Por uma questão cronológica óbvia, não faço internet desde sempre. Quando estava começando minha carreira, o computador ainda era uma novidade nas agências. Tive o privilégio de usar um dos primeiros editores de texto, cheios de códigos para bold, em telas de fósforo verde. E vi, até, bem de pertinho, coisas hoje lendárias como o paste-up e a fotocomposição.
Se isso faz com que, aos olhos da minha jovem equipe, eu pareça alguém muito próximo de embarcar dessa para melhor, por outro lado também explica essa minha santa mania de recorrer a exemplos analógicos para ilustrar meus conceitos sobre a criação online. Como vou fazer agora. Old habits never die, my friend.
Um belo dia, estava eu voltando para a agência, depois de uma reunião com um cliente que havia demorado um pouco mais do que o previsto. Cheio de pressa, com jobs me esperando, resolvi cortar caminho por um daqueles atalhos ninjas que todos nós temos – ou pelo menos acreditamos ter.
Batata. No meio de uma ladeira, sem nenhuma vicinal à mão, encalhei atrás de uma Kombi subindo a zero por hora. Pânico, caos, desespero. Quando estava prestes a entrar em surto psicótico, pousei os olhos sobre um cartaz que a motorista havia colado no vidro traseiro. Impresso em laser, trazia os singelos dizeres: “não buzine, sou surda”.
Como você, abri um sorriso. E imediatamente refleti sobre como a maneira de pensar e usar a interface é muito mais importante que a interface em si. Sim, interface. O vidro traseiro de uma Kombi na ladeira. É ou não é uma tela?
A motorista poderia ter comprado um adesivo “não buzine” na banca de jornal. Do ponto de vista de conteúdo, teria dado seu recado. Mas não teria preenchido nenhum vazio emocional meu, não teria respeitado o contexto, não teria oferecido nenhuma conveniência (no caso, a conveniência de aliviar um desconforto por meio do humor).
Mais importante: não teria estabelecido uma conversação, uma troca de emoções por meio da interface. E não se estabeleceria comunicação. Ela preferiu me divertir.
Pense nisso. Por mais que a tecnologia evolua e nos fascine, por mais que o design se aprimore, por mais que a AI nos conheça em nossos hábitos pelo avesso, saber que alguém pensou na gente antes de nos dizer alguma coisa faz toda a diferença. A diferença de um sorriso. A diferença de preferir a marca A ou a marca B.
O que as suas interfaces andam dizendo? “Não buzine”? ou “Não buzine, sou surda”? [Webinsider]
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Tulio Paiva
Tulio Paiva é presidente e diretor executivo de criação da Paiva Comunicação, Twitter @paivacomunic.
11 respostas
Pode cre Tulio. Um bom exemplo disso é a famosa “baleinha” do Twitter.
Outro exemplo que me deparei hoje…
http://www.formspring.me/not-found
O grande dilema é como dar às pessoas o que elas não estão preparadas a receber, sem ser intrusivo ou correr o risco de ser mal interpretado 😉
É isso ae…
Lucas,
o ser humano é tudo, né? Afinal, trabalhamos com comunicação.;-)
Abs,
Tulio
Aí, Túlio, genial.
Pra gente considerar o ser humano – e seu bem estar – uma parte importante do processo.
Por isso que passei de T.I. pra psicologia.
=)
Abração
Lucas Selbach
Caro Monthiel,
valeu! Abraços,
Paiva
Sim, a comunicação tem de ser boa, e, claro, trazer emoção. Como você disse, abrir a porta para uma conversação.
Muito bom seu artigo, parabéns!
Monthiel
Amigos Evandro e Thiago,
valeu pelos comentários. Que a boa sorte nos ajude a usar as interfaces com cada vez mais sabedoria.
Abraços!
Tulio
A sintaxe desse artigo, pra mim, é o casamento da emoção e da interface.
Esse momento que você teve com o vidro traseiro da Kombi talvez seja o momento que procuramos todo dia ao pensar e repensar um briefing, como traduzir o objetivo do cliente para uma interface?
Parabéns Tulio, por sua sensibilidade e por causar essa reflexão tão necessário pra um mercado cheio de receitas prontas.
MENOS VIRAIS E MAIS ADESIVOS DE KOMBI, eu defendo.
Grande Abraço,
Thiago Honório
Excelente Artigo. O Google (vide gmail, orkut, chrome) é um bom exemplo do que você escreveu.
Queridos Adherbal e Evelyn,
que bom que o artigo atingiu seu objetivo de provocar uma pausazinha para reflexão.
Obrigado pelos comentários e pelas palavras gentis.
Até a próxima!
Saudações alvinegras,
Tulio
Adorei! Muito bom artigo.
Parabéns Tulio!
A maneira de pensar e usar a interface é muito mais importante que a interface em si.
Show de bola!
Evelyn Cordeiro
Consultoria em Marketing e Gestão de Projetos
evelyncordeiro@gmail.com
(21) 8181-1070
Prezado Tulio. Parabéns pelo seu artigo. Muito bem lembrado, pois, sempre acreditei em mensagens diretas, curtas, consistentes e … impactantes. Por exemplo: Não pise na grama. Outro exemplo: Cuidado com nossas crianças. São mensagens simples, alguns precipitados poderão dizer chatas ou lugar comum, mas são como flechas diretas no alvo. Muita sofistacação na mensagem retira a força do recado. Outro exemplo: Mantenha esse local limpo. Pode não parecer, mas as paredes também são interfaces. Abraços alviverdes.
ADHERBAL