Durante anos a fio, me vi diante de gente com tecnofobia quase paranóica ou com tolerância zero para bate-papo de cunho tecnológico. É triste dizer isso, mas até no ambiente acadêmico, onde militei por mais de trinta anos, esta intolerância reina.
Quando a internet começou na UFRJ, por exemplo, ainda em ambiente de texto, eu, como já tinha endereço de e-mail, trazido do exterior onde aprendi conceitos de rede, me propus a fazer uma palestra sobre o assunto. Pois bem: tive colegas, na época, que por falta de clareza, se negaram a assistir o seminário, dizendo que “aquilo não era para eles”. Somente depois que a universidade obrigou todo mundo a ter e-mail é que mudaram de postura. Hoje, ninguém de lá vive sem e-mail, é claro.
Mas o consumidor de áudio e vídeo tem características distintas. Os de áudio são em número bem menor, e normalmente a massa não se detém, em aspectos técnicos desta natureza. É o que explica a incrível falta de aceitação de formatos ímpares, como DVD-Audio e Super Audio CD, o SACD.
No caso deste último (SACD), a situação ainda é mais dramática, porque se trata de um codec com alta virtude técnica e, no entanto, capaz de ser armazenado num disco comum, na maioria das vezes, no formato híbrido, isto é, junto com um CD, no mesmo disco.
A proeza tecnológica é muito grande, principalmente se considerarmos que hoje em dia, para se ter codecs de áudio avançados numa mídia de disco é preciso recorrer ao espaço de memória generoso dos discos de alta definição. Mas isso nunca sensibilizou o público, ou mesmo os estúdios de gravação, e a gente até hoje não sabe o motivo.
Eu não tenho a menor dúvida de que o usuário final é, na grossa maioria das vezes, o menos culpado, na cadeia de processos de formação de opinião e de consumo tecnológico.
Se formatos interessantes, como o SACD, nunca chegaram a acontecer no mercado ou faliram em praias como a nossa, é porque, em algum escritório ou reunião, executivos com poder de decisão, decidiram pelo não endosso categórico dos mesmos!
E como uma coisa tende a puxar a outra, estúdios e provedores de conteúdo não puxam as vendas dos equipamentos leitores, e vice-versa. Um não sobrevive sem o outro, e no meio deles estão os consumidores que não querem ser enganados, antes de qualquer outra coisa. A hesitação, em qualquer momento, pode decretar a não penetração de qualquer formato de áudio ou vídeo no mercado.
Conhecer a preferência e as exigências dos consumidores é problema da indústria. Desde que se implementaram métodos estatísticos de levantamento de mercado, as chances de existirem produtos mal sucedidos no comércio seriam mínimas, mas na prática não é isso que acontece.
O que a gente continua vendo é uma montoeira de alta tecnologia sendo jogada ralo a baixo, todo ano.
A sobrevivência dos formatos
Idealmente, pelo menos para o usuário entusiasta, todo e qualquer formato com méritos técnicos, deveria ter um mínimo de chance de sobrevivência.
E no campo do áudio, existem vários casos que exemplificam isso: toca-discos analógicos e LPs sobrevivem graças aos Disc Jockeys dos clubes noturnos. O SACD continua sendo editado em quantidade apreciável, porque audiófilos no resto do mundo percebem e investem na qualidade dos mesmos, e estúdios de bom nível respondem a este apelo.
Mas no tocante ao vídeo, as chances são significantemente menores. Não há mais espaço possível para VHS ou laserdiscs (que já sumiram faz tempo) e a tendência é que os discos de alta definição se tornem baratos, ao longo dos anos, de maneira a colocar o DVD como uma opção de mídia e não como mídia predominante.
É até possível que o DVD sobreviva como o VHS de amanhã, mas somente o futuro dirá se isso de fato vai acontecer.
A sobrevivência de formatos passa necessariamente pela informação e pelo interesse do usuário final. Em tese, não deveria ser só a badalação em cima do público sobre um dado produto que deveria se impor como fator de aceitação. Seria bem mais interessante que o consumidor tivesse clareza, antes de decidir pela adoção de algum deles. [Webinsider]
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Paulo Roberto Elias
Paulo Roberto Elias é professor e pesquisador em ciências da saúde, Mestre em Ciência (M.Sc.) pelo Departamento de Bioquímica, do Instituto de Química da UFRJ, e Ph.D. em Bioquímica, pela Cardiff University, no Reino Unido.
6 respostas
Concordo com o Fábio,
O SACD surgiu no momento errado. Não acredito que a qualidade do som tenha sido desmerecida por ouvidos brutos ou desconhecimento mútuo.
O principal fator para a sua baixa representatividade foi justamente o fato de ter surgido como uma alternativa física já desprezada pelos consumidores.
Seria no mínimo ingênuo acreditar que os ouvidos modernos – que de tão ansiosos mal suportam ouvir uma música até o final, esmagando MP3 Players em direção à próxima faixa – aceitariam esta invenção com.. hummm… ouvidos abertos.
Percebe-se que a forma utilizada na distribuição do conteúdo musical tem muito mais importância do que a capacidade em evoluir a perfeição das suas notas.
Abs!
Infelizmente as pessoas em sua maioria hoje não fazem nem ideia do que é buscar o refinamento em qualidade de audio. Embora a informática tenha sido consumisticamente imposta mundialmente a todos, a ignorancia praticada pelos estudios e gravadoras e a preocupação dos mesmos, possibilitada pela ciencia computacional no controle de cópias fez com que o publico de hoje agora engula formatos portateis.
PROTEÇÃO DE INTERESSES É TAMBEM RESTRIGIR A MELHOR QUALIDADE JÁ EXISTENTE E POSSIVEL NO MUNDO MODERNO. E estas gerações não fazem ideia da importancia da qualidade máxima. Não defendo aqui midias de vinil nem formatos físicos em sí. Atento para a cultura da distribuição no mercado de produtos de verdadeira excelencia tecnologica e preparação do consumidor para este conhecimento, gerando mercados daí mais exigentes e esclarecidos recusando praticidades e convergencias baseadas em aparencias e controles que atrasem o usufruto de itens de verdadeira qualidade.
E sim o acesso, como agora tendem fazer todos aceitarem tv digital, HDTV, por exemplo, porue ditaram que chegou a hora. Tecnologia há se quiser ser colocada em players portateis ao inves de formatos de alta compressão. O Brasil? SEGUE a isso. Sua população quer como em qualquer parte do mundo ter seu MP 3, 4 , 5 , 6 ,8. 20…..????????? é dificil … Unindo isto ao retardo do entrave de executivos bons em administração e parcos em conhecimento em tecnologia gerenciam os interesses de venda.
Uma maquiagem de convergencia em ipods. celulares,que tocam e gravam em formatos, toques vendidos, musicas com licença e validade…. isto lá é mundo avançado???? tudo comprimidissimo para se garantir que não se façam cópias de qualidade. E o audiofilo que ama a qualidade por te-la conhecido a anos atras, prejudicado.
Temos o consumidor mais apurado penalizado pela ignorancia dos fabricandes por causa da pirataria que nem está aí para a qualidade. Todos deste ciclo são os causadores da ignorancia de muitas da nova geração e da maioria mais velha que não conheceu isto e adora pensando ser avançado e ultra moderno adquirir tudo pequenininho.
Formatos e titulos que requerem para serem experienciados em realismo das melhores fontes, são igorados por este novo publico mundial. A melhor qualidade tecnologica não esta sendo empregada nesta modernidade digital imperante. Está vendendo muito , não está? Então para a imensa maioria a qual é, está Bom.
Newton. 09/11/07.
Nolan,
Faz-se necessário que eu diga em público logo de uma vez que você é a minha referência, quando o assunto é estúdio (no qual você tem incontáveis anos de experiência concreta), mesmo que a gente discorde ocasionalmente em um ponto ou outro.
Ao contrário do que muitos dos meus amigos pensam, aliás, eu sou um bom ouvinte, mas tenho o defeito de formar opinião própria em alguns momentos, da qual não arredo pé. Parece ser teimosia, mas não é, é apenas vivência, aliada à minha antiga filosofia de trabalho como observador (a ciência se inicia na observação).
O que eu observo é que no resto do mundo civilizado o SACD não morreu. A lógica diz que deveria ter morrido, mas eu venho acompanhando os lançamentos e tenho estado surpreso até com o ressurgimento de selos como por exemplo a Deutsche Grammophon. Falando nisso, é importante observar que, anos atrás, a DG descobriu que as gravações digitais em fita magnética estavam indo para o espaço, e eles então resolveram duplicar tudo, para preservar o que sobrou.
A impressão que me passa é que o SACD, cuja fidelidade foi até alvo de críticas radicais no passado recente, tem uma coisa que as outras mídias não tem: é incopiável. Mas o fabricante oferece a parte do CD, assim o usuário pode usar o SACD alhures, tá certo?
Eu não sei se o DSD do SACD é o meio ideal para preservação do que já foi gravado, analógico ou digital, mas eu noto que vários estúdios estão usando DSD para isso. Séries como Living Presence ou Living Stereo, por exemplo, foram por este caminho.
De qualquer maneira, eu ficaria grato se alguém me explicasse porque é que isso vem acontecendo agora. Se o DSD tem falhas, como alguns afirmam, porque usá-lo para preservar as masters do passado?
O Fabio está parcialmente certo.Parcialmente porque a maioria de nós(talvez isto mude)ainda goste de colecionar uma midia palpável e reproduzivel em varios equipamentos,na casa ,no carro e no trabalho sem depender de informática,como é o caso da esmagadora maioria no mundo(ter computador é um luxo.Se colocarmos TODOS os seres humanos numa pesquisa.mas a imensa maioria deve ter um radinho ou um cassete player).Mas o que determina o formato vencedor é a praticidade aliada ao preço baixo.No quesito praticidadeincluo repertorio fácil,incluindo os ultimos lançamentos.Assim sendo,espero viver ainda para conhecer o que chamo de formato puro,quase definitivo em que audio e video ,ambos HD,sejam armazenados em chips sem motores nem unidades oticas mecanicas,bebedoras de energia num mundo que caminha para a economia desta.um player pequeno,portatil,em que uma pilha AAA duraria umas 500 horas antes de precisar de recarga.
Os Djs e o publico de DVD,Bluray,SACCD ou o que seja,mudará de midia a medida que seus suprimentos forem se tornando caros e escassos e que os players-chip por exemplo,possam ter as mesmas caracteristicas de truque de que os DJs tanto gostam
Fabio,
Você tem toda a razão, e este é o discurso que eu já ouvi, de um amigo que milita neste campo.
Acho porém que, no caso brasileiro, não houve nenhuma tentativa industrial nesta direção, a não ser uns dois discos em DVD-Audio, que eu me lembre, porque nós herdamos uma tradição dos estúdios de não dar a menor bola para a qualidade do áudio!
E este descaso era tão flagrante na época do Lp, que dava até agonia.
E no momento, não é por falta de competência, muito menos de equipamentos, é por pura falta de interesse em se manter um controle, que permita que o produto do trabalho do estúdio chegue ao seu destino com a qualidade que ele mereceria.
No Brasil, salvo melhor juízo, o SACD morreu, muito antes de ter nascido. E sempre me passou a impressão de que nem Sony nem Philips fizeram qualquer esforço para resolver isso a tempo hábil.
Paulo, o SACD nunca vai pegar porque não existe mais interesse em meios físicos de distribuição de música. Ele já nasceu numa era em que o CD estava em baixa, e a questão nesse caso nunca foi qualidade de som. Grande parte dos argumentos dos audiófilos sobre a qualidade de som do CD comparado a outros formatos – vinil inclusive – são lendas propagadas por saudosistas e ignorantes que sabem tudo e adoram comprar cabos que custam milhares de dólares .
(Nota para o leitor que se enquadra nessa categoria: o seu disco preferido foi gravado num estúdio com cabos que custam menos de 3 reais o metro. E o som CERTAMENTE foi processado em equipamento digital, portanto não me venha com o som do vinil é mais quente: enfie a cabeça no forno para esquentar as orelhas).
É possível distribuir arquivos de áudio digitalmente com a mesma qualidade que existe num SACD. Os mesmos codecs podem ser usados sem o meio físico. Não estou falando de MP3, mas de formatos mais sérios utilizados no meio profissional, como FLAC e Broadcast Audio. É só uma questão de tempo e de popularização dos softwares.