Ascensão e queda da TV paga no Brasil (2)

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Demorei mais do que pensava para escrever o segundo artigo desta série. Li todos os comentários dos leitores (agradeço a todos pelos elogios e críticas). Recebi dicas importantes de colegas. Dei atenção especial a uma série de notícias publicadas sobre o setor. E assisti um volume quase intoxicante de TV.

Pelos comentários dos leitores, é fácil perceber que o nível de insatisfação é alto. E basta olhar a seção de reclamações dos jornais, os sites de órgãos de defesa do consumidor e dezenas (centenas?) de fóruns e blogs para ver que a coisa está feia para as operadoras de TV paga. Junto com bancos e companhias telefônicas, estão entre as empresas mais odiadas por seus clientes.

Motivos não faltam. As repórteres Denise Menchen e Paula Nunes, da Folha de São Paulo, denunciaram há algumas semanas que as operadoras de TV paga estão agindo de forma cada vez mais predatória com seus clientes. Estariam praticando um tal “upgrade forçado”: um belo dia, o cliente descobre que vários canais de seu pacote sumiram e que para recuperá-los, terá que pagar mais. A operadora alega que o pacote contratado “expirou”. Em outros casos, canais são cancelados sem retorno — e isso sem que o cliente seja consultado ou reembolsado pela perda. As repórteres relatam vários casos de quebra de contrato, e a imposição (ilegal) de reajustes nas mensalidades. A frustração dos assinantes está na estratosfera.

Imagine o sentimento do assinante ao saber que em outubro, a NET anunciou que bateu seu recorde de lucros no trimestre, chegando a quase US$ 250 milhões.

O Fernand Alphen me lembrou de um artigo publicado pelo Paulo Rebêlo aqui no Webinsider em 2005 (“Comércio pirata de sinal de TV a cabo prospera“) que motivou centenas de comentários de pessoas interessadas em “comprar o kit” de pirataria de sinal de TV. É uma boa indicação do universo invisível de “assinantes informais”, a ponta do iceberg da crise que as empresas fingem não ver. Enquanto isso, a orquestra vai tocando no convés do Titanic.

É importante frisar que os donos do setor de TV paga no Brasil formam um clube muito pequeno. O combinado NET/Sky-DirecTV reúne o grupo Globo e a News Corp de Rupert Murdoch. A TVA, antes do Grupo Abril, foi comprada recentemente pela Telefônica, uma das maiores teles do mundo, com negócios em vários continentes. E a Embratel foi comprada pelo magnata mexicano Carlos Slim Helu, um dos homens mais ricos do mundo. Nos últimos dez anos, uma onda de aquisições e fusões concentrou a TV paga na mão dessa meia dúzia de quatro.

E qual foi o resultado? Mesmo com empresas gigantescas, atuantes em todos os setores de produção e distribuição, mesmo com grifes bilionárias, a TV paga tupiniquim é anêmica, e cresce a passo de tartaruga. É uma estranha receita: empresas bilionárias oferecendo um produto fraco, progressivamente mais pobre e cada vez mais caro. Em pleno século 21, querem agir como os lendários “robber barons” do século 19, os bandidos sem escrúpulos que geraram o capitalismo americano. Ladrões casca-grossa, que viraram banqueiros, donos de ferrovias, capitães de indústrias.

Os barões contam com marqueteiros pós-graduados para embelezar esse descalabro. É, com perdão da expressão, colocar laço de fita no estrume. Só isso explica como um filme que já foi reprisado n-vezes naquele canal é apresentado como “big movie” do horário nobre, com patrocínio da marca tal. Ou o canal que começou sua existência exibindo documentários e musicais de qualidade, hoje ocupa quatro ou mais horas diariamente com videoclipes (que custam praticamente zero para a exibidora) e lota as madrugadas com programinhas eróticos vulgares — mas sua publicidade faz questão de ressaltar a “qualidade” do canal. E breaks, muitos breaks comerciais. E anúncios no canto da tela durante o programa, caso você tenha perdido o break.

Pensem neste exemplo. A repórter Ana Carolina Barbosa, do Tela Viva News, ouviu de João Daniel Tikhomiroff, presidente da Mixer, a queixa de que “a TV aberta forte retarda desenvolvimento do branded content no Brasil”. “Branded content” é o jargão gringo para o merchandising explícito durante um programa. Para Tikhomiroff, a TV paga deveria ser um oásis para esse tipo de ação de marketing. O executivo cita a série “Mothern”, exibida pelo GNT, que tinha inserções de uma marca de sabão em pó. Assisti vários episódios de “Mothern” e tinha sempre a sensação de que o “merchã” do sabão surgia como um corpo estranho na narrativa, uma intromissão grosseira no roteiro.  Comparativamente, as ações de merchandising de qualquer novelão da Globo (na TV aberta) são muito mais elegantes e integradas.

Não sei se interpreto mal a fala de Tikhomiroff, mas vejo nas ações de “branding” da TV paga uma agressividade incompatível. Como eu já mencionei antes, tenho a impressão de que os poucos assinantes de TV paga são vendidos como produto para os anunciantes, numa perversa inversão da relação publicitária. E tudo vira um grande camarote de marca de cerveja no Carnaval, onde para se divertir é obrigatório vestir a camiseta com a marca do patrocinador. Mesmo pagando caro pelo ingresso.

Fica a pergunta: até quando continuaremos comprando essa camiseta com a marca, a preço de ouro? A cerveja do camarote está cada vez mais morna, e a visão do desfile na avenida foi bloqueada por um outdoor. [Webinsider]
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Sergio Kulpas (sergiokulpas@gmail.com) é jornalista e escritor.

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23 respostas

  1. Eu moro na divisa do Rio Grande do Sul com a Argentina e lá, a TV paga (Directv, tv por sátellite) com vários canais (em torno de 50/60) sai por 25 pesos,isso mesmo 25 pesos!!!
    Enquanto na minha cidade,a net (na qual sou assinante, por pouco tempo alias) custa R$86 o plano básico, com 40 canais e a Sky o mais barato 90 e poucos…

    Não é um absurdo?
    Tô pensando em comprar esse receptor (gato) de satellite… no Uruguai custa 200 reais,basta ter uma antena parabólica ou essas da sky e directv e o gato tá feito. hehehehe
    Pagar 86 reais pra assistir meia dúzia de canais (maioria globosat) ou pagar nada pra assistir mais de 1000 canais, entre eles os da Globo!!!!!
    rsrsrsrs

  2. Acabo de comprar uma tv a cabo
    Acabo de entrar na solidão a cabo
    Acabo de comprar uma tv a cabo
    Acabo de entrar na solidão

    Vai Net
    Vem Net

    pelo Otto, o que dá lá é lama, é caranguejo.

  3. Concordo com tudo que foi escrito pelo Sergio pq é um assunto que me revolta, principalmente aos finas de semana.
    Será que num tem nada que possamos fazer?
    Boicotar a TV adianta e usar serviços como o Joost? Encher as caixas de emails das principais operadoras? Fazer manifestações flash mob?? Parar de assinar e usar o sinal do vizinho???
    ..

  4. Bah, concordo inteiramente com o teu texto!

    Eu também lembro da época em que a TV por assinatura engatinhava, uma muito bom assistir filmes (quase) sem comerciais!

    Mas preciso fazer uma ressalva, de todos os canais que transmitiam filmes, somente a HBO não possuía comerciais, todos os outros tinham alguma pausa estratégica, mas eram poucas!

    Em outro tópico, o que nos salva hoje é a internet, e agora fiquei sabendo que a GVT vai ser vendida para a Telefonica! Que pecado.. Quando eu finalmente consegui sair do Virtua e trocar para a GVT (que é mto melhor), a Telefonica vai estragar tudo!

  5. Caro Sergio,

    Mais uma vez, meus parabéns pela clareza e brilhantismo dos seus dois artigos sobre a TV paga.

    É curioso que, com o objetivo original de liberar o espectador do marasmo da TV aberta, a TV por assinatura acabou por escravizá-lo com pacotes cheios de canais inúteis e uma montanha de programas velhos e repetidos, como já comentado pelos leitores.

    A idéia de uma TV por assinatura implicaria na transmissão com uma ausência ou com um mínimo de comerciais, mas, como você mesmo analisa, não é isso que vem acontecendo.

    E, quando a gente imaginava que os seus provedores entrariam no vácuo da inércia da TV digital aberta, o que a gente está vendo é a mesma coisa, porém com imagem nova, o que, aliás, não justifica o aumento abusivo de preço.

    Infelizmente, o consumidor brasileiro é explorado em tudo que paga. A Internet de banda larga, por exemplo, é de um vexame e de um anacronismo exemplares, mesmo para aqueles que moram nos grande centros. E as ditas agências reguladoras nada fazem nada para impedir isso.

    No caso da TV por assinatura, as recentes medidas contra a cobrança do segundo ponto ainda não foram eficientes para impedir a Net, por exemplo, de maquiar a cobrança com outro nome. E nem as teles, de cobrar provedor por fora, para autenticar o cliente no sistema ADSL, uma indecência histórica!

    Parabéns pelo texto. Espero que sensibilize os bons profissionais, que lêem o Webinsider, e que talvez possam mudar um pouco essa coisa de se fazer de bobo a cara do consumidor.

  6. Caro Sr. Kulpas,

    Gostaria de sugerir a você, a mim e a todos os leitores que fizessemos uma tabela de quantas vezes os programas mais repetidos foram reprisados.

    O que acha?

    Acho que seria muito curioso ver que Legalmente Loira, Série Bourne, alguns seriados foram repetidos mais de duzentas vezes em poucos meses.

    Isso seria um bom material para um processo coletivo, além de um atestado enrolação que todos teremos (maior) consciência de ter assinado.

  7. Sergio, não demore tanto para escrever o próximo artigo da série. Pode ser que o modelo de negócio se esvaia antes… parabéns pela lucidez, berenice.

  8. Meeedoo
    Não sei se quero pagar para ver o filme ?O besouro? do Tikhomiroff. Imagino a cena: O capoerista entre em um ?Auê? e uma ?meia-lua?, para, se vira para o espectador, e com um sorriso colgate no rosto,faz um comercial de um creme dental qualquer, pra depois continuarem a luta kkk

    Pelas idéias que ele defende, seria esse o cinema Tikhomiroffiano?

    ps:
    Desculpe pelos erros de digitação da última mensagem!

  9. Meeedoo
    Não sei se quero pagar para ver o filme O besouro do Tikhomiroff. Imagino a cena: O capoerista entre em um Auê e uma meia-lua, para se vira para o espectador e com um corriso colgate no rosto,faz um comercial de um creme dental qualquer, pra depois continuarem a luta kkk

    Pelas idéias que ele defende, seria esse o cinema Tikhomiroffiano…

  10. Olá.

    Gostei muito do artigo.

    Isso ao meu ver vai dar um reforço enorme na WEB, pois o ambiente não permite ações de guerrilha como essas, isso ainda parece o respiro e o desespero de uma mídia condenada e seus Capones e Nizans.

    Viva a nova mídia!

  11. Concordo plenamente.
    A TV por assinatura está muito fraca, conforme citou, mas a TV Aberta está pior.

    Entre um e outro prefiro a internet, pelo menos aqui filtramos melhor o conteúdo relevante.

  12. E isto vai continuar acontecendo e em todos os setores. Já viu que raramente uma multa a favor do usuário passa dos R$ 10.000.

    Ou seja, de um milhão de clientes 10 acionam a justiça o resto compensou os poucos que processaram. Se a multa, a favor do cliente, fosse mais expressiva, uns 200.000 ai acho que não valeria tanto a pena estas graças.

    No Brasil vale a pena ser desonesto e picareta. Mesmo sendo legalizado.

  13. Caro Sr. Kulpas,

    eu esperei centenas, talvez milhares, de anos para ver alguem falar isso e desde o seu primeiro artigo um canto do mais profundo do meu ser regozija.

    Eu devo ter orelhas grandes e comer capim, pois ainda sou assinante deste estrume com laços.

    Suas palavras são a expressão das de muita, muita gente.

    Obrigado

  14. O problema realmente eh a pouca concorrencia. Para um pais continental como o nosso ter tres empresas responsaveis por todo o conteudo eh muito pouco.
    Sem falar que, alem de pagar a assinatura, e portanto pagar para assistir comerciais, pouco a pouco os programas mais interessantes (filmes novos, esportes…) estao sendo cobrados adicionalmente.
    Sou assinante Sky e em teoria teria mais de 100 canais disponiveis. Na pratica assisto uma dezena, uma duzia talvez. Tirando os canais religiosos, canais de leiloes e propaganda, canais unicamente em lingua estrangeira e as repeticoes, nao sobra muita coisa.
    Sem falar na falta de qualidade e opcao. Gosto de ficcao cientifica e gosto da serie Battlestar Galactica e no meu pacote esta incluso o canal Space que transmite a serie. Infelizmente resolveram transmitir em formato 4×3 e dublado. Nao tenho duvidas, faco o download do episodio e assisto em widescreen com som original. Querem me processar? Tudo bem, desde que me devolvam o dinheiro que gasto pra nao assistir o que me oferecem.

  15. Se não fosse a TV paga, já teria vendido minha TV.

    Quero elogiar aqui a programação de alguns canais que ajudam a enriquecer a minha vida com cultura, entretenimento e informações relevantes:
    Discovery, National Geopraphics, GNT, Multishow, Sony, Fox, AXN e SporTV.

  16. Concordo com tudo dito. Realmente está cada vez pior, mas a opção, pra mim que só vejo filmes e documentários, seria alugar filmes todos os dias. O que é complicado, acabo pagando a tv a cabo por comodismo.
    Os filmes selecionados tbm já foram melhores, tem dia que não dá pra ver nenhum.
    Não vou nem comentar o atendimento por telefone, senão teria que escrever uma bíblia de reclamações. Ah! Tenho net!

  17. Voce falou das reprises no post. um dia, indignado com o fato da Warner comecar a transmitir filmes e ainda por cima repeti-los à exaustao(e ainda dublados!). resolvi fazer uma pequena pesquisa que, como a gente sabe, se repete em TODOS os canais. Sem contar com o horario em q o filme eh reprisado no outro dia, anotei todos os filmes q o canal designava como o horario nobre de filmes e o resultado resumidamente foi esse: gatoes a nova balada: 2x; penetras bons de bico: 5x(as vezes com 1 semana de diferenca); Batman Begins: 4x; syriana:3x; harry potter 4: 2x; bridget jones 2: 2x(1 semana de diferenca), entre outros…daqui a pouco a TV aberta vai roubar os telespectadores da TV por assinatura…

  18. Impressionante, mesmo. Lembro antigamente quando não tinha comercial nos canais pagos. Hoje em dia, tem tantos cormeciais quanto as TV abertas. É a ganância, todo mundo querendo sempre mais. Uma pena.

    Exelente artigo.

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