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Passados dez anos do emblemático caso Napster vs Metallica, a indústria de entretenimento mirou onde viu e acertou onde não viu.

Pirataria 2.0 é quando você não se importa mais em pagar para ter acesso privilegiado (e ilegal) a todo tipo de conteúdo: filmes, música, pornografia, seriados, desenho animado, livros.

Conteúdo que até agora você sempre teve de graça. E em apenas uma fração de minuto pela conexão banda larga.

É extensa a lista dos sites que foram fechados e das tecnologias que desapareceram nesse intervalo de tempo. O golpe de misericórdia veio agora, final de 2009.

Após uma longa jornada de batalhas judiciais, conseguiram fechar ou intimidar sites outrora considerados imunes à perseguição. Caso do Demonoid, Mininova e The Pirate Bay, por exemplo.

Sobrou pouco. Alternativas menores e menos populares continuam disponíveis enquanto brigam judicialmente, fazendo com que advogados repensem uma série de princípios das relações comerciais e diplomáticas entre países.

Quem acompanha de perto o cenário tem até medo de ser processado ou perseguido por baixar arquivos da internet. Os precedentes são numerosos e a paranóia da indústria parece não ter limites.

Hoje temos provedores abrindo a conta de usuários “sob suspeição”. Temos operadoras sendo coagidas a capear a velocidade de conexão quando detectam o uso de protocolos para compartilhamento descentralizado, como torrent ou peer-to-peer (P2P).

Ocorre que nem sempre há coerção. Porque não há sequer uma mínima regulação sobre o assunto. Aqui no Brasil a gente sabe como, quando, onde e quem faz isso. Operadoras chegam a capear, limitar ou bloquear até mesmo conexões VoIP para você desistir de fazer ligações interurbanas (DDD) usando o Skype.

E não fazem a menor questão de especificar esse “recurso” em contrato. Aquele mesmo contrato que você assina sem ler. É todo o respaldo jurídico de que precisam. Sem um marco regulatório claro, não estão exatamente cometendo uma ilegalidade.

E o limbo entre a ilegalidade e a imoralidade é muito tênue.

Aqui o jogo começa a esquentar. Há exatos dez anos se fala em neutralidade de rede (net neutrality) e o conceito nunca deixou de ser exatamente isto: um conceito.

São centenas de teses de doutorado, estudos técnicos e extensos relatórios sobre a neutralidade de rede. Pode fazer o download desses documentos, não é pirataria.

Na prática, neutralidade de rede nunca saiu do papel. É uma regulação que só interessa ao consumidor, não interessa a nenhuma indústria.

Com tanta dedicação a coibir o uso de redes compartilhadas, a indústria não levou em conta que a falta de marcos regulatórios vale para todos.

E criou um monstro sem querer.

A pirataria depois de amanhã

É óbvio que a pirataria organizada (em alusão proposital ao crime organizado) iria achar solução. Sempre achou. E não tem nada de Sun Tzu.

Você vai pagar, mas não será para as detentoras das marcas ou dos direitos autorais. Não vai pagar pelo produto legalizado. Você vai pagar para fazer o download do conteúdo pirateado mesmo, por meio de redes particulares ou hubs criptografados que vão indexar e hospedar todo esse material. Como se fosse o cofre de uma conta bancária na Suíça ou o papel moeda das Ilhas Cayman.

Pirataria 2.0 já começou. E estão usando as mesmas armas da indústria.

A função do camelô da 25 de março em São Paulo ou do atravessador da Feira dos Importados em Brasília continuará a mesma. Só que além de vender jogos piratas do Playstation e o novo Windows, você também vai comprar uma senha para ter acesso a uma rede privada, anônima, criptografada. Uma rede própria da “loja” ou de um pool de piratas organizados.

Ele pode lhe vender um pendrive com o acesso que você precisa. Ou simplesmente escrever num papelzinho o endereço HTTPS e lhe vender só a senha. Até a sua bisavó vai saber digitar no Firefox. Mais fácil, impossível.

Neste exato momento, há um custo de manutenção sendo pago por um número mínimo de pessoas ao redor do mundo. Essas redes trabalham com criptografia, com transferências seguras via SSL por FTP e até mesmo usando pontos de presença móveis.

Várias delas usam os mesmos protocolos e certificações usados pelos sites de comércio eletrônico para garantir a privacidade e segurança do seu cartão de crédito.

A idéia nem é nova, está presente no submundo da internet há bastante tempo. Só nunca teve aceitação popular, nunca se popularizou como está sendo agora. Via de regra porque todo esse mundo de conteúdo ilegal ainda pode ser encontrado de graça, sem pagar nada.

Mas esses dias estão contados.

Até pouco tempo atrás, pensar em pagar por uma espécie de Napster privativo parecia loucura. Todos que tentaram (inclusive o próprio Napster) falharam.

Acontece que todos tentaram com conteúdo específico (nicho) e material legalizado (direitos autorais), um verdadeiro entrave se consideramos todas as amarras comerciais e jurídicas do processo. É o exato oposto das redes de compartilhamento que conhecemos até hoje e por onde transitam os terabytes de conteúdo ilegal a cada minuto.

Esse período de agora vai ficar marcado como o fim de uma rede de sistemas e protocolos baseada no compartilhamento de arquivos ilegais.

De agora em diante, quem antes compartilhava vai oferecer os mesmos arquivos ilegais, pela internet, do mesmo jeito. Só que por um preço. E muita gente já quer e vai querer pagar, pela facilidade e comodidade.

O embrião da Pirataria 2.0 está com grupos profissionais de piratas e contas pagas em serviços como o Rapidshare, um dos redutos o qual a indústria ainda não conseguiu ? e nem vai conseguir ? interromper. Sabe por quê?

Porque aqui não é a lei da selva que predomina, onde apenas o mais forte sobrevive. A indústria sempre foi e sempre será um grão de areia frente às possibilidades das redes telemáticas.

Trata-se simplesmente da boa e velha lei de mercado. Onde houver demanda, haverá oferta. Nunca deixou de ser assim. Se fechar uma porta aqui, ali na frente abrem duas.

Sites como Rapidshare ainda precisam de indexadores, no sentido de você saber o link exato ou onde encontrá-los. Ainda precisam de atravessadores, digamos assim.

Além de voltar a usar HTTP em redes privadas, a Pirataria 2.0 começa a adotar protocolos que perderam popularidade com o passar do tempo, como o FTP e a Usenet. Estão voltando a abolir a necessidade de indexadores. Só quem vai saber é quem for sócio.

É assim que funciona quase todas as redes de pedofilia, detalhadas ao extremo em relatórios produzidos pelas polícias internacionais e pelas instâncias jurídicas de todos os países.

Todo mundo sabe como funciona, mas ninguém consegue fechá-las. Por que? Pergunte a qualquer juíz se existe luz no fim do túnel.

As redes privadas e criptografadas da pirataria 2.0 vão funcionar quase como uma aldeia indígena no Brasil. Mesmo que haja suspeita de atos ilícitos lá dentro, ninguém entra sem uma autorização expressa da Funai.

Acontece que no ciberespaço não existe Funai. Os diversos órgãos regulatórios funcionam de direito, não funcionam de fato. Porque nunca foi interesse do mercado, não é interessante criar marcos regulatórios para o mercado.

Exceção à regra são alguns poucos países da União Européia, onde a cultura regulatória socialmente direcionada está mais presente. Não à toa, são os mesmos países criticados e combatidos pelas maiores corporações. Pensou na briga judicial Microsoft vs UE? Pois é. E ela é apenas uma.

Olhe para as agências reguladoras no Brasil (Anatel, Aneel e outras quitandas) e tire sua própria conclusão. Não ache que em outros países é muito diferente. A maioria dos órgãos com competências similares são meros mostruários de boas intenções sem a menor aplicabilidade.

Ou será à toa que o Brasil é o país com as tarifas de telecomunicações mais caras do mundo?

Sobre a pirataria de hoje

Se a boa intenção é conter a pirataria de software e conteúdo ilegal, é preciso deixar bem claro: só existem dois fatos concretos, o resto é opinião e ideologia:

1)    Pirataria (ainda) é crime e sites indexadores de torrent são, sim, uma fonte irrestrita de pirataria. É pueril adotar o argumento de que esses sites não hospedam os arquivos, mas apenas apontam o caminho de onde estão; logo, não poderiam ser incriminados.

2)    Partindo da premissa 1, se indicar o caminho para conteúdo ilegal vai passar a ser configurado juridicamente como oferta de conteúdo ilegal, então é preciso fechar toda a internet. A começar pelo Google.

Pelo Google eu encontro qualquer torrent. Pelo Google e por qualquer outro mecanismo de busca, eu encontro redes públicas e privadas de pedofilia, remédios falsificados para comprar, contato de grupos de extermínio ou posso simplesmente achar linhas de código que me permitam descobrir senhas de terceiros.

Vamos fechar o Google? Vamos exigir uma autorização especial para usar internet, tipo uma licença de uso ou carteira de motorista?

Enquanto não houver regulações claras sobre a atuação das corporações e fiscalizações peremptórias por parte dos órgãos regulatórios, a lei do mercado sempre vai prevalecer.

E isso não é necessariamente ruim. É quando entra a ideologia de cada um. A lei de mercado sempre foi o desejo da indústria, para defender “os interesses dos artistas” (copyright) e “combater o tráfico de drogas” (o discurso atual). Sem esse desejo incontrolável e tão perseguido, não teríamos a Pirataria 2.0 que surge no horizonte.

Porque agora os interesses são mútuos. [Webinsider]

Avatar de Paulo Rebêlo

Paulo Rebêlo é diretor da Paradox Zero e editor na Editora Paradoxum. Consultor em tecnologia, estratégias digitais, gestão e políticas públicas.

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12 respostas

  1. Pingback: Pirataria 2.0 ‹ REBELOX
  2. Todo mundo estava acostumado a pagar por conteudo. E houveram muitas coisas legais, dignas deste retorno financeiro. Acontece que um dia isto se inverteu, vc ja nao precisava mais pagar pelo conteudo que vc quer, mas quem mais ganhava com isso (e nao eram os artistas e/ou desenvolvedores) nao topou com a ideia, e dai surgiu essa briga. Afinal eles fabricavam o conteudo para vc e queriam seu dinheiro em troca, e vc sempre deu. Msm com qualidade duvidavel, alias.. eles sempre ganharam dinheiro com isso, nao havia competicao a altura, entao pq se preocupar com qualidade ¬¬
    O que interessa eh o seu dinheiro e claro, defender os interesses e a qualidade de seus artistas.

    O valor agregado, seja ele pra fazer sua tarde feliz, ou para solucionar tecnologicamente seu problema, eh que faz vc pagar pelo produto. Quando isto td passar a ser questionado, seu preco tb. E nao adianta o tio bill querer me fazer crer q vale a pena pagar pelo seu projeto de SO, pq se for para gastar meu dinheiro com isso in MY island, com ctz eu compro uma maçã.

    essa discussao ja eh ultrapassada, eles que se queimem neste inferno juridico.

    o produto que agora vale a pena vc pagar por ele, pasmem… ja chega a vc de graça… o conteudo dele nao acaba nele mesmo, e seus desdobramentos eh que agregam valor. A pirataria ja esta mais doq incorporada ao mundo corporativo. Soh que alguns ainda estao estao trabalhando e discutindo para um monte de velho gordo atras de uma mesa, aquele mesmo que sempre te ofereceu um produto caro e de qualidade. A nova industria, alem de ja nao discutir mais isso, incorpora estes conceitos, inclusive para nao ir a um tribunal contra este velho gordo. Para ter a liberdade de oferecer seu produto da forma que quiser, lucrar, como bem disseram ali em cima, com a demanda de seu produto, e oq garante isso é sua qualidade, e quem balisa isto é vc usuário consumidor.

    Geracao de conteudo de qualidade, os piratas adoram, distribuem com louvor por vc, basta vc saber onde navegar e recolher o seu tesouro.

    Se o futuro da tecnologia, dizem ser as nuvens, o futuro da pirataria é o mar. Alias essas redes e nuvens deveriam ser chamadas de caixotes, pq para entrar nem sempre eh facil, esse futuro Xboxing de ser ira salvar os gordos velhos atras da mesa somente. O que nao entenderam ainda q eh facil quebrar a caixa ainda mais qdo eles estao atras da mesa e nao estao vendo mais nada embaixo da barriga.

    afff… cansei, vamos pro bar ? eu ja to indo….

  3. Evitar a pirataria é simples: as empresas, se querem ganhar devem, primeiro, apertar o governo sobre redução de impostos e em seguida ter em mente que se ganha bem quando se ganha em quantidade, ou seja, baixo lucro por produto, mas vende-se muito o produto, então uma coisa compensa a outra.
    Como fez a Microsoft recentemente, banir todos os usuário de consoles desbloqueados de jogar na Xbox Live, não é bem solução, você faz as pessoas irem para o concorrente, como vejo pessoas indo para o PS3, onde a live dele é gratuita.

    Se os jogos de Xbox fossem o mesmo preço de computador, tenho certeza que muita gente deixaria de comprar jogos piratas, não que isso aboliria a pirataria, mas a reduziria.

  4. Ótimo texto, e acho que sua indignação pede por uma conclusão, do tipo, vamos fazer alguma coisa.
    Pra quem não sabe, está acontecendo o Marco Civil na internet, uma maneira colaborativa onde você sugere o que é melhor para a internet no Brasil.
    Ao final, chegaremos a um consenso, acredito eu.
    http://culturadigital.br/marcocivil/

    Abraços,
    @vamoss

  5. Eu pensei em vários comentários que poderia fazer sobre algumas possíveis soluções. Mas no decorrer da lógica me veio um pensamento que complicou.

    Estamos lidando com problemas que vieram do passado. Baixar softwares, músicas e vídeos. O aumento da largura da banda está logo ali. As possibilidades são inúmeras. Séries já são passadas on-line para quem mora nos EUA, rádios já são disponibilizadas com personalização, softwares estão cada vez mais on-line, jogos estão cada vez mais restritos para quem tem original, novos sistemas operacionais estão surgindo.

    Se quiserem tomar alguma atitude com relação aos fornecedores de meios para a pirataria tem que fazer isso agora, porque, naturalmente, essa forma vai acabar. No mínimo mudar para algo completamente diferente.

    Definitivamente, acredito que as vencedores serão aquelas indústrias que acompanharem a evolução e não as que tentarem bloqueá-la, ou seja, tem que estar um passo à frente e não um passo atras.

    Um abraço.

  6. A indústria não é ingênua, quem garante que esta filosofia não esteja sendo implantada por ela mesma? Ou vcs acham realmente que eles não atuam também na pirataria?!

    Imagine, eles lucrando sem ter que pagar os artistas, ora ora ora… abram os olhos!

    Onde tem dinheiro, tem investidores.

  7. A indústria ainda não entendeu que para combater tem que atacar. Ao invés de ficar tentando fechar as portas deveria oferecer seu precioso conteúdo por preço e forma mais acessíveis. Aposto que assim muita gente iria preferir comprar!

  8. Muito lúcido e objetivo o artigo, Paulo Rebêlo.

    Quanto ao desajuste entre as possibilidades da rede mundial e a cultura jurídica em vigor, gosto de retomar o velho Marx, que nos dizia que o desenvolvimento das forças produtivas (técnica e trabalho) leva a contradições com as formas jurídicas dominantes, resultando daí a transformações sociais necessárias quando a tensão entre os dois campos em contradição não mais se sustenta.

    As formas de conceber propriedade intelectual e os meios para se controlá-la não mais se adequam a regulamentação vigente.

    Algo novo deve sair daí, e a luta política acabará definindo muita coisa.

  9. Parabéns excelente artigo. Vejo que somente com imposição pesada de algum segmento da indústria como por exemplo a Apple com sua loja para o iTunes, vai forçar a ter um preço acessível e dessa forma fomentar a legalidade frente a possibilidade do poder de compra do consumidor. A pirataria é uma questão de diferenças de valores, cambiais, sociais e econômicos.

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