Lei Azeredo, AI-5 digital e a cultura do contra

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Decorre das lições preliminares de Direito Constitucional que a composição deste ente não se justifica sem povo, pessoas interligadas por liame de afinidade com a pátria, que delegam aos seus representantes as decisões sobre o caminho de tal Estado.

Na história, conquanto não tenha vivido, tenho claro os registros históricos sobre a agressão ao Estado Democrático de Direito ocorrido entre 1964 e 1985, com destaque para o Ato Institucional número 5, o AI-5, emitido durante o Regime Militar e que conferiu poderes absolutos ao Governo, com o mais que cediço fechamento do Congresso Nacional.

Evidentemente que a liberdade de comunicação e reunião ficaram restritas no Ato de 1968, que bem foi recepcionado pela Constituição Militar de 1967, cujo escopo era a segurança nacional e o combate aos chamados ?subversores?.

Privacidade? Só em 1988 temos um status de garantia fundamental a tal direito. É dispensável qualquer comentário em relação ao número de vítimas inocentes que morreram ao serem considerados ?opositores de esquerda? em um ato aristocrático, vermelho e sofrível da história recente brasileira.

Somos gratos pelo fim do AI-5, há mais de quarenta anos, porém o termo vem sendo ressucitado em tempos atuais, principalmente na internet. Tem-se tentado imputar de AI-5 digital o Projeto de Lei de Crimes de Informática que tramita no Congresso há dez anos. Não trabalho no Congresso e nem tenho filiação partidária, mas trata-se de um projeto que primeiramente ?não é do Senador Azeredo?, e conta com a participação de muitos congressistas, desde sua primeira proposta considerável, quando ainda Projeto de Lei 84/1999, de autoria do Deputado Luiz Pihaulino.

Tal fato, de nomear tal Projeto de ?Projeto do Senador Azeredo?, já demonstra por si só o ativismo da crítica que virou moda no Brasil, com o advento da internet e redes sociais, na mesma proporção que escancara o desconhecimento de tais críticos do real sentido da Lei ora debatida e amplamente surrada.

Pela teoria da “cultura do contra?, provocar uma pequena revolução dá Ibope, gera promoção pessoal, popularidade e seguidores no Twitter. Mas por que a adesão em massa de certos usuários da internet a tais movimentos, replicando informações ?outorgadas? como se fossem verdades absolutas?

Só é possível atribuir ao desconhecimento real do Projeto de Lei que ora se tenta combater, como se representasse a tortura de milhares de pessoas como ocorrido na ditadura. Ademais, a afinidade por ideais revolucionários é inerente a todos os nacionais, sobretudo aos que viveram momentos difíceis de privação de direitos, tal fato é potencializado atualmente com a internet, gerando uma desmedida cultura do contra, entabulada por ?Ches digitais?. Revoluções são legítimas, mas é preciso cautela com a que ora se apresenta.

Explica-se: qual a relação existente entre a ?causa? do software livre com a Lei dos Crimes de Informática? Canso de ouvir os alunos me dizerem que ?a lei nova vai acabar com a possibilidade das redes P2P e com o livre acesso à informação?.

Ledo engano! A proteção autoral já existe em nosso Código Penal de 1940 e na Lei de Direitos Autorais de 1998. No entanto, muitos movimentos de software livre, de maneira impensada, estão aderindo à ?cultura do contra? no que cerne ao Projeto de Lei de Crimes de Informática, coloquialmente, jogando todos os temas na mesma bacia, compartilhando temas nobres como a relativização do sistema autoral, com temas impensados, como alguns movimentos contra a Lei de Crimes de Informática.

Conquanto o movimento software livre também busque liberdade, o que é brilhante, não se pode entender que é a Lei de Crimes de Informática a única que deva ser combatida, mas sim o sistema autoral brasileiro vigente há pelo menos vinte anos!

Hoje se um policial quiser ?meter o pé?, como dizem, em sua porta no momento em que você está baixando músicas no seu P2P (peer-to-peer) ele tem embasamento legal para isso, desde 1940! Não é a Lei de Crimes de Informática que vai criar tal crime! E também não é a Lei que vai fazê-lo agir assim! Com lei ou sem lei, sabe-se que o Estado não tem estrutura pra investigar tais fatos (todos os brasileiros que compartilham arquivos protegidos ou que usam softwares piratas). O que o Projeto faz é tão somente prever em lei a quebra de sigilo judicial que hoje os juizes já autorizam mesmo sem lei específica!

E é este o ponto nevrálgico – acreditar piamente nas primeiras ?manifestações? rankeadas no Google. Como se apegar em ?tira e põe vírgulas? de artigos, ?suprime ou altera este núcleo?, não mobilizaria a comunidade do software livre, vamos nos apegar no ?calcanhar de Aquiles?, ou seja, dizemos a eles que o Projeto de Lei estraçalha a liberdade de conteúdo, conhecimento e de expressão.

Pronto! Teremos milhares de adeptos. Assim, tais ?profetas? tentam iludir a comunidade do software livre de que tal Lei vai acabar com a liberdade de expressão e difusão livre de informação. E o pior, é de arder os olhos ver que as pessoas acreditam, seguem e replicam tais aberrações em suas mídias sociais, potencializando a ignorância e a banalidade.

Ora, não é o Projeto de Lei de Crimes de Informática que vai restringir o Copyleft, mas as leis já em vigor assim o fazem.

Porém, lamentavelmente, insistem em focar o projeto somente nestes dois pontos: fim da liberdade de expressão e início do ?Big Brother?, que acabará com a privacidade. Isso para terem adeptos que jamais conseguiriam por exemplo, questionando o real sentido jurídico do ?acesso indevido a dados? ou a abrangência da expressão ?obter dados protegidos?, ou simplesmente pedindo uma reformulação do Art. 22 da Lei em comento, este, que prevê a obrigação dos provedores em preservar dados de conexões dos usuários por 3 (três) anos.

E por falar em Big Brother, quem realmente perlustrar e estudar o Projeto de Lei atual vai verificar que não existe qualquer quebra de sigilo, violação a privacidade ou intimidade. Seu nome, RG, CPF, preferências sexuais, termos pesquisados, endereço, time que torce ou informações correlatas efetivamente estão fora dos dados ?coletados?.

Começou invasivo sim

Justiça seja feita, o Projeto nasceu sim absolutamente invasivo, mas ao longo de anos foi se amoldando à Constituição de 1988, tanto que aprovado na Comissão de Constituição e Justiça.

E os protagonistas do ?AI5 digital?? Apregoam que, ?com o projeto de Lei os provedores vão saber tudo que você faz na rede?. Ora, e já não sabem hoje? Pergunte ao Google! Pergunte ao provedor da sua cidade! Qualquer brasileiro que estudou até a quarta série tem nítidas condições de saber que para acessar a internet é preciso um IP (Internet Protocol), atribuído por um provedor, e que tal provedor registra logs das conexões realizadas por estes IPs.

Tais dados, correlacionados com dados de outros provedores de serviços, permitem identificar a autoria de crimes praticados na internet. Estes registros já existem, caros leitores, hoje, e estão à disposição em caso de uma Ordem Judicial. Ou como será que os crimes digitais cometidos atualmente são apurados e esclarecidos? Milagre?

Onde está a violação da privacidade se a ordem de quebra (ou requisição) deve ser sempre judicial, ou seja, autorizada e fundamentada por um Juiz de Direito? Onde está a tal ?Vigilância do Estado? tanto apregoada? Certo é que, hoje temos casos de provedores que usam os dados de usuários para outros fins como traçar padrões de tráfego para marketing 2.0, mas percebam, tais práticas já existem hoje e são elas que devem ser combatidas, e não o futuro Projeto de Lei de Crimes de Informática.

O Projeto traz é uma garantia de que nenhum provedor vai fazer o que bem entender com informações de usuários, se não por autorização judicial. Essa garantia hoje é inexistente!

O Reino Unido admite usar Sniffing (monitoramento) no combate aos crackers; os Estados Unidos possuem prisão perpétua para hackers, o mesmo país acaba de aprovar o CyberSecurity Act 2009, que permite a restrição de Direitos na internet.

A China, passa a cobrar dos fabricantes que vendam computadores que contenham restrição a determinados sites. A França acaba de criar uma Lei onde as próprias associações de direitos autorais punem os usuários de P2P enviando comunicados aos provedores, que os desconectam da internet! São posicionamentos sofríveis. Estes sim, são dados e fatores claros e merecedores de uma digna revolução!

E no Brasil? Nenhum exemplo do exterior é seguido, mas insistem com o absurdo em dizer que o ?Carnivore? do FBI americano está incorporado do projeto brasileiro, sem fundamento algum – e mais movimentos ganham as páginas da internet e seguidores.

Aqueles que aderiram a este movimento têm toda a liberdade, mas precisam entender que o projeto não será o divisor de águas entre a privacidade e o vigilantismo ou entre a liberdade de conhecimento e os direitos autorais. Tais restrições e agressões estão presentes hoje, mesmo sem a Lei, e decorrentes são de outras normas já em vigor e da postura governamental focada ao prestígio capitalista e às grandes financeiras.

No que cerne à privacidade, desafio qualquer leitor a um exame técnico em qualquer provedor para analisar se ele já não registra as atividades do IP na rede. Mas daí a divulgar tais informações está o abissal precipício. O uso ou divulgação indevida de informações inevitavelmente coletadas pelos provedores é que deve ser combatido, assim como a coleta de informações que extrapolem a profundidade prevista em lei.

E repete-se, o Projeto assegura que só com ordem judicial tais informações podem ser repassadas. Ora, quem tem contra si uma ordem judicial, efetivamente, boa coisa não está a fazer na internet. E os críticos dizem ?cuidado! O provedor vai repassar de maneira sigilosa as informações às autoridades ao ?arrepio? da Constituição!? Tal premissa não resiste a análise eis que qualquer investigação policial hoje é sigilosa, de furto de galinha à crime de colarinho branco. Ou será que o provedor deveria ?avisar? o indiciado de que está cedendo dados às autoridades?

Mas o incrível? Mais pessoas acreditando nos ?pregadores?.

De modo que, estão combatendo, com tais movimentos, o foco errado. Quem já foi vítima de crimes contra a honra, agressões, ameaças, crimes contra o patrimônio, danos informáticos e outros crimes na rede saberá mensurar minhas palavras quanto à necessidade da legislação sobre o tema. O Projeto de Lei de Crimes de Informática é amplo e não deve ser considerado integralmente um grande lixo.

Há um ano atrás, quando se apreendia um pedófilo na rede ele dizia: ?Só tenho armazenado as fotos, e armazenar não é crime!?. A Lei 11.829 sanou este problema. Hoje, quando se descobre que o individuo acessou indevidamente fotos privadas de outra pessoa ele satiricamente profere: ?Só acessei a máquina, e acessar não é crime?. E a impunidade impera em face dos modernos crimes tecnológicos, que, é fato, crescem em escala.

Deixo claro que não sou a favor do Projeto de Lei de Crimes de Informática tal como concebido e que muitos pontos críticos ainda merecem aprofundada análise, sob pena de muitos inocentes serem considerados criminosos ou muitas interpretações errôneas serem adotadas no escopo de prejudicar cidadãos.

Aliás, também me filio a corrente que entende que o Projeto de Lei deveria ser Cível e não Criminal, e de que a Convenção de Budapeste não deve ser internalizada em um país em desenvolvimento, como o Brasil.

Mas o que me causa espanto é que o mesmo movimento que diz que se preocupa tanto com a ingerência Estatal na privacidade esquece-se ou não reconhece que o próprio projeto de Lei cria a punição para a invasão de tal privacidade informática, o que até hoje, nunca existiu fora do plano constitucional. ?Se o Estado me invadir eu me revolto, mas se meu vizinho me invadir está tudo certo!?.

Enquanto isso, os ativistas da ?cultura do contra? continuam ganhando a adesão de quem lamentavelmente não para sequer para analisar de maneira aprofundada a bandeira que passa a vestir. Nesse ritmo, em que já criaram o AI5 digital, em breve teremos o ?Apartheid digital?, depois o ?Facismo digital?, com consequente ?Auschwitz digital? e talvez cheguemos ao ?Holocausto digital?. Alguém duvida?

Seria muito mais correto e coerente um movimento que simplesmente soubesse distinguir a parte ?boa” da ?podre? do projeto e que pleiteasse decentemente a alteração ou exclusão dos pontos críticos do projeto, diga-se, arts 285-A, 285-B e 22, ou outros pontos existentes.

Da mesma forma que dizem que a mídia, os bancos e o setor financeiro (os grandes irmãos) estão fazendo um estardalhaço anunciando que os ?crimes eletrônicos? são assustadores, deve-se admitir que os movimentos contra a Lei estão pregando o terrorismo do Projeto, o que nos faz pensar que também tenham ?agendas? secretas ou segundas intenções. ?A Lei vai te impedir de fazer jornalismo cidadão?, ?A Lei vai te impedir de ter um blog?, ?A Lei vai te impedir de ripar um CD?, ?A Lei vai te impedir de usar tecnologia VoIP?, ?A Lei vai fechar o Twitter?, ?A Lei vai impedir a inclusão social e os telecentros?.

É hilário. Não se pode imaginar que teremos uma redução à inclusão digital pelo fato de uma Lei punir criminosos e não usuários da Rede.

A bandeira que o movimento do software livre ostenta, a qual me filio, é histórica, fundamentada, digna, nobre, e acima de interesses políticos, e este não deveria se mesclar ou emprestar sua força em prestígio de outros movimentos de pouca lucidez, como o chamado ?AI 5 digital?, sob pena de descaracterizar-se.

Como explanado, ?fizeram? com que o software livre acreditasse que o Projeto de Lei de Crimes de Informática veio exclusivamente para destruir liberdade de informação, prestigiar direitos autorais e que deve ser combatido em sua totalidade. O que deve ser combatido é o sistema autoral presente há décadas no país! Porque ninguém faz um ?AI-5? contra o sistema?

Todos os movimentos são legítimos e devem ser respeitados, assim como meu direito de opinião. Nada contra os movimentos contrários, mas comparar o Projeto de Lei de Crimes de Informática ao AI-5 foi a maior estupidez que pude constatar nos últimos anos, e principalmente, consistiu em desmerecer, desrespeitar e empobrecer aqueles que ao contrário de mim, vivenciaram na pele as marcas de um deplorável regime militar.

Não se enganem, esta é uma briga ?manca?, com elevada carga de vaidade, e que há muito tempo perdeu seu brilhantismo técnico-jurídico e virou político-partidária, e infeliz daquele que, sem discernimento e como ?marionete?, a comprar.[Webinsider]

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Avatar de José Antonio Milagre

José Antonio Milagre (@periciadigital) é Perito e Advogado especializado em Tecnologia da Informação. Site: www.legaltech.com.br.

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12 respostas

  1. Muito Bom artigo.

    É dificil entender porque as pessoas se revoltam com opiniões diversas. Achei uma abordagem lucida e diferente, e que merece sim reflexão, aliás ao invés de ficar pensando em crise no congresso, poderia debater temas importantes como Lei de Crimes de Informática

  2. Olha o outro viajando.

    Ridículo, essa história.
    Mais umas jogada dos malditos que sempre quem dominar a massa burra.

  3. Enquanto os Ativistas se preocupam com o AI-5 DIGITAL do Azeredo, mal sabem mas o Ai-5 mesmo vem das mãos de um religioso! AGUARDEM…

  4. Nobre articulista, participou do ultimo encontro do GTS? O tema abordado foi discutido pelos principais profissionais de segurança da informação do país em Sao Paulo…vale a pena conferir a opinião de quem trabalha na area.

    Abs,
    MV

  5. quase isso, caro articulista, mas não é bem isso. Atualmente vc precisa de ordem JUDICIAL para que certas informações sejam apresentadas. Na lei azeredo, bastará que alguém (RIAA? Voice of America? o porteiro do seu edifício?) peça para seu provedor as informações e PIMBA.. já estarão na sua mão. Sem juiz, sem indicios de crime, sem suspeitas.

    Simples assim 😀 fácil, né?

    Ademais, considerar ÊSSE CONGRESSO QUE ESTÁ AÍ como válido para legislar sobre crimes é pedir à raposa para tomar conta das minhas galinhas. Nunca um congresso mereceu TANTO um fechamento, com pano rápido e sem lágrimas.

  6. Ai ai, a mídia faz nossa cabeça direitinho né… com todo respeito.

    É bem complicado esses assuntos, porque nos EUA já tem criança nascendo e sendo submetida a procedimento para instalar chip com GPS no seu braço. É triste ver para onde os donos do mundo nos levam.

    Trabalharei mais 5 anos pra terminar de juntar uma grana, depois vou viver no meio do mato!

    abs

  7. Alguém sabe me dizer o nome de uma rádio que toque qualquer coisa diferente do que está tocando em todas as rádios ao mesmo tempo?

    Fora a rádio Cultura?

  8. A única coisa em MP3 que tenho aqui é o disco LeftRightLeftRightLeft do Coldplay e mais um monte de músicas livres da Matador Records e outros sites que tem mp3 para baixar free.

    Nada mais. O resto não pode ser. O resto pode até ser melhor. Mas, para mim não presta.

    No sentido literal, e quase na etimologia da palavra ?prestar?.

    Se eu baixar mp3 ilegal da rede, eu deixarei de prestar para quem vende música, para a policia, para o FBI e para mim mesmo.

    Quando baixo mp3 livre e legalizado, ou material que já esta em domínio público, e deixo de comprar CDs com preço absurdo que insistem em vender, eu também deixo de prestar. Mas neste caso, deixo de prestar apenas para aqueles que vendem música a um preço abusivo.

    A versão ao vivo de ?Clocks? até que é bem legal. Tradução da letra é esta:

    ?As luzes se apagam e eu não posso ser salvo
    Ondas contra as quais eu tentei nadar
    Me jogaram ao chão, deixando-me de joelhos
    Ah, eu imploro, eu imploro e suplico, cantando?

    Se é que vocês me entendem?

    PS: Está é uma cópia quase idêntica de outro comentário feito em outro artigo deste mesmo site, mas não se preocupe, eu não cobro direitos autorias sobre meus comentários e não proíbo sua reprodução. E você ainda levou de lambuja duas correções ortográficas de última hora no primeiro parágrafo.

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