meu caso, apavoro-me, o mais das vezes, ao pensar no que se passa na cabeça do pessoal de marketing na hora de aprovar reclames.
Quem é publicitário com mais de um mês de experiência profissional, certamente já viu este filme: o cliente quer a campanha para a semana passada (pra ontem, é coisa dos anos oitenta; pra anteontem, dos noventa), porque seu planejamento é brilhante, mas inflexível e o produto TEM de ser anunciado impreterivelmente até o dia tal, porque a diretoria assim o quer, porque a matriz no exterior assim o exige… porque EXISTE UMA DECISÃO A SER TOMADA, ORA!
Desse modo, o tomador de decisão pressiona impiedosamente todo mundo, porque ?o relógio está andando!?
E lá se vão os bobocas dos publicitários correndo desesperadamente, na ânsia de alcançar e agarrar no tapa os escorregadios prazos insanos, lá se vão eles para mais uma maratona de noites sem dormir, de esgotamentos, de trabalhos e retrabalhos (que custam caro), de sofrimentos inevitavelmente contraproducentes… lá se vão eles.
Certamente, você já viu casos assemelhados. Talvez, você até já tenha sido vítima-protagonista de algum script do gênero. Veja só que exemplo tão real e tão interessante: hoje, neste dia em que escrevo, o prazo de lançamento de um produto, para cuja conta publicitária participei de concorrência há mais de cinco meses, está estourado em exatos vinte e cinco dias.
Não, leitor, você não entendeu mal. O produto já deveria estar nas prateleiras do varejo geral da nação há quase um mês, mas a gerente de marketing (ir)responsável pelo produto ainda nem sequer decidiu qual a agência vencedora! O mais curioso é que se trata de um produto fortemente sazonal.
Em outras palavras, já era. Se a elegante madame quiser vir a ter alguma chance de sucesso com seu avançado produto, que pense nele novamente só em meados do ano que vem. Neste ano, não dá mais, porque até aprovar, negociar mídia e fornecedores vários (produtoras de som e imagem, fotógrafos, modelos, fotolitos, gráficas etc.), produzir e veicular os anúncios e filmes que forem, já estaremos com um pé na próxima estação.
O chato da questão é que a tal senhora mobilizou exatas dez agências de propaganda para a concorrência. E deu a todas um prazo em torno de uma semana para o desenvolvimento de uma campanha nacional! Porque havia pressa! Urgia tomar-se uma decisão!
Considerando o número médio de profissionais envolvidos por agência, não menos do que umas cinqüenta pessoas trabalharam apertado, sabe Deus por quantos dias e quantas noites, quanto custo financeiro geraram para suas agências, e quanto custo pessoal caiu sobre suas famílias. Tudo para absolutamente nada.
Simples e absolutamente nada! Apenas porque uma profissional, executiva sofisticadérrima, quer dar-se a algum luxo inconfessável. Bem, faz uns dois meses que ela nos garantiu que a vitória teria sido nossa, mas um de seus diretores estava indeciso – acredite, leitor! – quanto a uma das palavras que constava do título de um dos vários anúncios apresentados. “Pois então que se mude a tal palavra!”, sugerimos eu e o Atendimento. “Não, as coisas não são assim em Propaganda”, ensinou-nos ela! “Meu diretor precisa refletir muito sobre qual palavra colocar no lugar”! Juro que foi exatamente assim. Também juro que esta é a milionésima vez que coisa desse tipo acontece comigo.
Havia algo importante a ser corrigido? Havia palavra a ser trocada? Conversa mole! A verdade é que, cada vez menos, encontramos nas grandes empresas profissionais aptos e com cojones para aprovar o que quer que seja, para tomar uma simples decisão e fazer a carruagem andar (nas pequenas e médias empresas é tudo mais fácil: a decisão fica a cargo do dono, e ele, via de regra, simplesmente decide, para bem ou para mal, e ponto final).
Em muitas empresas grandes, a jogada é simples de decifrar: partidários da teoria da ovelhinha perdida no meio do rebanho, muitos profissionais de todas as áreas a níveis hierárquicos escondem-se em grupos e comitês para a aprovação de qualquer coisa. É mais seguro, é mais confortável. Se a decisão, no final das contas, não foi tomada e o trabalho não saiu, isso é outro problema, dizem eles.
Aprovação grupal de campanha publicitária só pode dar em bobagem, porque não acontece nunca e, quando sai, são tantas as atrocidades cometidas na idéia principal que já não se a reconhece mais. Aliás, há um ditado árabe que diz que um camelo é um cavalo criado em equipe!
Reflitamos. O que significa, modernamente, “tomar uma decisão”? No popular, isso tem nome: ensebar, cozinhar o galo, fazer cera, ou seja, no lugar de decisão, tomar indecisão. Comportamento para o qual as tais escolas de business management, tão craques em formar pomposos profissionais de notebook-handling personal-marketing, não atentam: comunicação empresarial não se decide com regrinhas emanadas de teses sofisticadas; comunicação se decide a partir da amplitude e solidez de conhecimentos gerais, vulgo cultura pessoal, objetividade e, sobretudo, coragem para assumir riscos. Só isso.
Sobre negociações por descontos
Aproveito para mostrar aos carinhas de marketing um importante ponto de vista complementar: produtos industrializados são muito resistentes a negociações desumanas de descontos e de prazos para aquisição e/ou entrega. À exceção dos naturalmente perecíveis, os produtos não se alteram, permanecem íntegros, mesmo depois de haverem sido negociados com descontos exagerados e, até, em muitos casos, abusivos.
Se você obtiver 20% de desconto na compra de uma caneta, você leva a caneta inteira, do mesmo jeito; ninguém tirará 20% dela, fisicamente. Se obtiver 20% de desconto num comercial de TV, comprará os mesmíssimos 30 segundos, não 26 segundos.
Negociar prestação de serviços é muito diferente. Se você não concordar com os honorários de um profissional, agradeça-lhe a atenção dispensada e procure outro, mas não tente extorqui-lo, porque acima de tudo ele é um ser humano que se desmotiva e, mesmo que inconscientemente, vai prestar-lhe, se não um mau serviço, pelo menos um serviço muito aquém de suas reais capacidades.
A mesma coisa acontece se este profissional não se sentir respeitado e prestigiado em outras variáveis, como os prazos contratados, sejam os da aprovação, sejam os exigidos na execução dos seus serviços.
Submeter parceiros comerciais, como é o caso dos publicitários que o atendem, a sofrimentos dessa natureza “indecisória recalcitrante” ou é incompetência ou é desrespeito pessoal e profissional. Em ambos os casos, sem dúvida, é prejuízo.
E gerar prejuízo não é coisa que se ensina nas boas escolas do ramo.
Assim, concluo com as duas ÚNICAS leis da propaganda:
1) A pressa passa, a caca fica;
2) O tempo que você não teve para fazer bem feito da primeira vez, vai ter que arranjar para refazer a caca que ficou.
Saudações publicitárias. [Webinsider]
.
12 respostas
Nossa! E uma vez me passou pela cabeça fazer faculdade de publicidade.
Hehehehhehehhe… Cada profissão com suas particularidades.
Esse é o meu Brasil-sil-sil…
Zeca,
Parabens pelo artigo.
Ontem sofri com o que você fala de negociação de descontos.
Um cliente me mandou falar com o Veículo, quando já vinha fazendo negociação com o mesmo.
Se ele não esta pagando nada(a principio), e sabe que minha renda vai vir do BV, porque ele pede pra eu interferir na negociação do veiculo?
Ossos do oficios.
Tem que gostar muito da profissão.
Um abraço,
Lucas
Realmente !! parabéns pela matéria.
Infelizmente trabalhamos em grupos de joões sem braços em todos os níveis da casta.
A falta de compreensão quanto a diferença de serviço prestado e produto, pelas partes de projeto realmente atrapalham muito.
Ótima matéria.
Pois é Zeca, bem vindo ao mundo da masturbação! Gostaria de completar ainda o seguinte… É muito mais fácil procrastinar, enrolar o fornecedor, passar o custo para ele (na cara-de-pau), do que pôr em risco um rico salário de decisor, uma linda sala, status na companhia e entre os colegas.
É realmente uma tremenda falta de respeito.
Quem dera que os que pudessem ter o prazer de ler este artigo desse conta disso.
Concordo que hj os executivos nao sabem mais decidir, e em muitas areas é por medo da represalia em caso de erros. Paciencia, sempre achei que se nao posso decidir, esta empresa nao me serve e fui pra outra.
Quero comentar sobre a publicidade, pois eu sempre vi um problema, nao sou da area, mas sempre me pareceu que os profissionais gostam de contar vantagem sobre um prazo impossivel que cumpriram ou um noite que viraram acordados e produziram uma peça de campanha excelente.
Quando se negocia com agencia como fornecedor, elas sempre tem mania de pedir boneco um modelo nao funcional mas que toma tempo para produzir. Eu acho que esta errado. Eu so produzo depois de contrato assinado, briefing preenchido e carta de autorizacao de trabalho emitida.. para depois nao ter gente me dizendo que nao era bem assim
Acredito que esta loucura de prazos de publicidade nao vai acabar ate os profissionais exigirem normaos mais rigidas, regras de inicio de atividades, custos de pedidos de alteracao, mudança de prazos etc.
Cliente paga, mas nao tem que mandar, tem que pedir. Por que afinal, o profissional é quem foi contratado para fazer o serviço, se o cliente soubesse fazer nao contratava.
Eu pago o pedreiro da reforma do meu apartamento e digo como quero, mas ele me diz o que nao fica legal e o que ele nao quer fazer porque vai ficar ruim e ele nao quer se comprometer. Isso é respeito ao profissional, ele sabe fazer, eu, so acho que fica legal..
eh isso.. um abraco a todos
Gostei do artigo! (Apesar de retratar a dura realidade… Ou especialmente por isto!)
Apenas um detalhe (afinal, o diabo mora nos detalhes!): 30 segundos com 20% de desconto é igual a 24 segundos…
Saudações!!
Realmente existem inúmeros profissionais que não cumprem seu papel de tomadores de decisão, seja por insegurança, falta de conhecimento ou mesmo incompetência. Logicamente, isso traz problemas para agências e demais parceiros. Mas é preciso entender que em grandes organizações, muitas vezes as pessoas (teoricamente) responsáveis por aprovações de campanhas, na prática, não possuem tal alçada. Estruturas organizacionais engessadas, excesso de hierarquização e gestão centralizadora são comuns, especialmente em grandes empresas familiares. Isso tolhe e angustia os profissionais de marketing. Assim, a análise sobre essa questão não deveria ser feita de uma maneira passional, simplista e unilateral.
zeca, queria eu ter escrito a parte sobre a tomada de decisão neste artigo =) tanto a semelhança com meu dia-a-dia.
está ótima e, infelizmente, reflete uma realidade bastante comum.
Uma dura realidade.
o pior é que o assunto se estende a pequenas empresas também. Muitas vezes o trabalho fica parado pelo simples fato de o cliente não enviar ou tomar uma decisão quanto a um pequeno texto, ou uma simples foto. E ai recebemos um telefonema do dono, diretor ou como queira chamar, perguntando porque o site não foi publicado ainda.
E com a maior paciência temos que explicar…
Muito bom o seu ponto de vista. Acredito que os profissionais de publicidade são pessoas menosprezadas na maioria das vezes, o que vem a ser um prejuízo para as empresas que os contratam, pois se privam de pontos de vista inteligentes e abrangentes. A cultura acumulada sobre vários assuntos nesses profissionais é muito rica. Quando uma empresa contrata um publicitário creio que deve estar interessada nesse rico material e não somente em algumas habilidades de manuseio de texto e imagem.
Eu creio que nós publicitários devemos deixar que somos muito mais úteis quando gozamos de confiança e que nós a merecemos. Isso não é um capricho, é uma premissa para que as coisas dêem certo.
Idem para o design. Salvo algumas outras peculiaridades, as coisas são iguais.
E o pior é, quando é pra dizer se está bonito ou tem que trocar de cor, toda a empresa se mobiliza (de CEO a assessorista).
Artigo realista, simplesmente isso.
Parabéns.
Espetacular o artigo!
Infelizmente, gasta-se mais tempo usando técnicas de negociação com cliente e patotas desatualizadas da agência, do que a técnica e o cultivo de experiência compartilhada.
É xingamento preencher um briefing, um horror explicar a diferença entre um site e um hotsite. E aii de se explanar Arquitetura de Informação …
Planejamento ??? Pra quê ??
Diplomacia, voltinha no elevador e perseverança, amigo. Ainda bem que amamos a publicidade.
Muito obrigado, Zeca, por dividir com você a angústia