A profissionalização e o reconhecimento do software livre. O fim da duplicidade de softwares, licitações milionárias descabidas e da “farra das terceirizadas”. O início da moralização da gestão da tecnologia da informação no Governo, o fim da falta de planejamento adequado na alocação de recursos na área de tecnologia de informação. Um exemplo para os governos estaduais e prefeituras. Um exemplo de que nem tudo que é privado é melhor.
As opiniões acima são para comentar que está em vigor no Brasil, desde o dia 2 de janeiro de 2009, a Instrução Normativa 04, de 14 de maio de 2008, da Secretaria de Logística e Tecnologia da Informação, que dispõe sobre o processo de contratação de serviços de tecnologia da informação pela Administração Pública Federal direta, autárquica e fundacional.
A norma em questão efetivamente realiza ajustes necessários no que cerne à terceirização de serviços de tecnologia da informação, de alguma forma dificultando a atuação de empresas que utilizavam-se dos certames públicos como válvula para o fácil enriquecimento, oferecendo todo o tipo de “solução”, mesmo que solução idêntica existisse no prédio do órgão ao lado.
Segundo a precitada legislação, todas as contratações de serviços de tecnologia da informação devem ser precedidas de planejamento, que deve estar de acordo com o “Plano Diretor de Tecnologia da Informação ? PDTI”, sendo este subsidiado pela Estratégia Geral de Tecnologia da Informação da Administração Publica, documento que contempla as demandas de recursos humanos das áreas de Tecnologia da Informação e que deverá ser revisado anualmente.
Encerram-se também as terceirizações para cargos estratégicos e de gestão, que deverão ficar nas mãos dos concursados/confiança. A gestão da segurança da informação também é devolvida a funcionários do governo.
Segundo o artigo 5o. da norma, não se pode mais também terceirizar todo o contexto da TI de um órgão público, para vários projetos ou serviços, igualmente, não se podendo contratar mais de um serviço ou solução em um único contrato. A contratação agora é por serviço específico – realizou, recebe. Permanecem os órgãos podendo contratar terceiros para atividades de suporte técnico ou avaliação da qualidade, desde que supervisionados por servidores do órgão.
Contratar um serviço de TI fica mais difícil – são necessários estudos de avaliação de necessidade, impacto e motivação. Igualmente, a administração pública ou suas autarquias estão proibidas de contratar serviços de TI com terceiros sem antes verificar:
a) Disponibilidade de solução similar em outro órgão ou entidade da Administração Pública Federal;
b) Soluções existentes no Portal do Software Público Brasileiro;
c) Capacidade e alternativas do mercado, inclusive a existência de software livre ou software público;
d) Observância às políticas, premissas e especificações técnicas definidas pelos Padrões de Interoperabilidade de Governo Eletrônico – e-PING e Modelo de Acessibilidade em Governo Eletrônico – e-MAG, conforme as Portarias Normativas SLTI nº 5, de 14 de julho de 2005, e nº 3, de 07 de maio de 2007.
Com efeito, a norma cria uma relação entre os órgãos da administração federal, evitando que soluções e softwares similares ou para mesmas finalidades sejam desenvolvidos em duplicidade para órgãos distintos da mesma administração.
Atente-se também para a necessidade de os gestores verificarem se a solução não existe em plataforma open source, desde que demonstre capacidade para satisfazer os requisitos esperados. Agora, é dever do órgão público conhecer os softwares livres disponíveis! E neste ponto até o recém empossado presidente norte-americano Barack Obama parece se interessar.
Em todos os casos, os softwares contratados devem estar em conformidade com os padrões de interoperabilidade e acessibilidade do governo, cujo escopo é garantir a “conversa” com demais sistemas do órgão e padrões considerados open.
Destaque-se a preocupação do governo na relação com os “terceirizados”, certamente por conta de um histórico de processos trabalhistas dos funcionários destes.
Em seu artigo 6o., a norma prevê que é vedado estabelecer vínculo de subordinação com funcionário dos fornecedores; prever em edital a remuneração dos funcionários dos fornecedores; indicar pessoas para compor o quadro funcional dos fornecedores; demandar aos funcionários dos fornecedores execução de tarefas fora do escopo do objeto da contratação; re-embolsar despesas com transporte, hospedagem e outros custos operacionais, que devem ser de exclusiva responsabilidade dos fornecedores; e prever em edital exigências que constituam intervenção indevida da administração pública na gestão interna da contratada.
Igualmente, proíbe-se nas licitações do tipo técnica e preço, a inclusão de critérios de pontuação técnica que não estejam diretamente relacionados com os requisitos da solução de TI a ser contratada ou que frustrem o caráter competitivo do certame. Com isso, reduzem-se as fraudes com mirabolantes critérios previamente acordados do tipo “ERPS que contenham um campo denominado xpto”, “profissionais com a certificação desconhecida xyz”, cartas de recomendação, montagem de equipe de “fachada”, dentre outras práticas.
A modalidade de licitação regra torna-se o pregão, o que favorece a concorrência nacional. Interessante no Normativo fica por conta do artigo 21, que estabelece que todos os softwares desenvolvidos por terceirizados sob encomenda da administração passam a ser dela, que os deverá disponibilizar como “open”. Ou seja, o terceirizado ao desenvolvedor deve estar ciente que cede de maneira onerosa, não exclusiva e irrevogável, todos os direitos intelectuais relativos ao logiciário.
Tal disposição era absolutamente desnecessária, eis que existe disposição legal a respeito na Lei 9609/1998, lei do Software. Vejamos:
Art. 4º Salvo estipulação em contrário, pertencerão exclusivamente ao empregador, contratante de serviços ou órgão público, os direitos relativos ao programa de computador, desenvolvido e elaborado durante a vigência de contrato ou de vínculo estatutário, expressamente destinado à pesquisa e desenvolvimento, ou em que a atividade do empregado, contratado de serviço ou servidor seja prevista, ou ainda, que decorra da própria natureza dos encargos concernentes a esses vínculos.
Em síntese, o balanço que fazemos é que cresce a responsabilidade dos órgãos públicos para com as compras de TI e é natural que reduzam-se os contratos com terceiros e aumentem-se os investimentos nos concursados ou servidores de confiança, com treinamento e capacitação. A instrução apenas demonstra o que parecia claro: a gestão privada da TI pública não foi satisfatória, e pode ser mais “limpa” com investimentos no efetivo interno para que sigam boas práticas de gestão.
A era do compartilhamento chega ao Governo Federal, reduzem-se os sugadores da máquina que não se interessam em resolver o problema, mas em empurrar horas, dias, meses, anos, até que um outro edital surja e que possam continuar neste ciclo, de “pai para filho”. A regra agora é o open source e se arriscar contratar um proprietário e for constatado um open similar e que atendia as necessidades… prepare-se para o TCU! [Webinsider]
.
José Antonio Milagre
José Antonio Milagre (@periciadigital) é Perito e Advogado especializado em Tecnologia da Informação. Site: www.legaltech.com.br.
Uma resposta
Essas novas regras estão realmente deixando os terceirizados preocupados, em alguns casos, as empresas estão desistindo de participar das licitações, os funcionários estão procurando outras oportunidades fora. E o que mais preocupa, é que muitos órgãos não tem a cultura de planejamento, o que dificultará seguir rigidamente essas normas.